Uma lei que nasce polêmica, expõe a falta de conhecimento do poder público sobre a realidade de parte das escolas de Belo Horizonte e fura a fila de projetos considerados prioritários pela Secretaria Municipal de Educação (Smed). A instalação de detectores de metais em unidades de ensino municipais com mais de 500 alunos por turno transformou-se em obrigação legal ao ser sancionada pelo prefeito da capital, Marcio Lacerda (PSB), no fim da última semana, apesar de ele mesmo reconhecer a fragilidade da norma e de o equipamento aparecer em quinto e último lugar em uma escala de prioridades para a segurança escolar, segundo pesquisa com diretores das instituições.
A decisão do prefeito vai na contramão de declaração dada por ele próprio no mês passado, quando reconheceu a vulnerabilidade das escolas e os possíveis transtornos decorrentes da instalação dos detectores. “A escola não é como um prédio, com uma única porta. Ela é cercada de muro ou de tela. Introduzir uma arma ali é muito fácil. Os detectores vão criar fila na porta e um estresse a mais para um risco que é baixíssimo”, disse Lacerda, em entrevista ao EM em 30 de maio.
A Secretaria Municipal de Educação também avalia que os detectores “não são eficientes por si só para garantir a segurança nas escolas” e vão apenas integrar uma série de ações preventivas. “Fizemos uma pesquisa em que apontamos cinco ações para os diretores enumerarem em ordem de importância. Em primeiro, aparece a necessidade de ter vigilantes e porteiros qualificados. Em seguida, vêm a presença da Guarda Municipal na escola, a instalação de câmeras de monitoramento e os programas de aproximação entre instituições de ensino e comunidades. Em quinto lugar aparece a instalação de detectores. Nesse contexto, entendemos que os equipamentos são bem-vindos, desde que associados às demais ações que já estamos implantando”, explicou o gerente de Projetos Especiais da secretaria, Ismair Sérgio Cláudio.
Mesmo com tantas ponderações, a prefeitura deu aval ao projeto. No entanto, ainda não sabe informar os detalhes da instalação dos equipamentos nas escolas. Em nota, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial se limita a esclarecer que “estão sendo avaliados modelos, custos, portabilidade e como se dará o emprego operacional” dos aparelhos, que custam entre R$ 2 mil e R$ 3 mil cada, segundo empresas de segurança consultadas pelo EM. Com base nesse orçamento, a implantação dos detectores nas 41 escolas pode custar até R$ 120 mil aos cofres públicos.
Infraestrutura

Na Escola Municipal Pedro Aleixo, no Bairro Flávio Marques Lisboa, no Barreiro, a notícia da instalação é bem-vinda, mas não deixa de despertar desconfiança na direção. “Toda medida para ajudar a conter a violência é boa, mas resta saber como será a implantação desses aparelhos. A escola é muito vulnerável, com apenas um vigilante para controlar dois portões, e tem muros baixos. A segurança é uma das nossas prioridades, mas temos outras também urgentes, como mais áreas de lazer e a reforma do parque infantil, que poderiam ser beneficiadas com essa verba”, disse a diretora Ana Lúcia de Oliveira.
Escola transformada em fortaleza
Muros de mais de três metros de altura cercam a Escola Municipal Santos Dumont, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte. Nos pátios e quadras da instituição, toda a movimentação é registrada por duas câmeras e por funcionários equipados com radiocomunicadores. E, na portaria, um agente registra a entrada de todos os visitantes. Até o fim do ano, a unidade de ensino ainda vai receber detectores de metais, graças à lei sancionada na última semana pelo prefeito Marcio Lacerda. Apesar de todo o aparato, o clima não é de segurança no local. “Sentimos falta de um profissional treinado e especializado para abordar os alunos. Não dá para pensar na escola como um aeroporto ou um banco, onde as pessoas são revistadas. É preciso um tratamento mais educativo, com foco pedagógico”, diz o diretor Carlos Lúcio Generoso.
Os episódios de violência são narrados por alunos e professores da escola que, amedrontados, apoiam a instalação de detectores. “Já vi colegas com estilete na mochila e até boatos de que havia armas. Sempre presencio brigas na saída da aula e acho que tudo o que vier para dar mais segurança será muito bom”, conta a aluna do 9º ano do ensino fundamental Camila Teixeira Lopes, de 15 anos. A professora de inglês Carla Brandão, que já foi agredida na porta da escola, também recebe bem a medida e ainda cobra mais ações do poder público. “Na nossa escola não há arma, há indisciplina. E falta uma providência efetiva do governo para solucionar os casos e evitar que eles se agravem. Os pais não assumem a responsabilidade deles, os órgãos da Justiça não se posicionam e o poder público faz o quê? Manda um detector de metal? Confesso que acho pouco.”
Preocupado com as estatísticas de violência nos ambientes de ensino – a Polícia Militar atuou em 4,3 mil ocorrências em escolas mineiras entre 2008 a 2010 –, a Federação das Associações de Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas Gerais (Fapaemg) é favorável aos detectores. “Lamentamos a necessidade desses equipamentos, mas apoiamos a instalação. Sabemos que eles não vão resolver 100% o problema, mas já é um início. Precisamos deixar de lado a hipocrisia e reconhecer que a situação é grave e que não há escola imune à violência”, diz o presidente da entidade, Mário de Assis.
Com opiniões contrárias, especialistas em segurança pública e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH) criticam a lei. “A medida é absurda, inoportuna e inadequada. Trata-se de uma típica legislação de pânico, que pretende isolar a escola da comunidade. O problema da violência na escola não envolve armas, e sim agressão físicas, verbais e depredação do patrimônio”, defende Luiz Flávio Sapori, professor do curso de ciências sociais da PUC Minas.
Para o Sind-Rede/BH, a medida é “marqueteira” e vai trazer transtornos. “A entrada nas portarias será feita de maneira individual, o que vai gerar filas imensas. Quem vai garantir a segurança dos jovens do lado de fora das escolas? E quem vai manusear esses equipamentos e revistar os alunos em caso de problema? Não temos servidores para essas tarefas. Essa lei é apenas uma resposta ao massacre de Realengo”, declara critica a diretora-administrativa do sindicato, Andréa Carla Ferreira.
E ainda faltam as garrafas de vidro
Não bastassem as novas leis cheias de polêmicas e versões, Belo Horizonte ainda tem na fila projetos que mal saíram da Câmara e já são criticados pela falta de coerência. Um exemplo é a proposta que proíbe o uso de garrafas de vidro em casas noturnas da capital, aprovado em votação definitiva no início do mês pelo Legislativo. O controle seria uma forma de reduzir riscos em uma possível briga. Mas o projeto, considerado inócuo diante dos inúmeros materiais que poderiam ser usados por eventuais brigões, ainda abre controvérsia ao incentivar o uso de copos de plásticos e a produção de lixo não biodegradável na cidade, que recentemente baniu as sacolas plásticas sob o argumento de proteger o meio ambiente.
O projeto, do vereador Paulinho Motorista (PSL), aguarda sanção do prefeito Marcio Lacerda. Apesar da emenda que restringe a proibição a locais com cobrança de entrada, destinados à apresentação de shows artísticos e eventos esportivos, o texto é alvo de protestos e críticas. Para o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Grande BH, a proposta é inconstitucional e pode gerar prejuízos de até R$ 1 milhão às casas noturnas.
