
O último pacote de medidas paliativas adotadas no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, depois da tragédia que matou cinco pessoas em janeiro, não foi suficiente para frear a irresponsabilidade dos motoristas e a imprudência ainda escapa por entre os dedos das autoridades encarregadas do gerenciamento do trecho. A instalação de radares e melhorias na sinalização no ponto mais crítico da via, a chamada descida do Bairro Betânia, conseguiram reduzir o número de acidentes e evitar mortes na rodovia no mês passado. Mas, como mais uma vez as providências foram pontuais, o desrespeito à vida ainda é flagrante em vários pontos dos 26,5 quilômetros do corredor mais movimentado da capital. É o que fica claro a partir de levantamento feito pelo professor doutor em engenharia de transporte Frederico Rodrigues que, a convite do Estado de Minas, mediu a velocidade de veículos em seis pontos do Anel, na última semana. O monitoramento constatou que, pouco depois de passar pelos equipamentos de controle de velocidade, 73% dos caminhões, responsáveis pelos mais graves acidentes no Anel, aceleram muito além dos
60 km/h permitidos. A medição indicou que a afronta à lei ocorre também entre carros de passeio: longe dos sensores, 30% dos condutores pisam fundo no acelerador. Embora o percentual de desrespeito seja menor do que entre os transportadores de carga, os veículos leves foram responsáveis pelos maiores abusos, com velocidades de até 140 km/h.
A cultura do improviso, que sempre dominou as decisões do poder público quando o assunto é a segurança do tráfego no Anel Rodoviário de BH, ganhou, esta semana, mais um capítulo. O início das operações de dois radares instalados no trecho mais letal da rodovia, a descida de sete quilômetros entre os bairros Olhos D'Água e Betânia, na Região Oeste de BH, foi adiada por tempo indeterminado. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), os equipamentos já foram montados, mas, para entrar em funcionamento, dependem de componentes eletrônicos ainda não encaminhados pelo fabricante. Os dois limitadores de velocidade fazem parte de um pacote de cinco aparelhos instalados no trecho desde 28 de janeiro, quando uma carreta bitrem desgovernada atingiu 15 carros, matando cinco pessoas e ferindo 12.
Apesar de mais um adiamento, 12 radares estão em operação, atualmente, nos 26,5 quilômetros de extensão do Anel. Mas eles são insuficientes para conter a irresponsabilidade de quem trafega pelo mais movimentado corredor da capital. Segundo a análise do comportamento dos motoristas feita pelo professor Frederico Rodrigues, diretor da ImTraff, empresa especializada em engenharia de tráfego, o abuso de velocidade é realidade a poucos metros dos sensores. Durante duas horas e meia, na tarde da última quarta-feira, o especialista monitorou 175 veículos, sendo 87 caminhões e 88 carros de passeio, e constatou que mais da metade trafegava acima do limite permitido em seis pontos do Anel.
A mais grave infração foi registrada na entrada do Bairro São Paulo, no sentido BH-Vitória, menos de 800 metros depois de uma lombada eletrônica: um Fiat Palio trafegava a 140km/h – velocidade 75% superior à máxima de 80km/h permitida para veículos leves no trecho. Na subida do Bairro Betânia, no sentido BH-Rio de Janeiro, em frente ao local da tragédia de 28 de janeiro, um Toyota Corolla foi flagrado a 125 km/h. Além de dirigir quase 80% acima da velocidade autorizada no local (70km/h), o motorista ainda fez ultrapassagens arriscadas, colocando a vida de outros condutores e passageiros em risco.
A irresponsabilidade dos motoristas também se estende às vias marginais do Anel. Numa das pistas laterais, depois do viaduto sobre a Avenida Amazonas, no sentido BH-Vitória, o especialista flagrou um carro a 98 km/h – 245% acima do limite fixado para a marginal, de 40km/h. "Os maiores abusos ocorrem em pontos distantes da fiscalização e fora dos horários de pico, quando o menor movimento de veículos permite que os motoristas desenvolvam a velocidade de fluxo livre. O Anel Rodoviário é uma via expressa de alta velocidade que corta um centro urbano e, por isso, é naturalmente propensa a um grande número de acidentes", explica Frederico, que também é professor do curso de pós-graduação em transporte e trânsito do Cefet-MG.
Mas a sugestão não tem apoio do comandante da unidade da Polícia Militar Rodoviária (PMRv) responsável pela fiscalização do Anel, tenente Geraldo Donizete. Segundo ele, os radares são instalados em locais estratégicos, onde é realmente necessário reduzir a velocidade. "Já constatamos que o cidadão passa pelo redutor freando e, depois, volta a acelerar. Não há como controlar a velocidade metro a metro e, por isso, há um estudo do local exato para a instalação do radar. É preciso considerar também o risco de fazer um caminhão pesado trafegar a apenas 40 km/h ou 50 km/h. Isso forçaria muito os freios e, em caso de necessidade real, há chance de o caminhoneiro não conseguir parar", argumenta o policial.
O especialista Frederico Rodrigues defende medidas de planejamento urbano mais amplas como solução para a violência no corredor de trânsito. "O Anel foi totalmente incorporado pela cidade e, dessa forma, deveria ser tratado como mais uma avenida. Ou seja, é preciso que se construa um novo anel para receber o tráfego rodoviário e de alta velocidade, alterando o atual para operar como via urbana."
