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Estado de Minas entrevista/cris guerra - 51 anos, Publicitária e escritora

Vida e amadurecimento no fundo do poço

Publicitária mineira, teve a vida transformada depois de viver o luto da perda do marido. Hoje a blogueira de moda se tornou escritora e palestrante


02/01/2022 04:00

Escritora e palestrante
Cris guerra foi a primeira blogueira de moda do país (foto: Márcio Rodrigues/divulgação)


A publicitária e escritora Cris Guerra diz ter nascido no fundo do poço, mas sem dúvida nenhuma, tudo o que aconteceu em sua vida foi o que transformou a jovem publicitária em uma mãe, mulher e profissional forte, criativa, ousada. Foi, a partir da perda do seu grande amor, seu marido Guilherme dos Santos, quando ela estava grávida de oito meses do seu filho Francisco – hoje com 14 anos – que a transformou em uma escritora, que hoje lança seu oitavo livro. Foi na busca de se reconhecer como mulher depois de ter dado à luz, que criou o primeiro blog de moda do país, e se tornou a primeira influencer, quando essa palavra nem existia ainda. Cris Guerra é mulher de personalidade e opinião, mas também é dona de uma delicadeza e sabedoria que dão a ela um jeitoêespecial de colocar para as pessoas tudo o que quer falar, com equilíbrio, e respeito, sem agredir ninguém. Pelo visto, nascer, viver ou passar pelo fundo do poço não deve ser tão ruim assim.
 
Este é o seu oitavo livro, com um tema bem atual. Para qual público você direcionou?
Para todo mundo. É um livro que fala desse lugar, que todo mundo, um dia, já disse estar, o Fundo do Poço. Pode falar sério, brincando ou nem fala, mas está lá. Essa brincadeira com esse clichê, é algo que acho muito necessário falar, por isso o título é “Fundo do Poço, lugar mais visitado do mundo – notas de viagem”. Estava devendo para mim mesma um livro assumidamente de autoajuda, que tentasse ajudar as pessoas, que conversasse com o leitor, apesar de já ter escrito sobre isso indiretamente. Queria estruturar uma forma de olhar para isso como um aprendizado. Tudo começou em 18 quando dei palestra no Ted Ex da Puc Minas, que chamava “Lugar mais visitado do mundo”. Na época o Google dizia que o lugar mais visitado do mundo era Bangkok, e eu comecei falando que oráculo só século 21 estava errado, que este lugar era o fundo do poço. Mostrava uma placa dizendo bem-vindo ao fundo do poço, era uma brincadeira, todo mundo ria, e isso é uma porta de entrada. Falo que eu nasci no fundo do poço.

Como assim?
Sou a quinta filha. Já tinha dois pares dois irmãos e duas irmãs. Cheguei desestruturando essa ordem das coisas, fui muito mimada. Teve uma época que fiquei insuportável. A família me rotulou. Eram seis pessoas dizendo que eu era muito difícil, muito chata. Quando eu tinha 24 anos perdi minha mãe de câncer, sete anos depois, perdi meu pai, também de câncer. Me casei pela primeira vez, tive dois abortos. Depois, perdi meu segundo marido de repente, quando estava grávida de oito meses, do Francisco. Na palestra, tem um momento que mostro uma ilustração que meu namorado fez para mim, tipo aqueles guias de viagem antigos, que é um guia Fundo do poço, para aproveitar 100% dessa aventura. É divertida. A palestra não tem grande audiência, mas é divertida. Parece a capa do livro que veio a existir agora.

Foi aí que teve a ideia de escrever o livro?
Em 2019, postei a imagem que mostrei na palestra e algumas pessoas perguntaram se era um novo livro. Foi aí que eu percebi que estava na hora de escrever este livro, mesmo porque em 18 minutos – tempo máximo dos Teds – não dá para explorar muito o tema. A editora Melhoramentos me procurou em 2020 para fazermos um livro, e eu aceitei, porque eu gosto da editora que gosta de mim, de onde me sinto bem-vinda. Sou muito caótica para escrever, comecei no início do ano e finalizei em julho.

O livro conta sua história?
Na verdade, eu queria escrever no estilo minutos de sabedoria, para o leitor abrir qualquer página no dia e receber uma mensagem, mas percebi que não daria certo, porque ninguém é obrigado a conhecer minha história. Senti necessidade de contá-la, para mostrar porque me sinto apta a ser uma guia sobre esse tema. Por isso o formato mudou um pouco. É um livro que tem várias pinceladas de tudo o que eu já falei. Fala sobre vestir, então tem trechos do meu livro de moda, tem trechos do Para Francisco. É como se fosse um livro de autoajuda, mas pode ser lido como um livro de crônicas. Os trechos são como se fossem lugares, tem o Porto Entrega, para falarmos de entrega; Fonte dos Desejos, para falar sobre descobrir o que queremos. Ficou interessante.

O tema está bem atual, principalmente depois dessa pandemia
Esse tema é universal nesse momento, porque todos estávamos no fundo do poço, nesse momento. De certa forma, ainda estamos. É um livro que tem como espinha dorsal um pouco da minha história, mas é um livro sobre o luto, não apenas o da perda física, mas os simbólicos também. E o que aprendemos com todos eles. Sou muito mais madura e tenho um olhar muito mais positivo para a vida depois que perdi o Gui. Ver que a vulnerabilidade é de todos, que não temos controle sobre nada. Tudo vais depender de como você olha as coisas.

Você é dada a depressão?
Eu tomo um antidepressivo leve, um regulador de humor. Tenho as minhas tristezas, acho que tenho sim um traço de possibilidade de depressão, só que eu me cuido. Gui morreu em 2007, em 2009, por um somatório de problemas tive uma depressão, e desde então tomo esse remédio, que é muito importante para mim. Acho que deveria tomar esse remédio desde jovem, mas meu psiquiatra diz que não, que ao longo da vida a gente vai segurando as coisas, mas chega um ponto que a gente cansa e por isso vem a depressão. Ele diz que eu preciso da minha angústia, e por isso a dose é muito baixa. Namorei um psiquiatra e ele ria da dose que eu tomo. Lembro de mim como uma criança muito sofrida. Pergunto para uma prima, que é 15 anos mais velha que eu, se eu era triste, e ela diz que eu era uma criança muito alegre, e engraçada, mas não lembro de mim assim. Só me senti feliz depois que eu me resolvi, resolvi minha autoestima.

Por falar em autoestima, você mudou seu sorriso, tirou seus dentes encavalados. Isso te incomodava?
É uma coisa interessante. Isso fala da possibilidade de vermos uma coisa novamente, olharmos e falar “e se”. Todos da minha casa têm os caninos proeminentes. Acho que é muito dente para o espaço bucal. A experiência de aparelho com meu irmão mais velho não foi boa e por isso meus pais não quiseram colocar em nenhum dos outros filhos. Minhas duas irmãs colocaram aparelho aos 40 anos. Eu já falava de autoestima, e tenho um trabalho de autoaceitação bem forte, aprendi a me aceitar. Toda vez que ia fazer palestra, algumas vezes, depois, uma pessoa chegava e falava, ou comentava nas redes que adorava meu trabalho, mas queria me dar um toque para eu melhorar meu sorriso. Um dia, decidi fazer uma consulta, para ver se tinha alguma questão funcional, que poderia me dar um problema no futuro. Consultei e ela estudou meu caso um bom tempo, porque meu interesse era em colocar o Invisaling, e ela disse que não tinha jeito. Que teria que arrancar dentes da frente e que ela não recomendava. Larguei isso de mão, mas as pessoas continuavam me abordando com essa questão, e algumas de uma forma bem indelicada. Um dia fiz um texto sobre esse tema e recebei uma mensagem, muito delicada, do dr. Rodrigo Almada, especialista em Invisaling, que gostaria de me mostrar o trabalho. Não dei muita importância. Dois anos depois, uma amiga em comum, insistiu para eu ir, e aceitei. Ele disse que daria certo. Em cinco meses deu uma alinhada ótima, natural, como eu queria, apenas um sorriso mais harmonioso. Hoje, me sinto mais bonita, mas a minha autoestima já havia sido construída antes. Não doeu nada, eu dei a mão à palmatória, ficou melhor e não incomodo mais as pessoas, e continuo me reconhecendo. Continuo gostando de mim com o meu sorriso antigo e gosto de mim agora, também. Hoje eu sorrio mais.
 
E a decisão de parar de pintar o cabelo?
Em julho de 2019, passei a fazer parte de um Podcast com a Natália Dorneles, Fernanda Ribeiro e Daniella Zupo, chamado As Perennials. Sugeri que falássemos sobre envelhecimento porque era um assunto importante para mim, porque estava com 46 anos e vi que estava perto de fazer 50 anos e fiquei muito assustada. A virada dos cinquenta mexe com a gente e  queria falar no assunto, porque lido melhor com as coisas quando eu verbalizo. Criei uma coluna chamada 50 crises, na extinta revista Canguru, da Ivana Moreira. Pq me chamo Cristiana, mas todos me chamam de Cris, e eu amo meu apelido. E decidi falar sobre o envelhecimento de forma bem-humorada. A revista era mais voltada para pais e filhos. Depois parei. E quando nasceu o poscast, sugeri o tema. Foi um sucesso. Dani e eu saímos, mas o podcast continua, é muito bom. Voltando ao cabelo, no segundo episódio, falamos sobre cabelos brancos – a Dani já tem cabelos brancos –, e ela já me inspirava. Tenho cabelos brancos desde os 30 anos. Disse um dia no programa, que sempre que meu cabelo ficava branco tinha um misto de sentimentos, querendo ver como eu ficaria. Meu namorado perguntou por que eu não deixava ficar ao natural para ver. Quando vi que o meu namorado estava me dando força, fui à minha cabelereira e ela disse que íamos cortando até ele igualar. Quando a raiz estava com dois centímetros, praticamente raspei a cabeça, fiquei meio monge budista, e assumi. Foi mais fácil porque há 32 anos uso cabelo curtinho. Aprendi que tenho que cuidar mais do cabelo. Mas acho que fica mais natural para mim, meu rosto fica mais suave. Mas como não sou presidente do time das grisalhas, posso pintar no dia que me der na telha. Acabei mostrando que podemos envelhecer do jeito que estamos a fim, sem cerceamento.

Quando a gente se expõe na internet, as pessoas se sentem no direito de dar palpite. Uns são mais delicados outros mais grosseiros. Como você lida com isso?
Essa pergunta é muito importante. Sempre fui uma pessoa muito transparente, verdadeira e sincera. Foi minha irmã que me ensinou a ter diplomacia, atitudes sociais, porque eu era daquelas que se me perguntassem “tudo bem” eu respondia, “não, hoje não está tudo bem”. Se eu estiver triste, não consigo dizer que estou alegre. Já aprendi a fazer esses papeis sociais, mas é difícil. Quando comecei a escrever o Para Francisco, e colocar na internet, que foi a forma que encontrei para aplacar a minha angústia através dessa escrita, porque saber que o Guilherme nunca conheceria o Francisco e ele nunca conheceria o pai era muito ruim. E eu era a privilegiada de conhecer os dois. Descobri que escrevendo poderia fazer o Francisco conhecer o Gui. O mais engraçado é que o Francisco nunca leu o livro. Leu um pouquinho quando era mais novo, disse que era muito complexo, muito maduro para ele, e não leu mais. Agora, que a melhor amiga dele pediu para ler, e ela está lendo e conta para ele. Poderia ter escrito em um caderno, escrevi na internet porque queria gritar um pouco a minha dor para o mundo. O luto nos coloca em um lugar muito solitário. Ali eu me expus e nunca parei para pensar sobre isso. Acho que não me criticaram por isso. Mas uma pessoa mandou uma mensagem dizendo que eu sabia escrever sobre a dor. Isso me incentivou a criar o outro blog, o Amor e Ponto. Dois meses depois que estava fazendo o Para Francisco, fiz o Hoje vou Assim. Sempre fui alta consumidora de moda. Estava em uma fase de ter tido um filho a pouco tempo, estar reconhecendo meu corpo depois de parir, e, também me reconciliando com a mulher. Cheguei um dia na agência (2007) com uma roupa que achei sensacional – hoje acho ela horrível –, criei o blog, só para colocar a foto, sem legenda nenhuma e mandei para os amigos. Eles devem ter pensado “essa viúva tá doida, vamos ter que internar”. Em um blog ela chora e no outro posa de modelo. Mas eu estava vivendo um paradoxo, era a mãe mais feliz, mas a mulher mais triste. Sem pensar trouxe esses dois blogs paradoxais. No Hoje vou assim eu era uma menina magra, de cabelo curto, que não usava maquiagem, não era padrão de beleza e provocava as mais diversas reações, desde as mais fofas até aquelas que me chamavam de feia e perguntavam se eu tinha varizes. Era tudo muito novo para todo mundo, não existia isso, foi o primeiro blog de moda do país. E os comentários podiam ser anônimos. Resolvi reagir da maneira mais bem-humorada que pudesse. Lembro da minha mãe dizendo para eu dar tapa de luvas, e de uma frase que me acompanha: “cada um dá o que tem”. Sempre devolvia a crítica com humor e delicadeza. Só perdi a compostura quando uma pessoa falou mal do Gui. Isso eu não pude aceitar. Aprendi ao longo do tempo criei uma estrutura, um escudo. Acho que ninguém me derruba não. A crítica educada e construtiva a gente aprende e melhora.
 
Você postou um vídeo muito legal contra etarismo, que deu grande repercussão. Como foi isso para você?
Apesar de eu ter participado do Pernneials e ter o 50 Crises, me incomoda um pouco reduzir a minha vida a esse tema. É como se eu estivesse empenhando todo o meu tempo em envelhecer. Enquanto eu envelheço eu faço várias coisas, eu amoro, eu escrevo livro. Envelhecer é algo que acontece enquanto eu vivo. Mas é um dos temas que abordo. Tenho 164 mil seguidores, não é muito pelo tempo que tenho de redes sociais, ganho meus seguidores de forma muito orgânica, não tem crescimentos muito vertiginosos. Mas esse vídeo sobre etarismo me deu 50 mil seguidores, foi uma avalanche. Faço parte de um hub de influenciadores de São Paulo, que se chama Silver Makers, uma empresa que centraliza influenciadores acima dos 50 anos. Recebi um pedido deles, que abraçasse a campanha contra o etarismo, depois que o Fábio Porchat postou um esquete do Porta dos Fundos que fala de forma pejorativa de uma mulher de 57 anos. Ele tem 37, e o tempo passa muito rápido, e ele não vai deixar de ser quem ele é quando estiver mais velho. Topei participar, mas com argumento. Estruturei uma fala, com dados de vários estudos e textos que já tinha escrito. Não queria um vídeo protesto sugerindo cancelarem o Porchat. Sou contra isso. E o resultado foi rápido e impressionante. Acho que falei por pessoas que estavam sentindo uma dor entalada na garganta e isso lavou a alma de muita gente. Ali eu achei que me tornei uma profissional de comunicação completa, porque eu vi que sabia escrever, falar e passar uma mensagem. Me deu uma realização grande, e estava conseguindo ser a pessoa que minha mãe me ensinou a ser, dar o tapa de luvas, dar o melhor que tem para dar. Foi muito doido, porque os globais todos começaram a me seguir, Alexandre Nero, Maitê Proença, Pedro Cardoso, Zélia Duncan, Bruna Lombardi me ligou, ficou minha amiga. Descobri que eu existia para essas pessoas.

E o Porchat?
Nunca me respondeu. No mesmo dia começou a me seguir no Twitter, que é uma rede que não estou muito presente. E no Instagram, que é minha rede principal, ele não me segue. Alguns dias depois uma pessoa me mostrou que ele respondeu umas perguntas no stories e perguntaram sobre as críticas a esse esquete, e falou que não foi preconceituoso, que ele não falava de velhos, mas de pessoas sem noção, que espalham fake news. Mas poderia ter admitido que mesmo mirando em um ponto, acertou em outro e deu repercussão, não pelo que eu postei, mas por ter sido muito criticado por várias pessoas. Mas ele fez uma coisa boa que foi ajudar a levantar essa questão. Os trabalhos nessa área de longevidade aumentaram bastante esse ano, e foi por causa disso. Me tornei uma voz importante no país, por isso. E estou escrevendo um livro, para o ano que vem, que se chama Enquanto envelheço.

Você é múltipla?
Os meus cinquenta anos potencializaram essa multiplicidade. Quando fiz 50 anos lancei o podcast 50 Crises que fala sobre essa minha multiplicidade. Por isso defendo tanto o etarismo, porque vejo que a cabeça da pessoa acima dos 50 está em total ebulição, está dinâmica, produtiva, com maturidade. Isso é comprovado cientificamente, com pesquisas, que falam que o auge do cérebro do ser humano está entre 60 e 70 anos. O tempo nos ajuda a enxergar o que é essencial, é preciso viver até lá. É a vivência que traz maturidade e sabedoria. 
 
 


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