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Estado de Minas entrevista/Sâmara Merrighi - 42 anos, engenheira e empreendedora

Sustentável com muito charme

A Wabi oferece moda com conteúdo e novos conceitos para o mercado second hand


31/10/2021 04:00

Moda
Sâmara Merrighi, apaixonou-se por moda e design, entusiasmou-se por slow fashion e consumo consciente (foto: arquivo pessoal)

 
O genial Henfil questionava o termo especialista, levando em conta que cada pessoa nasce com vários talentos a serem explorados. Sâmara Merrighi é exemplo disso. Engenheira civil, tem experiência de 20 anos em gestão de projetos, 13 deles dedicados à área de logística de barragens. Nessa área, seu currículo é dos mais potentes, envolvendo especializações e certificados corporativos de estudos e competências. Em um desvio de rota, apaixonou-se por moda e design, entusiasmou-se por slow fashion e consumo consciente e fundou a Wabi.Resale dentro dos mesmos princípios que sempre regeram a sua vocação de empreendedora. Debruçando-se sobre o tema, hoje ela é uma autoridade no assunto. Por meio de uma plataforma on-line, a Wabi oferece coleções a partir de um novo olhar e novas histórias para cada peça de roupa. O objetivo é explorar as diversas oportunidades que o mercado second hand propõe ao consumidor antenado com os discursos em torno dos hábitos de consumo e preocupado com o futuro sustentável do planeta. Um comércio que pode ser muito charmoso e ganha força no mundo todo, alcançando cada vez mais adeptos. 
 
Quando você começou a se interessar por sustentabilidade?
Sempre gostei do tema e me interessei por empresas e pessoas que tinham as práticas ESG (ambiental, social e governança) na pauta. É o nosso futuro, não conseguia desvincular práticas ou projetos de algo tão maior. Durante a pandemia, fiz um curso de moda e sustentabilidade na EscolaEcoera, com a Chiara Gadaleta, que, inclusive, já teve uma coleção na Wabi. Dali em diante, entendi que os dois assuntos poderiam andar juntos e que o lugar dos brechós na cadeia de valor da moda é tão importante como qualquer outro. 
 
E como resolveu criar a Wabi?
Sempre gostei de moda e bem mais nova tive algumas experiências como modelo em showrooms de Belo Horizonte, época em que tínhamos Renato Loureiro, Forum, Triton, Fourteen, Vide Bula, e outras tantas marcas na cidade. Em 2018, começando a ouvir muito sobre slow fashion, montei com algumas amigas grupos de desapegos. Era uma primeira tentativa de consumir de uma forma mais sustentável, mas ainda pensando só no lado financeiro e físico. Não entendia a fundo o real impacto da moda no meio ambiente. De lá pra cá, comecei a profissio- nalizar as ferramentas, estudar muito e a pandemia me permitiu fazer cursos a que jamais imaginaria ter acesso. Assim, fui construindo a Wabi, transformando-a em uma startup de moda e consumo consciente. Em março de 2020, coincidindo com o início do lockdown em Minas, lançamos nossa primeira coleção com os desapegos da Natália Dornellas, jornalista querida e dona de um estilo único.
 

"O consumidor médio compra hoje 60% mais peças de vestuário do que há 15 anos e cada item é utilizado por apenas metade do tempo"

 

O que o nome significa?
Está relacionado à imperfeição, um conceito totalmente contrário ao que geralmente buscamos em nossa vida. Na realidade, trata-se de uma filosofia em que aprendemos a ver a beleza mesmo nas coisas imperfeitas, impermanentes e incompletas. Em uma tradução livre, podemos dizer que “wabi” é a simplicidade, a elegância e o rústico, e “sabi” significa a beleza da idade, do desgaste e das rugas do tempo. Tiramos o ponto final e acrescentamos a vírgula à nossa marca. Afinal, o conceito de second hand, proporciona vida longa às peças de roupa, mesmo quando são imperfeitas. A moda de uma ganha sentido na vida de outra.

Como você opera sua empresa e qual o seu diferencial?
Da configuração inicial pra cá mudamos um pouco e, hoje, tenho duas pessoas incríveis ao meu lado. Amanda, minha sócia, graduada em moda e apaixonada pela área, atua com mídias sociais, marketing de moda e gestão. Ela é a alma da empresa. Além disso, tem experiência na área de confecção e moda pelo Senai, o que garante a qualidade de todas as peças que selecionamos na nossa curadoria. Do- mina como ninguém as redes sociais e a dinâmica do algoritmo. Ruana adora arte e design e também é graduada em moda, com foco na linha de criação/estilismo. Ela é a cara da Wabi nas redes sociais. Tem experiência em corte, costura e modelagem, o que nos ajuda muita nas curadorias. Além de dar voz à Bibi, assistente virtual, no atendimento aos clientes. A maior vitrine da Wabi é o Instagram, no qual reforçamos nosso propósito e valores. Quem curte nossa página pode fazer a opção de ser participante de um grupo de desapego e ter várias vantagens ou comprar direto pela ferramenta #fluireinfluir, que permite a interação real entre participantes dos grupos em todas as transações.

Como as peças são adquiridas e ressignificadas?
Através de temporadas, lançamos desapegos de influencers, personalidades. Eu brinco que são influencers de conteúdo, não dá para trazer apenas quem só posta o look do dia. Acho que todo mundo já entendeu que existe uma beleza e um desejo de consumo além do post. Mas esse sempre é o nosso ponto de partida. Aí começa uma pesquisa e um “namoro” em que buscamos estilo, influência e conteúdo, que irá levar ao desejo de consumo, só que consciente. Já tivemos Cris Guerra, Natália Dornellas, Bruna Guimarães, as meninas da Ser Digital, Ale Alkmim, Hilaine Yaccoub, Chiara Gadaleta e outras tantas.

Quais são os cuidados com a curadoria das peças?
Sempre passamos por um processo de higienização e de todo cuidado para trazer o melhor das peças disponibilizadas. Recebemos muitas delas ainda com etiquetas. O caso clássico da compra por consumo e que estava esquecida no guarda-roupa. Além disso, olhamos se há defeitos, a qualidade, corte, se é algo atemporal, clássico ou uma modi- nha passageira, o que a marca representa. Se é uma peça vintage, qual história ela tem para contar quando começar sua vida em outro closet. Selecionamos tudo por meio de uma curadoria de moda baseada no que condiz com o mercado de vendas, tanto na qualidade dos produtos e de acordo com o nosso perfil de cliente. Procuramos trazer estilo e pontuar a importância do autoconhecimento, pois, através das roupas, a maneira como nos vestimos fala muito sobre nossas crenças e valores.
 
Você observa a questão de tendências de moda ao fazer suas escolhas ou não se prende a isso?
Moda é beleza, é gerar desejo. Mesmo a moda sustentável precisa ser considerada moda desejo, principalmente nos tempos atuais. O primeiro aspecto no momento do consumo de uma roupa é a identificação através do corte, do estilo, do tecido, das cores. A sustentabilidade entra na esfera racional e a primeira impressão é sempre emocional. Por isso, a Wabi aposta em uma estratégia de comunicação baseada na criação de "novas histórias para peças de roupa second hand". Criamos editoriais de moda inspirados nas tendências de cada coleção. Trazemos sempre um universo novo de possibilidades para nossas consumidoras.

O que aprendeu sobre second hand nesse tempo?
Há mais roupa sendo produzida no mundo e, logo em seguida, descartada depois de pouco uso. O consumidor médio compra hoje 60% mais peças de vestuário do que há 15 anos, e cada item é utilizado por apenas metade do tempo. O impacto da fabricação é enorme: a indústria da moda é responsável por entre 8% e 10% das emissões de gás carbônico e é a segunda indústria que mais consome água, gerando cerca de 20% de todo o esgoto e água despejados no ambiente, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Com tudo isso, a Wabi é uma marca que propõe um olhar sustentável para o mercado de second hand, suportada pelos conceitos da economia circular. Além disso, buscamos ser uma referência para outros brechós e direcioná-los de forma correta nesse mercado, que vem crescendo cada vez mais. Trabalhamos para gerar maior vida útil às peças, ressignificando o conceito de consumo.

As marcas internacionais também estão entrando nesse mercado. Como você vê isso?
Sem dúvida alguma. Ninguém deve ficar de fora, mas é um movimento lento de uma indústria gigantesca e com números representativos. As grandes marcas, principalmente as de capital aberto, não querem ter seus nomes associados a grandes impactos, como aqueles que já vimos lá atrás em que coleções encalhadas foram queimadas para que a estampa não fosse repetida ou mesmo reaproveitada pelo concorrente. Os stakeholders e clientes estão mais conscientes. Deu para perceber a conscientização pela escassez de recursos naturais e o impacto no planeta, impulsionados pelo mercado da moda. É um dos assuntos que mais se destacaram durante a pandemia. As pessoas têm prestado mais atenção na produção em massa de peças que nem sempre são 100% aproveitadas, incluindo restos de tecidos. Sem contar os estudos já realizados e com dados sobre o impacto que produções desenfreadas podem causar.

O brasileiro ainda é resistente a esse tipo de proposta? Por quê?
Muito resistente. Nesse período, observei dois comportamentos muito parecidos no público em geral: o primeiro é que o brasileiro tem necessidade de comprar uma roupa nova para ser aceito ou mesmo para autoafirmação. Isso envolve idas ao shopping, passeios para comprar algo de que “precisa”. Enfim, um comportamento comum e muito presente na nossa sociedade. E o segundo é que muita gente acha que o brechó e as roupas ali encontradas carregam uma energia ruim. Sempre que escuto isso, trago de forma bem didática os inúmeros exemplos que temos de exploração de mão de obra, da cadeia de valor e que, quando você vai em alguma loja de fast-fashion e acha uma blusinha superbaratinha, alguém está pagando a conta. Não dá para plantar, colher um algodão, por exemplo, produzir a matéria-prima, fazer a modelagem, corte e costura, transportar um produto, colocar na loja e ele ser vendido por R$39,90... alguém pagou essa conta.

O público principal do seu negócio é formado por jovens?
De modo geral, são mulheres de 30 a 45 anos, que pertencem às classes A e B, antenadas e descoladas, que amam moda, brechó e estão superligadas em sustentabilidade. Prezam pelo meio ambiente e se preocupam com os impactos que as ações humanas podem trazer. Preferem comprar de segunda mão, porém apreciam produtos de qua- lidade e diversidade. Já percebemos que é um perfil de pessoas em um constante processo de aprendizado. Dessa forma, seu modo de se vestir varia muito de acordo com seu momento de vida. Além disso, curtem conteúdos relevantes como arte, arquitetura, food e drinques e procuram por tendências e assuntos ligados a esse universo.

Você divulga seu trabalho via redes sociais, posts e lives. Como tem sido o resultado?
O Instagram é a nossa vitrine. Apostamos em uma estratégia que apresenta nossas peças através de uma imagem de moda exclusiva, criada para cada coleção. Além das imagens-conceito, nosso conteúdo conta com editorias, informações de moda, sustentabilidade, iniciativas sustentáveis dentro das marcas e inovação na moda. Através dessa combinação de conteúdos contribuímos para que a imagem de marca da Wabi seja diferente do que conhecemos no mercado de resale e tenha um posicionamento único. Isso traz bons resultados, porque é uma forma de mostrar para o consumidor que ele consome muito mais do que roupas e nós respeitamos tudo isso.

Como organiza as parcerias com as marcas, formadores de opinião e influencers? Houve, inclusive,  uma ação na CasaCor com uma marca de bebida... as duas coisas combinam?
Parcerias além da moda. Buscamos parceiros que tenham a sustentabilidade como ponto principal em seus negócios, como a destilaria Lamas, uma empresa mineira com processos sustentáveis, que favorece mão de obra local e tem produtos premiados no mundo todo. Nós convidamos 20 pessoas, que acompanham a marca desde o início, para um evento exclusivo em que tivemos degustação dos uísques nacionais mais premiados do mundo. Para essa experiência ser completa, todas elas escolhe- ram um look Wabi para vestir no dia e comparti- lharam suas escolhas nas nossas redes sociais. Isso é o que chamamos de Ser Wabi ou #bewabi, como usamos nessas redes.

Você tem um programa na rádio CDL. Quais os temas que você aborda?
Sim. O programa “Elas&Tal” é feito com Ale Alkmim e tem como objetivo trazer pautas atuais que falem das mudanças exponenciais que estamos vivendo. De um mundo sem fronteiras e um futuro cada vez mais próximo. Tudo isso demanda de nós, mulheres, a capacidade de nos adaptarmos, constantemente, para saber e entender quem somos, quais decisões devemos tomar e para onde vamos, considerando que a incerteza é uma das únicas certezas que teremos daqui pra frente. Ali temos a oportunidade de falar sobre o mundo atual, as novas economias – criativa, colaborativa, compartilhada, multimoedas e circular e outras – e sobre o futuro desejável.

Você deixou de lado sua profissão para se dedicar a esse negócio?
Ainda não. Hoje, conto com um time sensacional que consegue levar o dia a dia da Wabi. Tudo é um plano e, como engenheira, esse planejamento também já foi feito.

A second hand é uma alternativa em torno de sustentabilidade, mas chega uma hora as roupas são descartadas. Como enfrentar a questão do resíduo têxtil?
Essa é uma boa pergunta e que sempre abordo nas discussões sobre cadeia de valor e os impactos da moda. Gosto de trazer dados do estudo da ThredUp, que conta como toneladas de "lixo têxtil" são jogadas em aterros sanitários diariamente. O desperdício, infelizmente, ainda está na moda. Segundo o relatório, "estima-se que as perdas nas várias fases da etapa de fabricação de camisetas estão na ordem de 50% para o algodão, 31% para a poliamida e 29% para o poliéster. Em todos os casos, a etapa com maior perda é a confecção (corte e costura), responsável por 25%" . Aqui entra a economia circular como uma das alternativas para acabar com o problema. O relatório define o conceito de moda circular como “intimamente relacionado com um sistema de produção e consumo de ciclo fechado, que tem como base a reciclagem, reparação e reutilização dos materiais e insumos utilizados durante todo o processo produtivo por diversas vezes”. Esse é um caminho, embora longo por enquanto, que parece bem promissor.

Você acredita que estamos avançando no caminho do sustentável?
Sem dúvida. Acredito muito que a pandemia foi um acelerador para tudo isso. A Wabi é uma marca que vai além da moda. Trabalhamos na linha de frente com vestuário, porém trazemos conteúdo e inovação com o intuito de facilitar ainda mais esse contato produto/cliente. O processo de conscientização do consumo é longo e trazemos isso para o dia a dia. Como bom exemplo, eliminamos o plástico nas nossas embalagens e usamos uma etiqueta de papel semente nas roupas. O cliente tira, planta e colhe no seu próprio espaço. Tem mais lindo?

Sobre a questão da indústria dos fast-fashion, acha que as grandes marcas internacionais perderam a força inicial?
Acho que vêm perdendo, mas há grandes grupos por trás. O caminho agora é de transparência e de trazerem, cada vez mais, dados do processo produtivo. Aos poucos, o mercado, clientes e stakeholders vão entendendo que precisam praticar o que “tentam” vender nas propagandas e ninguém mais quer saber de greenwashing, as marcas também têm essa consciência.

Como fez para enfrentar a pandemia?  Continuou trabalhando normalmente?
Foi bem delicado, nossa primeira coleção coincidiu com o lockdown em Belo Horizonte e, imediatamente, entendemos que não era hora de vender roupas. Mas sou muito otimista e logo percebi que deveria frear os planos, mas não paralisá-los. Comecei a estudar e conhecer ainda mais o mercado. Preparamos nosso plano de negócios e nos aprofundamos no caminho que queríamos chegar. Foi nesse momento que entendemos a importância de conhecer nosso propósito e ter valores tão bem definidos, senão não conseguiríamos nos sustentar.

O que isso significa?
Significa ampliar o consumo de second hand circulando de forma sustentável e fomentar uma comunidade em torno do conceito de consumo sustentável. Fomentar e proporcionar as vendas para comunidades vizinhas, que através do georreferenciamento (ou CEP) conseguem encontrar o objeto de desejo o mais próximo de casa. Promover a venda de produtos visando ao menor impacto no planeta, desde o menor consumo de recursos possível até a redução da emissão de CO2 através do consumo local. Viabilizar a compra de peças-desejo, de forma consciente – o que já não faz mais sentido para uns, ainda tem longa vida útil para outro, fazendo a economia girar.

Quais são seus planos para 2022?
O ano novo vai ser muito promissor. Ainda teremos mais um lançamento em 2021 com mais uma coleção 100% beneficente e já devemos lançar os desapegos home nas plataformas on-line. Vamos vir com muitas ações maiores e uma plataforma que permitirá alcançar novos ares. Estamos otimistas. 


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