(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas entrevista/Antônio Diniz - 59 anos, estilista

O valor do estilo

O mineiro sonha com a união dos profissionais em torno das colabs e trabalhos coletivos


10/01/2021 04:00 - atualizado 08/01/2021 20:44

(foto: arquivo pessoal)
(foto: arquivo pessoal)

 
Antônio Diniz faz parte do time de estilistas que viram a moda mineira nascer e sabe contar como esse movimento evoluiu para chegar até hoje. Muita bagagem e um olhar sempre contemporâneo são o arsenal que dispõe para garantir atuação constante em um mercado volátil e ligeiro, que flerta com a sazonalidade e com o efêmero.  A vocação para o fashion se materializou, primeiramente, como modelo da lendária agência Neneca Moreira; logo após, se tornou produtor de moda, marcando presença em publicações especializadas e eventos importantes na cidade. Com a experiência de um curso de modelagem no currículo, chegou à alfaiataria de Hermano Alves, o alfaiate dos homens elegantes da cidade – na época trabalhou com ele e, depois, com o filho, Marcelo, na marca Blade Runner, também especializada em moda masculina. Com ambos aprendeu todos os segredos da boa modelagem e a precisão da alfaiataria. 
 
O encontro com a moda feminina se deu com o convite para trabalhar na DTA, que lhe deixou como legado o conhecimento de todos os meandros do universo do jeanswear. Daí pra frente, o nome de Antônio Diniz está ligado a empresas de sucesso, algumas delas muito queridas – como a Skunk, na qual dirigiu as coleções por 18 anos, e a Padronagem, parceria que vai pra lá de duas décadas. Agora, em 2021, Toninho, como é conhecido, está colocando em ação um projeto que vem acalentando há algum tempo e ganhou força com a pandemia: a criação da A.Criem, uma associação de criadores e estilistas que chega para fortalecer a profissão, os profissionais, incentivar as colaborações e ações conjuntas. Para além da concorrência de mercado, ele é conhecido não só por arregaçar as mangas da camisa no trabalho, mas, particularmente, pelo seu temperamento amigável e agregador.
 

"O estilista hoje precisa ter um felling comercial apurado, o índice de acerto tem que ser de 95%, pois nós somos responsáveis por uma cadeia produtiva"

 
 
O que o levou ao universo da moda? Qual foi o primeiro insight nessa área?
Desde criança, sempre gostei da moda. Ela me fascinou tanto que era eu quem fazia os vestidos das bonecas da minha irmã, adorava vesti-las de noivas, madrinhas, sempre com muito luxo. Tive uma tia costureira e era ela quem me dava os retalhos de tecidos que sobravam das roupas das suas clientes. Foi ela também quem me ensinou a cortar as miniaturas para as bonecas. Meu maior insight foi quando conheci a modelo Ariah, com quem eu fiz um curso de modelo; após isso, a moda virou rotina para mim.
 
Quais foram suas primeiras experiências profissionais no setor?
Além de modelo e produtor de moda, fui professor do curso de manequim da agência Script, de Márcio Machado. Como produtor, atuei como assistente de produção da jornalista Moema Tedesco em um trabalho incrível: a Femina, uma feira de beleza da empresa Tecnitur, dirigida por George Norman. Na época, 1982, foi um evento de vanguarda para Minas. Fiz também várias capas para o Jornal de Casa com grifes e modelos famosas da cidade. Meu último trabalho como produtor foi no programa Portfólio de moda, na rede Bandeirantes, com patrocínio do grupo Ferreira Guimarães, no qual Margareth Marinho entrevistava os estilistas e havia um minidesfile da marca. Começamos com o Grupo Mineiro de Moda e, após, vieram outras marcas de expressão no cenário mineiro.

Você teve alguém que o incentivou no momento inicial?
As duas pessoas que mais me incentivaram a ser estilista foram Moema Tedesco e a Ariah, para quem eu já fazia vestidos.

Quais eram seus sonhos no início e quais são os de agora com relação à moda?
No início, era me tornar conhecido e a moda reconhecer o meu trabalho. Meu sonho, agora, é ver colabs, coletivos. Cada vez mais sonho com a união de criadores para colaborar, não só com a montagem de coleções, mas também em eventos de moda. Percebo que, quando temos um coletivo nessas áreas, os resultados são gratificantes. Os frutos colhidos ou produzidos têm maior sucesso do que um trabalho solo. O brilho não é só de um, mas de todos. Isso está acontecendo, cada vez mais, mundialmente, como é o caso da marca italiana Gucci, que vem seguindo essa linha.

Você começou a trabalhar nos anos 1980 e continua atuante no mercado. Qual a fórmula para isso?
Não é fácil, mas ser responsável, ser humilde e ser disciplinado são requisitos para continuar trabalhando por tanto tempo, além de muita leitura, pesquisa, estudo e reciclagem sempre, seja fazendo outros cursos de extensão ou trabalhando com recém-formados. Estilistas mais jovens renovam a cabeça da gente.

Para se manter, um estilista precisa trabalhar para duas, três marcas de estilos diferentes a cada estação. Como é isso?
O cenário atual requer isso, mas depois da reforma trabalhista esse modelo acontece em vários setores, são poucas as empresas que têm estilistas fixos e trabalhando em regime CLT. Nós, que somos PJ, nos enquadramos nessa possibilidade. Não é fácil trabalhar para duas ou três marcas, é desgastante, pois temos que montar, às vezes, três coleções ao mesmo tempo, com perfis diferentes. Nada pode ser igual, mas é gratificante quando vemos essas coleções prontas, fotografadas e vendidas. O estilista hoje precisa ter um felling comercial apurado, o índice de acerto tem que ser de 95%, pois somos responsáveis por uma cadeia produtiva, vendedores, gerentes, consultores de moda, costureiras, cortadores e terceirizadores.

Como é o seu trabalho de pesquisa?
O meu ponto de partida é o DNA da label, quem é a mulher que irá vestir a coleção, depois vem muito trabalho de pesquisa de shapes, cores, tema e tendências e, finalmente, o mood. Gosto muito de contar uma história, por isso sempre recorro à história da moda, décadas etc.

Você esteve à frente do estilo da Skunk durante muitos anos, de forma integral. O que o levou a voltar para Belo Horizonte?
Estive na direção criativa da Skunk por 18 anos. É uma empresa ímpar, fizemos coleções memoráveis, além do reposicionamento da marca no mercado com as participações no Minas Trend, com uma nova visão de coleção e matéria-primas de alta qualidade, estamparia exclusiva e acabamento impecável. Infelizmente, o cansaço da viagem de Belo Horizonte a Juiz de Fora, além dos problemas na coluna cervical, me fizeram repensar e tive que sair de lá.

Teve dificuldades para se integrar ao mercado?
Não tive. Como a Skunk sempre teve um trabalho impecável, já tinha assédio de outras empresas de Belo Horizonte para trabalhar. Não deu tempo nem de umas miniférias.

Você tem sido agregador no sentido de imprimir um conceito de união entre os colegas. Como isso está caminhando?
Em janeiro, teremos a eleição da A. Criem – Associação dos Criadores e Estilistas de Minas Gerais. Essa foi uma necessidade que começou junto com a Covid, pois vários criadores ficaram sem emprego, ainda temos muitos que estão com seus salários reduzidos e alguns sem trabalho. A ideia principal é a colab entre os criadores em relação às nossas necessidades. Já estamos desenvolvendo aplicativos através dos quais o criador associado vai ter acesso a fornecedores de todos os setores: têxtil, acabamentos, representantes... Estamos olhando também para o plano social, acesso aos planos de saúde, seguros etc.

Pretendem criar uma associação representativa? É isso?
Sim, estilistas renomados ocuparão cargos na diretoria na primeira gestão, 2021-2023. Estarei na presidência, Renato Loureiro na vice-presidência, Fernanda Mendes na secretaria, Vivente Fernandes na tesouraria. A diretoria de relações públicas será assumida por Victor Dzenk, a acadêmica por Heloisa Amâncio e a de inovação e negócios por Thalita Rodrigues. Para completar, Andrea Aquino ocupará a diretoria de marketing e eventos, Ana Paulo Sudano a de economia circular, e Celso Afonso a de calçados e acessórios. Além disso, teremos um grupo fortíssimo de conselheiros ligados ao setor, pessoas que vão nos ajudar muito na caminhada. Agradeço desde já à nossa mentora, Wanessa Cabidelli, e ao Rogério Vasconcelos, que nos acolheu no Sindivest-MG – Sindicato da Indústria de Vestuário de Minas Gerais.

Há pouco tempo, você fez curso de especialização no Rio de Janeiro. Gostaria de se tornar professor?
Fiz uma pós-graduação no Senai-Cetiquet do Rio de Janeiro em design e produto de moda. Gostaria muito de ser professor, repassar o meu conhecimento de 30 anos no setor.

A seu ver, qual é a principal carência das escolas de moda dentro da realidade do mercado profissional?
A principal realidade é posicionar o aluno no mercado, o que ele realmente vai viver e presenciar trabalhando dentro de uma empresa. Temos restrições nas criações, o criador não executa tudo o que ele cria e isso pode gerar frustrações, a não ser que ele vá ser autoral, ter a sua própria marca.

Você é um crítico das blogueiras e influencers que tomaram conta da moda. Por quê?
Sou um pouco ácido nessa questão, porque sempre achei que moda é um negócio muito sério. Em Paris, as crianças já aprendem, na escola, a importância da moda para o seu país. Mesmo que elas não ingressem no setor, sabem da responsabilidade de defendê-lo e apoiá-lo. No Brasil, é raro ver uma empresa com esse conceito e consciência. Gostaria até de fazer um desafio de montar uma exposição com duas ou três peças de todas as coleções de uma empresa desde sua fundação. Não temos ainda esse conceito de que precisamos guardar arquivos, fotos, desenhos etc. Um dia, poderemos recorrer a eles para revisitar e criar outras coleções, o ciclo é assim. Então, não posso acreditar em pessoas que não têm o mínimo de história, que nunca estudaram moda, de gosto muito duvidoso na maioria das vezes, movidas apenas por valores. Anunciam produtos em que não acreditam e não usam. Vendem mentiras para uma legião de consumidores sem informação, sem leitura. É isso que a falta de cultura e educação provoca. Não acredito também em quem nunca fez um curso de modelo, que não sabe ser fotografada, que acha que tudo tem que ser muito over para dar certo e que precisa de muito photoshop para dar certo. É fácil ser paga para postar dentro desse parâmetro. Elas vestem até o que não combinam com elas, mas agregam com acessórios de marcas internacionais em que uma bolsa custa 10 mil euros.

Tem jeito de mudar a cultura?
A Covid veio para selecionar isso, vão permanecer as verdadeiras, as que são muito próximas da realidade. Mas, na verdade, não acredito que  consigam substituir as modelos e, muito menos, as jornalistas de moda. Hoje, já vemos um aceno nesse sentido, labels contratando quem realmente está ligado à cadeia, o consumidor não aguenta ouvir mais a expressão “look do dia”.

Se você fosse dono de uma marca, criaria coleções para que perfil de mulher?
Uma mulher chic e minimalista, é o que o momento pede.

Com qual designer internacional se identifica na moda, atualmente?
Anthony Vaccarello, da Saint Laurent, e com o próprio Yves Saint Laurent.

Está de olho no trabalho de algum jovem talento?
Sim, o Caio Martins, atualmente na marca Victor Dzenk.

O que ficou em você da década de 1980, de que não abre mão?
O brilho.

O que o inspira além das, digamos, tendências da moda?
História, cultura, política, viagens e escapismo.

Com a pandemia, a moda é um dos setores que mais estão sofrendo. Acredita em uma retomada?
Sim , somos guerreiros, e ela está colocando os pingos nos “is”. 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)