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Estado de Minas fé e cultura

Bordadeiras de Brumadinho se inspiram na força do congado para lançar primeira coleção

Para o designer Renato Imbroisi, que coordena o projeto de capacitação das mulheres, a coleção chega com a missão de valorizar a cultura local


08/11/2020 04:00 - atualizado 10/11/2020 07:39

Estandartes(foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
Estandartes (foto: Mateus Lustosa/Divulgação)

O congado carrega muitos simbolismos no distrito de Córrego Ferreira, em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte. É uma festa que envolve tradição, fé e cultura. Também mostra o poder da coletividade. Mulheres da comunidade se apoiam na força dessa manifestação para transformar a rea- lidade. Juntas, elas formam a nova marca Bordadeiras da Serra da Moeda, que acaba de lançar sua primeira coleção, justamente sobre o congado. Beneficiado por um projeto de capacitação, o grupo produz e vende produtos bordados que exaltam a alegria da festa.

A coleção mostra toda a potência do congado. As cores, os personagens, as roupas e os instrumentos musicais estão representados em cada detalhe. Destaque para os estandartes feitos com tecidos coloridos e fitas que remetem à indumentária usada na festa. Abaixo das imagens bordadas, textos (poemas, ditados e frases) que ajudam a contar a história. A última peça a ficar pronta, e talvez a mais cheia de significado, é uma colcha produzida coletivamente, que tem mais de 150 desenhos.
 
Para o designer Renato Imbroisi, que coordena o projeto de capacitação, iniciado há um ano e meio, a coleção chega com a missão de valorizar a cultura local. “Começamos o trabalho em um momento muito difícil, tinha acabado de acontecer a tragédia de Brumadinho. Quando participei da festa do congado, vi outra força da comunidade, da organização, da religiosidade, da resistência. A coleção precisava mostrar isso para o público, e acho que conseguimos”, destaca.
 
Almofada Buquês da Serra(foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
Almofada Buquês da Serra (foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
 
Nos bordados, vemos figuras como a rainha do congado, o músico, a cozinheira, os santos (Nossa Senhora do Rosário e São Benedito) e outras figuras que fazem parte da festa. Como a ideia era incluir na coleção vários elementos que fazem parte da vida dessas mulheres, os desenhos também reproduzem flores encontradas na Serra da Moeda. Na linha de almofadas Buquês da Serra dá para perceber a diversidade de espécies, com formas e cores variadas.
 
Parte da coleção tem o nome Cacos. Proposta de Renato, que, em visita à casa da artesã Mercedes Maia Anatálio, conhecida como Dona Nêga, e que é a rainha vitalícia da Guarda do Congado de Córrego Ferreira, se deparou com uma parede da cozinha revestida por cacos de azulejos. O designer, então, pensou na ideia de juntar os “cacos” depois do rompimento da barragem, unindo a história dessas mulheres. Retalhos de tecidos se unem através dos bordados em toalhas de mesa e jogos americanos.
 

Desenhos autorais

 
Nesse tempo, todas as mulheres fizeram aulas de desenho com uma arte-educadora, que ensinou sobre composição, formas e cores. Muitas achavam que não sabiam desenhar. “Queria que todas aprendessem a técnica, que não fosse uma ou outra desenhando para o grupo todo, como era no começo. Hoje, temos desenhos de todas, ninguém ficou de fora”, comemora Renato. O objetivo era evitar cópias e construir um trabalho verdadeiramente autoral.
 
Para o designer, os desenhos próprios fazem com que as bordadeiras se sintam mais parte do trabalho e também geram uma percepção de valor interessante no mercado. “Acho muito importante oferecer um desenho quase único, que não tem outro igual, que tem a identidade daquela pessoa que bordou. Isso faz muita diferença no alcance do trabalho delas.” Há, por exemplo, várias imagens que representam a rainha do congado, com tipos de pontos diferentes, aplicações de rendas, flores e pedras.
 
Nécessaires Nossa Senhora do Rosário(foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
Nécessaires Nossa Senhora do Rosário (foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
 
Como tem formação em artes, a aposentada Consuelo Lobo é uma das responsáveis por riscar os bordados. Ou seja, ela transfere os desenhos para o tecido. Era comum usar imagens de revistas, hoje não existe mais cópia. “Os professores nos mostraram que temos capacidade de criar os nossos próprios desenhos a partir de coisas que estão ao nosso redor. Revista, nunca mais”, diz a voluntária, que trabalhou por 26 anos como professora de artes e quer continuar ajudando na capacitação das bordadeiras.
 

Lazer para as mulheres

 
Há três anos, Ângela Vidigal, a idealizadora do grupo, que mora no Retiro do Chalé, teve a ideia de oferecer atividades de lazer para quem trabalha nos condomínios. Pediu ajuda a Consuelo, moradora da região há duas décadas, para reunir mulheres da comunidade interessadas em participar. O primeiro encontro foi na sede do congado. “A toalha que resolvemos fazer para o altar da festa do congado foi um marco, porque nos direcionou para o bordado”, conta a professora de artes.
 
O grupo teve a oportunidade de desenvolver uma coleção comercial com a chegada de Renato Imbroisi, que promove capacitação de artesãos no Brasil e no mundo. O designer foi contratado pela arquiteta Nao Ishii Yuasa, que lançou um condomínio na antiga fazenda da família e se propôs a investir na qualificação da comunidade do entorno, para que todos se beneficiem do novo empreendimento.
 
Todos os desenhos são autorais e representam elementos que fazem parte da vida das bordadeiras(foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
Todos os desenhos são autorais e representam elementos que fazem parte da vida das bordadeiras (foto: Mateus Lustosa/Divulgação)
 
O projeto de dois anos começou em abril de 2019. As mulheres se encontravam para aprender sobre costura, desenho e bordado e produzir a coleção. Na pandemia, o trabalho teve que ser adaptado. Consuelo riscava o tecido, entregava para as bordadeiras e depois repassava para as costureiras, cada uma na sua casa. O lançamento da coleção, planejado para maio, só foi ocorrer cinco meses depois, totalmente virtual. Renato deve levar as peças para a exposição Países espelhados, no Sesc São Paulo, que fala sobre a troca cultural entre o Brasil e países da África de língua portuguesa.
 

Prazo e qualidade

 
O momento agora é de organizar a produção e se preparar para as vendas. “Estamos acompanhando a distância, tirando todas as dúvidas, para que elas possam responder rápido ao mercado, entregar no prazo e com a mesma qualidade. Falo que o grupo não pode perder nenhum cliente, nenhuma oportunidade”, comenta Renato, que também prepara as mulheres para receberem encomendas específicas. O designer enxerga o trabalho delas em outras tantas superfícies, como roupas, cortinas etc.
 
As peças da coleção Congado já foram vendidas para Belo Horizonte, Tiradentes, São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, uma brasileira que mora no México está interessada em revender. Diante da necessidade de aumentar a produtividade, as bordadeiras já começaram a convidar outras mulheres para participar. No momento, estão em 25.
 
Segundo Renato Imbroisi, designer que coordena o projeto, a coleção vem para valorizar a cultura local(foto: Beto Staino/Divulgação)
Segundo Renato Imbroisi, designer que coordena o projeto, a coleção vem para valorizar a cultura local (foto: Beto Staino/Divulgação)
Ao fim do projeto de capacitação, no ano que vem, o grupo terá que caminhar com as próprias pernas. Consuelo lembra como a iniciativa tem contribuído para as valorização das mulheres da região e diz que o trabalho não pode parar. “O nosso objetivo é fazer com que o bordado continue, que a gente consiga mais mulheres para participar, inclusive de outros povoados. Queremos que ele seja fonte de renda e uma alternativa aos trabalhos domésticos”, avisa.


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