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Dólar mais baixo não é garantia de contenção da alta dos preços

Para cada 10% de alta do dólar, o impacto na inflação é de 1,1 ponto percentual dentro de quatro trimestres, segundo o Banco Central


21/02/2022 09:34 - atualizado 21/02/2022 09:57

dólar
(foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
A recente queda do dólar neste início de ano, devido ao fluxo de capital estrangeiro atrás dos juros mais altos e dos ativos baratos, principalmente, de empresas exportadoras de commodities e de bancos, surpreendeu o mercado. Analistas avaliam que esse movimento favorável do câmbio é incerto e conjuntural e, portanto, não é garantia de ajudará a conter a inflação.

Na manhã de sexta-feira (18/2), o real registrava valorização acumulada no ano superior a 8%, liderando o ranking entre os emergentes, mas reduziu ganhos, em meio ao aumento das tensões no Leste Europeu, confirmando a tendência de volatilidade do câmbio - que deve aumentar neste ano eleitoral, segundo os analistas.

Eles lembram que o Banco Central continuará com dificuldades para conter a inflação oficial — medida pelo Índice Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), atualmente em 10,38% no acumulado em 12 meses até janeiro — abaixo do teto de 5% da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2022, de 3,5%.

De acordo com dados da autoridade monetária, que costuma atualizar regularmente as metodologias para mapear os cenários e fazer simulações, para cada 10% de alta do dólar, o impacto na inflação é de 1,1 ponto percentual dentro de quatro trimestres. O modelo também observa que a correlação é parecida quando o sinal é trocado. "Uma queda de 10% no câmbio também produz um efeito máximo de, aproximadamente, 1,1 ponto percentual no IPCA", destaca o último Relatório Trimestral de Inflação (RTI), do BC, publicado em dezembro de 2021.

Mas o conflito geopolítico entre Rússia e Ucrânia e a frustração nas expectativas de queda dos preços das commodities, principalmente o petróleo, também devem contribuir para a inflação mais alta mesmo se o dólar cair. E, devido a essa persistência inflacionária em nível global, os bancos centrais dos países desenvolvidos já sinalizaram o aumento de juros - o que pode afetar as moedas dos países emergentes para baixo.

Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, considera precipitado apostar que a atual queda do dólar ajudará a reduzir a inflação deste ano. "É preciso termos certeza de que essa trajetória é persistente. Mas parece mais um fator circunstancial, diante da expectativa de aperto monetário dos Estados Unidos, os investidores estão fazendo realocação de carteiras e essa migração tem ajudado na apreciação do real.

Mas o ambiente interno continua muito incerto por conta da questão eleitoral. Não acredito que essa alta do real seja duradoura", afirma ele, que prevê queda de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e inflação de 5,3%.

José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, estima recuo maior do PIB, de 0,5%, e alta de 6% no IPCA este ano, recorda que, no fim de 2021, havia uma expectativa de queda no preço das commodities neste início de ano e de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) não faria um ajuste monetário muito forte, e o cenário mudou, "em meio ao aumento das tensões geopolíticas".

"Com a perspectiva de alta de juros gradual nos EUA, há uma busca por ativos de países emergentes em geral. Mas, dependendo da intensidade do aperto monetário nos EUA a partir de março, o fluxo pode mudar de direção", ressalta Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.

No Brasil, mesmo com a revisão de 11,75% ao ano, para 12,25% na mediana das estimativas do mercado coletadas no boletim Focus, do BC, para a taxa Selic no fim de 2022, as projeções para o IPCA passaram de 5,44% para 5,50%, especialmente, devido ao fato de a alta de preços estar bastante disseminada na economia, acima de 70%.

Atualmente, a Selic está em 10,75% ao ano. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, estima que a taxa encerrará em 12,25% e o IPCA, em 5,80% — acima do teto da meta pelo segundo ano consecutivo. "Para ocorrer um impacto de queda na inflação, o câmbio precisa permanecer nesse patamar por mais tempo. Essa volatilidade de um mês para o outro não permite projetar a frente com qualidade. Mas, se ficar alguns meses nesse patamar, pode começar a ajudar a inflação. O problema é que as commodities estão indo para outro lado, compensando essa queda do câmbio. O efeito pode ser mais pra neutro no final", explica.

Na avaliação da economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, a queda do dólar não é sustentável por um período mais prolongado e a moeda norte-americana continuará muito volátil neste ano eleitoral. "O dólar abaixo de R$ 5,20, agora, é um ponto fora da curva. As nossas projeções apontam uma curva nervosa para o câmbio neste ano devido às eleições, com a divisa americana podendo chegar a R$ 6 no período pré-eleição e, depois, acomodar e encerrar o ano em R$ 5,70", explica. "O câmbio não deve ajudar a conter a inflação. É verdade que o dólar está mais baixo, mas as commodities estão mais caras, o que também não era esperado pelo mercado", acrescenta.

De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, apesar da queda do dólar no início do ano, ainda é preciso que a média diária, considerando os dias úteis do ano, registre uma queda mais expressiva para haver algum impacto na inflação. Pelas contas dele, em 2021, a cotação média diária da divisa norte-americana foi de R$ 5,3963.

E, nos 34 dias úteis de 2021 até quinta-feira (16), a média diária ficou em R$ 5,4178. "Está quase empatando, mas é preciso uma queda mais forte e por um período mais longo para essa desvalorização do dólar ser desinflacionária. Velho não vê chances de o BC cumprir a meta de inflação neste ano. Ele estima que, mesmo se a Selic ficar acima de 12%, o IPCA terminará o ano em torno de 6%.

Incertezas fiscais

Além do clima externo mais desfavorável e das eleições, as incertezas em torno da política fiscal devem continuar pressionando o câmbio, de acordo com os analistas que estão apreensivos em torno das discussões no Congresso em torno de medidas via PEC ou projeto de lei para o controle da alta dos preços dos combustíveis.

Apesar dos resultados mais favoráveis para as contas públicas no ano passado - com queda na dívida pública bruta de 88,6% do PIB para 80,3%, entre 2020 e 2021, analistas reconhecem que, após a aprovação da PEC dos Precatórios, no fim do ano passado, país perdeu a única âncora fiscal que ainda estava em vigor. Alessandra Ribeiro, da Tendências, diz que é difícil ver melhora estrutural nas contas públicas nos próximos anos.

"O aumento recorde da arrecadação em 2021 ocorreu, especialmente, por conta da inflação e do diferimento de impostos em 2020 que bateu no ano seguinte. E esses elementos não sustentam a continuidade do crescimento da receita para fazer frente às despesas obrigatórias, que continuam elevadas", explica.

Sergio Vale, da MB, e o economista e consultor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, engrossam o coro das críticas à falta de uma política fiscal crível para ajudar o BC a conter a inflação dentro da meta.

"A política fiscal está muito confusa. Não há mais uma regra fiscal clara. O teto de gastos é fictício estruturalmente e o governo não tem um business plan para os próximos dois anos. O foco é claramente de curto prazo, voltado para a reeleição", lamenta Freitas. "Ainda vemos um fiscal muito deteriorado e com muita incerteza em relação à PEC dos Combustíveis que devem manter o dólar valorizado neste ano", complementa Vale.

 


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