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Estado de Minas PEQUI S/A

Árvore que é símbolo do cerrado e gera emprego e renda resiste à devastação

Consciência de preservação cresce entre as comunidades que vivem da coleta do pequi e da produção de seus derivados, mas trabalho é afetado pela depredação


13/09/2021 04:00 - atualizado 13/09/2021 09:24

O pequizeiro exibe sua copa frondosa, com folhas grandes, e pode ter 12 metros. O nome do fruto significa pele espinhenta, no idioma Tupi
O pequizeiro exibe sua copa frondosa, com folhas grandes, e pode ter 12 metros. O nome do fruto significa pele espinhenta, no idioma Tupi (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press 27/7/21)

Há mais de 50 anos, quando o pequizeiro era uma árvore ainda pouco valorizada, a preservação e o aproveitamento de seu fruto ganharam um grande defensor. O compositor Téo Azevedo, de 76 anos, é considerado o brasileiro vivo com mais músicas gravadas, cerca de 2.500 canções. Parte desse acervo não só teve inspiração na planta do cerrado, como ajudou a promover a exploração sustentável do pequi e seus derivados.

 

Em conversa com o Estado de Minas , Téo Azevedo afirma que considera o pequizeiro a árvore mais importante do cerrado. “O pequi é o alimento do sertão e serve como remédio; além disso, na época da safra, também ocupa mão de obra e dá emprego e renda para ao povo pobre. O dinheiro que o agricultor ganha da venda do pequi serve para comprar outras coisas na cidade como óleo de soja e roupas.” Ele considera, ainda, que o aproveitamento do fruto gerou maior conscientização sobre a necessidade de preservar a árvore. Este é o tema da última reportagem da série “Pequi S/A”, na qual o EM abordou a importância socioeconômica e cultural do pequizeiro, hoje disputada por três estados, os quais desejam reconhecimento sobre o domínio do fruto, Minas, Goiás e Tocantins.

 

Natural do distrito de Alto Belo, no município de Bocaiuva, no Norte de Minas Gerais, o compositor viveu por longo tempo em São Paulo, até que decidiu voltar às origens. Vive, hoje, em Montes Claros, cidade polo do Norte do estado e não se esquece dos laços criados com o pequizeiro. “Desde os meus tempos de criança, defendo o pequi. Lembro que via as pessoas derrubarem os pequizeiros sem consciência de que aquilo era um milagre do cerrado, que poderia fazer falta mais tarde. O povo derrubava pé de pequi para fazer lenha”, recorda Téo Azevedo.



 

O compositor ressalta que muitos pequizeiros foram derrubados no Norte do estado para construção da estrada de ferro da antiga Central do Brasil, que chegou à região na segunda década do século XX. “A madeira do pequizeiro era muito cobiçada antigamente. Muitos dormentes da estrada de ferro eram feitos do pequizeiro. Foram muitas árvores do cerrado derrubadas para a implantação da linha férrea, principalmente a partir de Sete Lagoas (na região Central do estado) até o Norte de Minas”, afirma Azevedo.

 

Na opinião desse defensor do pequi, foi o aproveitamento do fruto que levou às pessoas a conscientização em relação ao fruto-simbolo do cerrado. “De uns tempos pra cá, o pequi passou a mais aceito. Quase não tem ninguém cortando os pequizeiros. Hoje em dia, o pé de pequi é uma fonte de renda, como se fosse um pé de laranja, um pé de jaca ou de outra fruta qualquer”, observa.

 

O artista defensor da natureza destaca que é o Norte de Minas é o local com mais tradições ligadas ao chamado “ouro do cerrado”. “O pequi está enraizado na cultura do Norte de Minas, onde existem  lendas, crenças e superstições ligadas ao fruto.” Arvore-símbolo do cerrado, o pequizeiro tem imponente e frondosa copa, folhas grandes e pode crescer a 12 metros. Com o nome científico de Caryocar brasiliense, pequi significa pele espinhenta no idioma Tupi.

 

Sobre a disputa e a polêmica no Congresso Nacional, entre os parlamentares de Minas, Goiás e Tocantins sobre uma espécie de paternidade do pequi, Téo Azevedo comenta que o fruto “é do Brasil”. “Está em vários estados. É uma árvore do cerrado. Existe na Amazônia, no Ceará (Serra do Araripe), assim como na Bahia”.

 

O compositor critica o fato de que muitos pequizeiros foram derrubados em Goiás para dar lugar às plantações de soja. Ele festeja o cerrado, como bioma mais importante do Brasil. “Mais do que a Mata Atlântica, mais do que a Floresta Amazônica, o cerrado é generoso, como o pequi”, sustenta.

 

Associativismo As relações cultural e socicoeconômica dos moradores de pequenas comunidades do Norte de Minas Gerais com o pequizeiro são de fato, profundas, como descreve o compositor Téo Azevedo em sua obra. Para aproveitar melhor o fruto e seus derivados, eles estão se organizando, atitude que ajuda também na superação das dificuldades impostas à atividade pela pandemia do coronavírus.

 

Essa união e planejamento são verificados na comunidade de São Bento, no município de Januária. Foi criada na localidade a Associação dos Usuários da Sub-Bacia do Rio dos Coxos (Assusbac). Os moradores filiados à entidade encontraram no associativismo estratégia para produzir derivados do pequi, agregando valor ao fruto e estendendo o período de comercialização dos produtos, e, com isso, a renda apurada.

 

O presidente da associação comunitária de São Bento, Jacy Borges de Souza, lembra que antes do investimento que vem sendo feito no potencial do fruto, a maior parte do pequi da região “perdia no mato” e os moradores o catavam somente para satisfazer  o consumo próprio.

 

“Hoje, além da venda do pequi in natura, por meio da nossa associação, são produzidos e vendidos vários derivados como óleo, farofa, creme, castanha e doce de pequi”, afirma Jacy. A entidade tem uma unidade de processamento do pequi e conta com 15 famílias associadas. Porém, a localidade reúne cerca de 50 famílias que catam o fruto nativo e obtêm alguma renda com  o produto.

 

“A renda proveniente do pequi tem sido muito importante para a agricultura familiar, que sofre muitos impactos em nossa região, seja por causa da seca, do desequilíbrio ambiental ou pela crise econômica. Com essa pandemia, a renda do extrativismo, retirada do pequi e de outros frutos do cerrado, tem ajudado as famílias a vencer as dificuldades e também a garantir uma alimentação saudável”, relata o líder comunitário.

 

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(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press 27/7/21)

"Mais do que a Mata Atlântica, mais do que a Floresta Amazônica, o cerrado é generoso, como o pequi"

Téo Azevedo, compositor e um grande defensor do pequizeiro

 

Inovação

A união também faz a força e melhora o aproveitamento do pequi na região do Vale do Peruaçu, no município de Itacarambi. A Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrativistas do Vale do Peruaçu (Cooperuaçu) conta com 56 cooperados, envolvendo 14 comunidades e oito associações comunitárias.

 

O tesoureiro da Cooperuaçu, Valdomiro da Mota Brito, o Buda, salienta que a entidade produz derivados como óleo, farofa, castanha, creme, polpa, paçoca e molho de pequi (com e sem pimenta). Nesse sentido, inovou em alguns processos, como a aquisição de uma maquina usada para extração da castanha do pequi.

 

“No fim de 2020 e início deste ano, a Cooperuaçu enfrentou dificuldades e se dedicou exclusivamente ao comercio do pequi in natura, alcançando o total de 15 toneladas do produto vendidas. Com a pandemia, a nossa cooperativa teve que inovar para dar um suporte aos cooperados na venda do fruto in natura nas ruas e feiras das cidades vizinhas”, informa Valdomiro Brito.

 

Ajuda em dobro Em Salto, Zona rural do município Coração de Jesus, 25 famílias coletam o pequi e vendem o fruto in natura ou os derivados dele. “Se nos anos anteriores, o pequi já ajudava muito as famílias, por causa da pandemia, em 2020 e neste ano a ajuda tornou-se maior ainda”, afirma Marlene Soares Nunes, presidente da Asssociação dos Agricutores Familiares de Salto. Ela preside o Nucleo Pró-Pequi, que reúne associações extrativistas da região.

 

Marlene Nunes enfatiza que, na prática, o fruto-símbolo do cerrado movimenta a economia regional durante todo o ano. “Passada uma safra do pequi, os pequenos produtores do Norte de Minas vivem o resto do ano contando os dias para a chegada da safra do pequi. Já ficam fazendo planos para compras na época que puderem catar pequi novamente e melhorar alguma coisa na vida”, diz a presidente da associação..

 

A castanha de pequi é um dos derivados produzidos em associação pelos extrativistas dos municípios de Januária e Itacarambi
A castanha de pequi é um dos derivados produzidos em associação pelos extrativistas dos municípios de Januária e Itacarambi (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press 27/7/21)
 

 

Mùsica e engajamento

Téo Azevedo gravou seu primeiro disco em 1963, em Belo Horizonte, após servir ao Exército. Permaneceu na Capital Mineira até 1969, quando se transferiu para São Paulo, onde construiu a carreira artística. Em 1974, Téo lançou seu primeiro LP em vinil, “Grito Selvagem”, pela gravadora Central Park, que hoje é considerado o primeiro disco de samba-rock lançado no Brasil, e foi relançado em 2017 em CD.

 

Entre suas obras está o livreto de literatura em cordel “A História de Nossa Senhora Aparecida / 1717-2017 / 300 Anos de Fé e Milagres”,  pela Editora Santuário. O trabalho chegou às mãos do Papa Francisco, que enviou carta de agradecimento ao autor. Entre diversas premiações, em 2013, Téo Azevedo foi vencedor prêmio Grammy Latino, com o disco de música de raiz “Salve Gonzagão – 100 Anos”, que homenageia o Rei do Baião, Luiz Gonzaga.

 

Pelo fim das queimadas

 

A presidente da Associação dos Agricultores Familiares de Salto, no município de Coraçao de Jesus, Marlene Soares Nunes, chama atenção para a necessidade de preservação ambiental como garantia da renda do extrativismo. “A gente precisa valorizar e cuidar mais do nosso cerrado. Precisamos levar em conta a importância dos frutos não somente para os agricultores, mas também paras pessoas da cidade, que na época da safra, revendem o pequi nas ruas”, afirma.

 

De acordo com Marlene Nunes, os pequenos agricultores criaram a consciência da necessidade de preservação do pequizeiro e de outras espécies nativas. Eles fazem a conservação, evitando as queimadas, os desmatamentos e os agrotóxicos. “Estamos trabalhando para não deixar o cerrado morrer. Mas, precisamos das ajuda dos órgãos ambientais”, observa.

 

Em relação a questão ambiental, a bióloga Sarah Alves de Melo Teixeira alerta para os cuidados que devem ser adotados no extrativismo. “Alguns extrativistas têm praticado o extrativismo predatório com a derrubada de frutos verdes, flores, quebram galhos e coletam todos os frutos do pé, e isso é insustentável para a manutenção da cadeia produtiva. Já estamos sofrendo isso agora, a produção de pequi tem caído ano após ano.”

 

Desde 1992, o pequizeiro é protegido pela lei estadual 10.883. A cultura do extrativismo, consumo e comercialização é tão forte em Minas que o pequizeiro foi eleito como a árvore símbolo do estado em 2001, por meio de concurso promovido pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). (LR) 


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