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Estado de Minas CRISE E DISCRIMINAÇÃO

Brasil: nunca diferença entre homens e mulheres sem emprego foi tão grande

Com machismo estrutural associado à crise brasileira, trabalhadoras são mais afetadas pela desocupação, de 17,1%, ante 11,7% entre a mão de obra masculina


13/09/2021 04:00 - atualizado 13/09/2021 11:10

Pollyana Vieira, de 38 anos, está sem emprego e vê discriminação entre homens e mulheres nos processos seletivos
Pollyana Vieira, de 38 anos, está sem emprego e vê discriminação entre homens e mulheres nos processos seletivos (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press )

"Tanto a mulher quanto o homem podem fazer qualquer serviço. Está havendo um preconceito enorme"

Pollyana Vieira,trabalhadora experiente em vendas, áreas administrativa e culinária à procura de emprego

 

 

Os efeitos da crise da economia brasileira, amplificados pela instabilidade política no país e o machismo estrutural na sociedade se refletem num impressionante descolamento da taxa de desemprego entre as mulheres comparada à dos homens. Elas sofrem mais com nível de desocupação de 17,1%, frente a 11,7% para eles, segundo os dados mais recentes do segundo trimestre do ano da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A diferença entre as taxas medidas pelo sexo do trabalhador, de 5,4 pontos percentuais a mais no caso da mão de obra feminina, só perde para a pontuação de 5,7 pp. apurada de janeiro a março, quando as mulheres enfrentavam desemprego de 17,9%, pior resultado da história da pesquisa desde 2016, e os homens, de 12,2%.

 

A falta de oportunidades, em geral, que deixa 14,7 milhões de brasileiros sem emprego, atinge, sobretudo, mulheres como Pollyana Vieira, de 38 anos. Ela vive numa casa com mais cinco pessoas e apenas uma delas tem renda, proporcionada por aposentadoria recém-conquistada. As taxas de desemprego medidas de abril a junho pelo IBGE ultrapassaram os níveis de desocupação observados durante a recessão de 2016 no Brasil, tanto para mulheres quanto para homens. Naquele ano, os maiores percentuais foram de 13,8% para as trabalhadoras e de 10,7% entre eles, ambos no último trimestre.

 

Contra políticas sexistas, o economista Mário Rodarte defende ação pública firme para mudar a cultura empresarial
Contra políticas sexistas, o economista Mário Rodarte defende ação pública firme para mudar a cultura empresarial (foto: Arquivo pessoal 21/5/21 )

 

Pollyana Vieira trabalhou até dezembro do ano passado numa loja de roupas na Rua Contagem, no Bairro Boa Vista, Região Leste de Belo Horizonte. Desde então, procura, sem sucesso, uma chance de voltar a trabalhar. “Não consigo encontrar nada. Em todo lugar que você pode imaginar eu já deixei currículo. Tenho experiência com vendas e já trabalhei como auxiliar de cozinha, com topografia e na área administrativa”, conta.

 

A reportagem chegou até Pollyana por meio de uma postagem em rede social. Ela pedia doações para comprar ração para animais dos quais cuida no Bairro Boa Vista. A dificuldade de conseguir vaga, para ela, também tem conexão com o fato de ser mulher. “Tem hora que eles (os empregadores) acham que para homem é mais fácil porque eles têm mais força (física). Não tem nada a ver. Tanto mulher quanto homem podem fazer qualquer serviço. Está havendo um preconceito enorme”, reclama.

 

Na casa de Pollyana vivem os pais dela, dois irmãos e um sobrinho. A mãe é a única a dispor de rendimento, uma aposentadoria como faxineira. “A única renda que tem é da minha mãe. Estamos passando muita dificuldade”, afirma a vendedora.

 

Há um problema estrutural que dificulta a vida das mulheres na hora de buscar emprego, na avaliação do professor Mário Rodarte, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É uma questão que gera espanto quando você analisa o perfil dos homens e das mulheres, o estrutural. As mulheres têm que procurar um trabalho que se adequa às necessidades que elas já têm dentro de casa, com jornadas duplas e até triplas. Enquanto o homem está mais 'livre' para escolher jornadas de trabalho, está sempre disponível”, analisa.

 

Segundo Rodarte, o machismo estrutural avança até mesmo sobre as camadas com maior condição financeira da sociedade. “Em algumas situações, há uma cultura de que o homem é um arrimo de família, e a mulher pode escolher o seu trabalho. Então, ela pode recusar uma ou duas ofertas para ter o emprego que ela realmente quer. Digo em uma situação mais favorável, mas na maior parte das vezes o que gera esse desemprego maior (entre elas em comparação a eles) é o preconceito”, diz o professor da UFMG.

 


“Você tem filho?”

As limitações citadas pelo economista da UFMG dificultam a vida de Vivian Rauzane, de 25, moradora do Bairro Alto Vera Cruz, Zona Leste de BH. Na casa em que ela vive, moram também uma irmã, o tio e a mãe. Como trabalhadora doméstica, a mãe detém a principal renda da família. “Se não fosse a minha mãe, realmente não sei como faríamos. Estou desempregada há dois anos e meio e tento algo para conciliar com meus estudos. Mas, o que aparece é com carga-horária muito extensa e salário muito baixo”, lamenta a estudante de direito.

 

Se os processos seletivos são um desafio para a maioria das pessoas, uma pergunta Vivian já sabe que será feita pela equipe de recursos humanos das empresas: “você tem filho?”. Ela não tem filhos, mas reclama da postura das empresas. “Tenho amigas que vivem isso na pele. Se a resposta é afirmativa, já dizem que entrarão em contato depois. Nunca mais ligam. É um preconceito muito grande, porque o homem também precisa cuidar do filho”, diz.

 

Durante a pandemia, Vivian diz que a família teria passado dificuldades caso a prefeitura não distribuísse cestas básicas. “Com as cestas, o dinheiro que minha mãe ganha fica para as verduras e as carnes. Se não fosse essa ajuda, a gente teria que comer salsicha e hambúrguer”, destaca. Com idade avançada, o tio dela ajuda a família com a rende de um bico que conseguiu no mês passado, após longo tempo sem trabalhar.

 

Políticas públicas A manutenção e incremento de políticas públicas de assistencialismo são fundamentais em realidades como as da moradora do Alto Vera Cruz, segundo o economista Mário Rodarte. “Independentemente de qual governo esteja no poder, essas políticas são importantíssimas. Primeiro, por que muitas delas não estão no mercado de trabalho devido à falta de condições de entrar (por outros compromissos). Você tem que trabalhar nas duas pontas: dando oportunidades e mudando a perspectiva dos empregadores para que haja mais aceitação das mulheres”, explica.

 

Rodarte afirma que a falta de projeto social e econômico do governo federal  se reflete no aumento da defasagem entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Declarações machistas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de ministros, como Paulo Guedes (Economia) e Damares Alves (Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), trabalham para ampliar esse problema, na opinião do professor da UFMG.

 

“Pode-se atuar em vários níveis. Um deles é o da fala. Quando o líder máximo não dá o exemplo, fica difícil superar essas barreiras. É um governo que vive de maneira idílica, que só existe na sua cabeça, no caso a do governante”, diz Rodarte.

Fenômeno histórico

Publicada pelo IBGE a cada trimestre, a Pnad Contínua produz estatísticas sobre o mercado de trabalho do país por meio de um estudo amostral. Os pesquisadores selecionam cerca de 211 mil domicílios de aproximadamente 3,4 mil cidades brasileiras para realizar o estudo. Todos os estados e o Distrito Federal entram no levantamento. Em Minas, são 15 mil imóveis visitados por trimestre.

 

No entanto, durante a pandemia não há recorte dos dados por unidade federativa. Desde 2012, portanto ao longo de 38 divulgações, as maiores defasagens de desemprego entre mulheres e homens no país ocorreram nos dois últimos trimestres: 5,4 e 5,7 pontos percentuais. Das sete maiores diferenças, seis ocorreram durante o governo Bolsonaro.

 

 

Agência de emprego em BH: ocupações em que presença feminina é típica sofreram diante do coronavírus
Agência de emprego em BH: ocupações em que presença feminina é típica sofreram diante do coronavírus (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press 30/10 20)
 

Desigualdade cresceu na pandemia

A diferença que já era historicamente grande da taxa de desocupação das mulheres, diante da dos homens, foi ampliada durante a crise sanitária, de acordo com Gustavo Fontes, coordenador da Pnad Contínua em Minas Gerais. “A gente percebe que setores historicamente muito ocupados por mulheres sofreram um impacto maior durante a pandemia, como serviços pessoais (cabelereiros e manicures, por exemplo) e domésticos remunerados, o comércio em geral, alimentação e alojamento”, explica o pesquisador.

 

Para Gustavo Fontes, a defasagem entre as taxas de desemprego não é a única constatação de que há preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho. “Em geral, as mulheres têm uma taxa de desocupação maior que a dos homens, apesar de elas serem mais da metade das pessoas com idade para trabalhar. Ou seja, elas estão menos empregadas mesmo formando a maioria”, afirma.

 

Outro dado que chama a atenção é a escolaridade. “As mulheres têm escolaridade média maior que a dos homens. Ainda assim, elas têm rendimento menor. É uma desigualdade estrutural”, afirma Gustavo Fontes. Apesar disso, a Pnad não tem divulgado, durante a pandemia, a diferença salarial medida pelo sexo. A maior defasagem ocorreu justamente no primeiro trimestre de 2020, última vez e que esse levantamento foi feito: R$ 579.

 

O IBGE não faz projeções. Mas, há dados que indicam uma recuperação da economia, ainda que aquém do cenário pré-coronavírus. O nível de desocupação das mulheres, por exemplo, caiu de 17,9% para 17,1% na comparação entre os dois últimos trimestres. No entanto, era de 14,5% antes da pandemia.

 

A taxa total média, incluindo homens e mulheres, diminuiu de 14,7% para 14,1% entre os dois últimos balanços. Para os homens, era  de 12,2% antes da crise sanitária. Desde o segundo trimestre de 2020, o IBGE não calcula as taxas de desemprego por sexo do trabalhador nos estados. A divulgação mais recente disponível para Minas Gerais se refere ao período de janeiro a março do ano passado, quando o nível de desocupação entre as mulheres era de 13,4% e entre os homens de 10%. A média era de 12,2%. (GR) 


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