
Ontem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a bandeira vermelha, taxa extra cobrada nas faturas, será mantida no patamar 2, o mais elevado, em setembro. A tendência, porém, é de que o encargo passe dos atuais R$ 9,49 para R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kW/h) consumidos — um aumento de quase 50%. Esse reajuste duraria até dezembro deste ano. Os valores ainda não foram confirmados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A autarquia se reúne na próxima terça-feira para decidir sobre o reajuste.
Em junho, o órgão decidiu aumentar a taxa que era de R$ 6,24 para os atuais R$ 9,49. Apesar de expressivo, no Ministério de Minas e Energia, o aumento foi considerado insuficiente para bancar os custos com a geração de energia via usinas termelétricas. A própria Aneel entende que o valor da tarifa para bancar os custos de funcionamento das termelétricas seria algo em torno de R$ 19.
Ontem, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), detalhou que o governo encaminharia um pedido à Aneel para reajustar a bandeira para R$ 24 entre setembro e dezembro deste ano ou para R$ 14 de setembro a maio de 2022. A segunda opção, segundo ele, dependeria de “as distribuidoras aceitarem prolongar o pagamento”, mas é a ideal para o governo neste momento.
Isso porque o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está em uma espécie de sinuca de bico. Com a inflação explodindo, a insatisfação com a economia pode derrubar ainda mais sua popularidade. Para o presidente, que pensa em se reeleger no ano que vem, um aumento expressivo na conta de luz — que encarece os custos em toda a cadeia produtiva, desde a agricultura até o varejo — pode ser o que faltava para inviabilizar sua candidatura.
A energia elétrica é, ao lado da gasolina, a principal responsável pela disparada da inflação nos últimos dois meses. Com alta de 0,89% este mês, o país atravessa o pior agosto, quando o assunto é inflação, desde 2002, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15).
Em junho, data do último reajuste das tarifas, o governo federal previa que a utilização de termelétricas elevaria os custos com geração de energia em R$ 9 bilhões até o fim do ano — valor bancado pelos consumidores. Naquele mês, o IPCA ficou em 0,53%. Já em julho, a estimativa dos custos com termelétricas foi atualizada para R$ 13,1 bilhões, um aumento de 45%.
Esse artifício, vale lembrar, é utilizado quando o volume de chuvas está baixo e o governo é obrigado a acionar usinas termelétricas, que funcionam com a queima de combustíveis como gás natural, biomassa, carvão mineral, nuclear, óleo combustível entre outros. Trata-se de uma energia suja, mas capaz de gerar abastecimento imediato, diferente do que ocorre com a energia eólica ou solar, por exemplo.
Atualmente, o Brasil é líder em produção de energia através de fontes renováveis, que correspondem a mais de 80% de sua matriz energética. Mesmo assim, especialistas defendem que o país deveria investir mais em geração de energia via fontes alternativas e renováveis. Além de serem necessárias para bancar os gastos com produção de energia, as bandeiras tarifárias também têm caráter educativo, para incentivar a economia — embora a eficácia dessa estratégia não seja consenso.
Inflação mais alta e crescimento menor
A nova alta da bandeira vermelha 2, prevista para setembro, vai ter forte impacto na inflação. “Ainda não se sabe se o reajuste vai ser R$ 14 ou R$ 15. Supondo que o consumo de 100kWh dá uns R$ 200, foi para R$ 210 em agosto e passaria para R$ 215 em setembro”, calcula Etore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. Segundo ele, essa alta tem impacto de 0,39 ponto percentual na inflação, que deve encerrar 2021 em 7,5%.
Nas contas de Flávio Serrano, economista-chefe da Geenbay Investimentos, em setembro, a sobretaxa pode custar entre R$ 11,50 e R$ 25,00 a mais. Com isso, o impacto na inflação seria de 0,40 ponto percentual. Assim, sua estimativa para a alta do custo de vida, antes de 7,1% para 2021, subiu para entre 7,50% e 7,60%. “Na prática, a população vai sofrer ainda mais com as implicações da energia nos preços de bens e serviços, principalmente o dos alimentos”, ressalta Serrano.
De acordo com Serrano, devido ao cenário, as previsões de crescimento econômico baixaram de 2% para 1,7%, no ano que vem. “E o índice de desemprego, hoje em 14,1%, deve chegar ao final de 2021 em 14,5%. Com o fim da estiagem, é possível que baixe para 13,5%, em 2022”, assinala.
Bruna de Sá, 27 anos, dona de um centro automotivo em Goiânia diz que está sendo difícil não repassar o aumento para os clientes. “Antes, nossa conta de energia girava em torno de R$ 1.000, agora tem saído por R$ 1.600, mesmo tomando várias medidas de economia”, conta Bruna.
Ryan Castro, morador do Riacho Fundo 2, em Brasília, lamentou pelo dinheiro que vai para a conta de luz, em vez de alimentação. “Antes, a gente pagava R$ 160 mensais, e agora pagamos R$ 200. É um valor que nos ajudaria a comprar os produtos do mercado, por exemplo, que também aumentaram demais”, reforça Castro.
ONS vê oferta no limite
Com os sistemas no limite, o risco de apagão na energia elétrica fica cada vez maior, embora o governo continue descartando a possibilidade de racionamento. Segundo nota técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), divulgada nesta semana, a previsão é de que o consumo de energia elétrica seja maior que a oferta em outubro e novembro deste ano, caso novas unidades de geração de energia não comecem a operar.
O operador disse que é necessário aumentar a oferta de energia em 5,5 GW a partir de setembro para que não haja deficit. Isso corresponde a cerca de 7% do consumo diário. Se uma nova fonte de energia não passar a operar, haverá riscos de apagão.
A crise elétrica é consequência direta dos problemas que o Brasil tem enfrentado com o sistema hídrico. O país enfrenta a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia do país, estão com 23% da capacidade de armazenamento, nível menor que o registrado em agosto de 2001, quando o país enfrentou racionamento de energia. O nível dos reservatórios do centro-sul do país já estão em níveis mais baixos que os que levaram à crise que levou ao racionamento de energia em 2001.
Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), houve “relevante piora” das condições hídricas e, por isso, é necessário adotar novas providências para manter os reservatórios das hidrelétricas.
Em novembro, quando começa o período chuvoso, o ONS prevê que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste cheguem a 10% da capacidade. Para preservar a água nos reservatórios das hidrelétricas, o governo vem acionando as usinas termelétricas, que são mais caras e poluentes.
