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Estado de Minas Inflação

Preços caem no atacado, mas há mais pressões até o varejo

Com a crise hídrica e a pandemia, será difícil para o consumidor se beneficiar do recuo das cotações de alimentos e insumos industriais apontado pelo IGP-10


26/07/2021 04:00 - atualizado 26/07/2021 07:25

Convencido de jamais ter visto crise semelhante, Depenido Cócolo reclama de repasses de preços de laticínios e embalagens(foto: Leandro Couri/D.A Press)
Convencido de jamais ter visto crise semelhante, Depenido Cócolo reclama de repasses de preços de laticínios e embalagens (foto: Leandro Couri/D.A Press)

Versão do Índice Geral de Preços (IGP) pouco conhecida pelos que lidam com as contas domésticas, o IGP-10 de julho provocou alvoroço com a queda da inflação dos alimentos, a exemplo do milho e da soja negociados no chamado atacado, entre os produtores e distribuidores tanto no Brasil quanto no mercado internacional, e a inesperada redução das cotações de matéria-primas industriais, entre elas o minério de ferro.

O indicador medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) despencou da alta de 2,32% em junho para modestos 0,18% neste mês, motivo suficiente para os analistas de bancos e corretoras concluírem que o país domou os aumentos que têm fustigado os bolsos dos brasileiros e verá, finalmente, o custo de vida baixar. Otimismo em excesso?

 

A melhor resposta é não embarcar na baixa do IGP-10 , ao menos por enquanto, e adotar a cautela, como apurou o Estado de Minas junto a consumidores, comerciantes e especialistas em inflação. O economista Matheus Peçanha, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre)/FGV, recomenda comemoração “comedida” dos números apontados pelo IGP-10 (veja o quadro nesta página). Embora eles indiquem uma convergência para desaceleração da inflação neste segundo semestre, ele adverte que o cenário dos preços ainda é turbulento, com diversos riscos à frente.

 

Entre os percalços citados pelo economista até o consumo final, parte deles ainda não refletida no IGP-10, estão os efeitos da crise hídrica no Brasil, que, de um lado, afeta o desempenho das lavouras e pode encarecer os alimentos, e de outro, vem tornando a energia mais cara com a geração das termelétricas. O IGP-10 mede a evolução de preços no período compreendido entre o dia 11 do mês anterior e o dia 10 do mês atual. Trata-se de um índice de inflação muito associado à variação do dólar, que influencia os preços dos alimentos exportados pelo país e tem impacto no mercado interno.

 

O economista do Ibre compara a queda de preços de algumas commodities agrícolas e minerais, com a do petróleo, “uma queda ao produtor que ainda não chegou ao consumidor. Custos represados das refinarias, e preços de fretes mais comportados, movendo a cadeia produtiva, uma vez que o escoamento se dá praticamente por via rodoviária”. Outro complicador para a economia e que pode afetar os preços é o comportamento e o impacto da variante Delta do novo coronavírus. Na Europa, o avanço da nova cepa, que já foi identificada no Brasil, tem provocado o recrudescimento das restrições à circulação de pessoas e às atividades econômicas.

 

No comércio de Belo Horizonte, o freio da inflação demonstrada pelo IGP-10 não convence o comerciante Pedro Henrique Moreira, de 34 anos, que comanda a cafeteria Comercial Sabiá, instalada no Centro da capital. “Não vemos muitas perspectivas de baixar”, afirma. Ele diz que tem segurado os repasse dos aumentos aos clientes “até onde for possível” e está preocupado com as notícias sobre as geadas no Sul de Minas. A estratégia é trabalhar com poucos fornecedores, fidelizando as compras para que possa conseguir preços mais acessíveis.

 

Sávia Carvalho, de 43, sócia da loja Café Gourmet, reclama que o produto ficou muito caro na pandemia e promete encarecer ainda mais, com o frio intenso nas regiões produtoras de Minas. “Ficamos muito preocupados, porque agora que conseguimos dar um 'respiro' da pandemia, acontece esse evento climático.” Ela diz já ter recebido mensagem de produtores avisando sobre novo aumento.

 

“Comprávamos a saca de 60 quilos por preços entre R$ 700 e R$ 750, já achamos até de R$ 950”, destaca. A perspectiva é de que o novo reajuste gire entre 30 e 35%. Depenido Cócolo, de 63, comerciante do Laticínios Tupiguá, que funciona desde 1982 no Mercado Central de BH, afirma jamais ter enfrentado crise como a atual. Além do preço do leite e seus derivados, que atingiram valores astronômicos, a falta de embalagem torna o produto final ainda mais caro.

 

“O dólar em alta e a carne de boi nas alturas fizeram com que o valor das vacas para corte, que no fim de 2020 custavam R$ 95 a arroba, saltasse para R$ 270. O queijo vendido a R$ 30, hoje não sai por menos de R$ 60. E as embalagens estão em falta. Preços de sacolinhas plásticas ou de papel tiveram aumentos superiores a 90%”, afirma.

 

Câmbio instável Miguel Daoud, analista econômico e político, e especialista em agronegócio, concorda não ser o momento de comemorar, por tratar-se de queda pontual, e acredita que ainda é cedo para estabelecer uma tendência. “Vamos ter agora aumentos de energia, as commodities agrícolas, insumos subindo muito. O que vai ajudar é a queda do petróleo em decorrência de aumento da oferta”, destaca.

 

De acordo com Daoud, o ponto de equilíbrio do dólar está na casa dos R$ 5. No mercado futuro de compra e venda da moeda norte-americana, não existe rede de proteção muito grande para o dólar abaixo desse nível. O câmbio tem outras variáveis que o pressionam. “Há uma preocupação com avanço do coronavírus e sua variante Delta, que já trouxe nova expectativa, muito negativa. Temos um ajuste fiscal que apontaria para inflação”, completa o especialista.

 

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )
 

"Trocamos vários produtos, como as carnes. A de boi não entra em casa há muito tempo"

Marinalva Ribeiro, diarista

Gasto concentrado em comida básica

 

“Todo mês traz uma surpresa desagradável para o bolso”, desabafa o balconista Geraldo Alves, de 62 anos, que mora em Betim, na Grande Belo Horizonte, com a mulher e um neto. Nos supermercados, ele não consegue ver baixa de preços. “É um absurdo um país como o Brasil vender à população o básico, que é arroz, feijão e óleo, ao preço que estamos pagando. E subindo de forma absurda.”

 

O preço médio do arroz caiu 7,39% de janeiro a junho na Grande BH, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas a redução não eliminou a alta acumulada desde o ano passado. Talvez por isso, o consumidor não tenha percebido a queda. Nos útimos 12 meses até junho, o produto encareceu 43,88%, enquanto a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 9,08%. Houve diminuição de 1,66% do preço do óleo de soja no primeiro semestre, embora persista alta de 83,12% na comparação com um ano atrás.

 

A diarista Marinalva Ribeiro, de 58, que mora em Ibirité, também na Grande BH, conta que as sete pessoas que vivem em sua casa contribuem como podem para manter a alimentação básica. “Trocamos vários produtos, como as carnes. A de boi não entra lá em casa há muito tempo.” Ela diz que a prioridade da família é alimentação e que acaba não sobrando para mais nada. “Nenhuma roupinha, ou um sapato novo”, diz.

 

Aline Veloso, gerente técnica do Sistema Faemg, avalia que IGP 10 em julho, comparado ao de junho é bem menor, e um dos índices que influenciaram na queda foi o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) agropecuário. As lavouras ajudaram a puxar para baixo principalmente itens como milho em grão, soja, batata inglesa, algodão, cana, arroz, maçã, café, produtos de maior relevância na composição da base do índice de preços agropecuários.

 

A metodologia não computa todos os produtos, mas somente aqueles que são referência, com maior peso no consumo. “Pontualmente, vejo avanço na colheita da safra de batatas que levou o produto a apresentar maior deflação em julho (-29,38%). Trata-se de um produto com uma safra favorecida pelo inverno mais seco neste ano.”

 

O clima está muito seco, o que influencia muito nas lavouras. Minas Gerais é importante produtor de batata, o período seco favorece a colheita, mas também prejudica o desenvolvimento de lavouras que estão em período de floração. Mas também há muita chuva no sul do país. Tudo isso deve ser bem acompanhado. (EG)

 

Queda é insuficiente

 

Assessora técnica do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Isabel Mendes explica que não só o futuro é incerto, mas há questões externas que podem influenciar os preços no Brasil. “Quando os EUA anunciaram possibilidade de alta de juros no final de 2023, teve pressão inflacionária. Isso já provocou mudanças em contratos futuros, repercutindo no Brasil.”

 

Isabel Mendes diz que o setor tem expectativa positiva de redução de preços, mas há preocupação com a crise hídrica, e a maior repercussão na energia elétrica. “O impacto não será somente sobre o consumidor, mas nas indústrias, como siderurgia, setor agro, que conta muito com a irrigação", observa.

 

Há de se considerar também que a queda medida pelo IGP-10 é positiva e esperada, mas no acumulado dos últimos 12 meses, o indicador teve alta de 34,61%. “No ano de 2021, até julho, o IGP-10 está na casa de 10%. Os alimentos tiveram aumentos recentes, como o leite e as carnes. O que há de positivo, como a queda de preço da batata, tem a ver com a safra. A seca prejudica a indústria de carnes, encarece os insumos como o milho e o farelo de soja que encarecem o preço da produção”, afirma Isabel Mendes.

 


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