Se para muitas lojas de roupas, eletrodomésticos e de departamentos geral a chegada do coronavírus acarretou prejuízos, com o fechamento das portas na fase mais crítica do isolamento social, para a empreendedora Maria Sônia de Souza, de 40 anos, a pandemia trouxe melhoria do faturamento em mais de 50%, segundo ela. Sônia trabalha com as vendas de porta em porta, em visitas às comunidades rurais de Januária e municípios vizinhos como Cônego Marinho, Bonito de Minas e Pedras de Maria da Cruz, no Norte de Minas.
Sônia faz as visitas domiciliares junto com o marido, Wagner Roberto Ribeiro da Silva, de 38. Eles estão casados há 10 anos, sendo este também o tempo em que trabalham com o sistema porta a porta. O casal mantém o estilo dos antigos mascates, com mercadorias (de menor porte) de pronta entrega, como roupas, artigos de cama e mesa e panelas, levadas em um carro (um Fiat Estrada).
Mas Sônia e Wagner também aprimoraram o negócio com o mostruário. Vendem móveis, colchões e eletrodomésticos para entrega posterior – dentro de um prazo rápido, de até três dias. Às vezes, conforme a distância, a entrega é feita no mesmo dia do fechamento do negócio. Sônia salienta que as vendas são feitas a crédito, à base de muita confiança. “A gente trabalha com a promissória. Mas tem cliente que nem sabe assinar o nome. Aí fica só na confiança mesmo. A gente faz notinha somente para controle, porque sabe que a pessoa é honesta e paga certinho”, afirma a caixeira-viajante.
A empreendedora diz que nas visitas às comunidades rurais, ela e o marido estabeleceram também um a relação de amizade e de fidelidade com os moradores. “Vamos até as comunidades, mas se demorar a voltar nas casas, as pessoas sentem falta e ligam pra gente pedindo a visita para levar os produtos”, relata. “Tem outra coisa: quando a pessoa gosta da gente, se passar outro vendedor na casa dele e oferecer algum produto ela não compra”, completa Sônia, lembrando que grande parte de sua clientela é formada por aposentados e trabalhadores rurais.
Ela revela que visita localidades distantes até 60 quilômetros da área urbana. Afirma ainda que, com a pandemia, usa máscara e, junto com os blocos de promissórias das “notinhas”, sempre carrega o álcool em gel. A vendedora de porta a porta se diz ainda muito satisfeita com o seu negócio à moda antiga. “É muito bom conviver com clientes diferentes e saber que estamos atendendo pessoas que, muitas vezes, não tem como ir até a loja na cidade para comprar”, confessa Sônia.
Outro que está se dando bem no comércio porta a porta durante o isolamento social imposto pelo surgimento do coronavírus é o vendedor Luiz Carlos Correa Costa, que percorre as comunidades rurais na região de Januária. “Acho que minhas vendas aumentaram de 20 a 30% depois da pandemia”, diz ele. Luiz Carlos afirma que, com o isolamento social, muitas pessoas da zona rural deixaram de ir à cidade, por causa do medo do contágio da COVID-19. Por isso, elas passaram a comprar mais no sistema de pronta-entrega, o mesmo adotado na época dos antigos mascates, que saíam pelo interior mostrando os produtos.
Ele conta que, se aproveitando dessa mudança, deixou de lado o uso do mostruário e sai pelas localidades rurais, levando uma variedade de produtos em uma Saveiro, transformada numa espécie de loja de sobre rodas. “Levo tudo que posso carregar – antena, liquidificador, ventilador e colchão”, diz o caixeiro-viajante, contando que também criou uma relação de amizade com a freguesia. “Tem cliente que compra na minha mão há mais de 10 anos”, assegura.
Luiz Carlos explica que, além da boa relação com a clientela, para ter êxito nas vendas nas localidades rurais de Januária e municípios vizinhos ele aprendeu a circular pela região. “Conheço as estradas da zona rural na região. A região tem muitos ‘galhos de estrada’. Quem não conhecer os atalhos se perde”, assinala.
Ação estratégica No período da pandemia, a venda pelo sistema de porta a porta – chamada “venda ativa”, torna-se uma estratégia de fundamental importância para manter os negócios, indo até a clientela, avalia Mateus Martins, consultor do Sebrae Minas. “Em momentos como esse, em que muitas vezes os clientes estão receosos e evitando fazer compras supérfluas, é fundamental que os empreendedores se disponham a oferecer seus produtos e serviços, criando a demanda nos clientes, em vez de ficar apenas esperando que eles entrem em suas lojas”, observa Martins.
Ele salienta que é possível conciliar o porta a porta e o uso do sistema on-line. “Com a transformação digital, não adianta apenas termos uma fachada física interessante. É necessário atrair os clientes para que também possam conhecer a fachada virtual. Através de estratégias como o porta a porta, os empresários podem criar relacionamento e continuar a vender para os mesmos clientes através das redes sociais”, destaca o consultor.
Alimento entregue em casa na área rural
Famílias da zona rural de Minas Nova, no Vale do Jequitinhonha, que sofrem com a seca histórica e outras carências da região, têm dificuldades de transporte para se deslocar até a cidade para comprar em feiras de alimentos. Gerente de um supermercado na cidade, Samuel Alves dos Santos informa que criou uma maneira de amenizar o obstáculo: um caminhão do estabelecimento faz a entrega das compras nas residências dos moradores, em cinco comunidades rurais do município.
Normalmente, os moradores da zona rural, boa parte formada por aposentados, vão de ônibus até a cidade e fazem as compras. Na sequência, um caminhão do supermercado se desloca para as comunidades levando os mantimentos. “Para facilitar, 15 a 20 famílias de determinada localidade combinam de fazer suas feiras em determinado dia do mês. Ai, é feito um roteiro e o caminhão faz a entrega de todos os moradores da referida comunidade no mesmo dia.
Samuel explica que o sistema de venda para os moradores da zona rural também foi afetado pela pandemia. “Houve várias pessoas da zona rural que ficaram com medo de vir à cidade por causa do coronavírus, e passaram a pedir as feiras pelo telefone, para serem levadas de caminhão até os lugares onde moram”, afirma o gerente do supermercado de Minas Novas.