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Estado de Minas

De sacoleira a empresária: microcrédito dá fôlego novo a empreendedores

Sistema de empréstimo a taxas baixas de juros, que financia a população de menor poder aquisitivo, viabiliza estruturação do negócio próprio e permite melhores condições de vida


postado em 24/03/2019 11:41 / atualizado em 24/03/2019 11:47

Daniele Aparecida da Cruz Santos, Dona de ateliê especializado em produtos personalizados para festas infantins:
Daniele Aparecida da Cruz Santos, Dona de ateliê especializado em produtos personalizados para festas infantins: "É um investimento no potencial do ser humano. O crédito abre o leque de oportunidades para as pessoas crescerem" (foto: Arquivo pessoal )


Depois de trabalhar como sacoleira e bater de porta em porta, revendendo perfumes, Daniele Aparecida da Cruz Santos tornou-se empresária, adquiriu casa e acumulou outras conquistas. Sônia Costa de Souza vendia sucos em caixa de isopor e, agora, se diz bem estruturada no negócio, com movimentado ponto de oferta de cachorro-quente. Já Vicentina Bispo de Almeida elevou os ganhos com a produção de derivados do pequi, fruto-símbolo do cerrado. As três empreendedoras são protagonistas do sistema de microcrédito, que se tornou ferramenta na busca de melhoria de vida e no combate às desigualdades sociais, por atender, na maioria dos casos, pessoas de baixa renda envolvidas no esforço de progredir e conduzir uma atividade própria.

 

O microcrédito deu impulso a mais de 3,3 milhões de brasileiros, dos quais, cerca de 75% atua no comércio. Os empréstimos com viés social atendem donos do negócio próprio,  como sacoleiras, proprietários de carrinhos de cachorro-quente, salões de beleza e oficinas mecânicas, além de revendedoras de cosméticos, vendedores ambulantes e profissionais autônomos, como pedreiros. A maior parcela (quase 70%) desses empreendedores individuais que recorrem ao sistema de empréstimo é formada por mulheres.

 

Liberados sem burocracia ou exigências cadastrais e oferecidos a juros abaixo das taxas costumeiras do mercado financeiro, os empréstimos variam de R$ 100 a R$ 15 mil. Os valores são modestos, mas representam aquela “mãozinha” que faltava para quem está disposto a ir à luta e crescer com as próprias pernas. A linha de crédito financia, de forma predominante, pessoas de baixa renda eos chamados “desbancarizados”, que não tem conta bancária e acesso às instituições financeiras.

 

As operações nesse modelo de financiamento no país são lideradas pelo Banco do Nordeste, que responde por 62% do total de clientes atendidos pelo microcrédito, com encargos entre 1,8% e 2,5% ao mês. O BNB já conta com 2,065 milhões de cadastrados no seu “Crediamigo”, criado em 1998 e que se transformou no terceiro maior programa de microcrédito do mundo, perdendo apenas para sistemas adotados pela Índia e Bangladesh, onde a experiência surgiu na década de 1970, criada pelo economista Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006.

 

O BNB libera o microcrédito em toda a sua área de atuação, que envolve os estados nordestinos e também o Norte de Minas, em especial os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, e o Norte do Espírito Santo. Dessa forma, o modelo de financiamento ajudou também no combate à seca e na melhoria da condição de vida em pequenos municípios do semiárido brasileiro.

Ensinar a pescar

O gerente do Banco do Nordeste para o microcrédito em Minas Gerais e no Espírito Santo, Tarcísio Silveira Cruz Junior, destaca a importância do acesso ao crédito que a população de baixa renda passou a ter com a implementação do microcrédito pelos bancos comerciais. “A função do programa é abrir caminho para a população que ainda não bancarizada e que, muitas vezes, enfrenta restrições cadastrais”, observa Cruz Junior. ‘Ao invés de dar o peixe, temos que ensinar a pescar’, destaca o gerente, lembrando que, nessa linha, o governo adota a política de crédito facilitado para empreendimentos dos brasileiros mais pobres como forma de estimular a geração de renda e o incremento da economia.

 

Silveira lembra que um estudo sobre os impactos do programa mostra que pessoas que usaram o dinheiro por cinco anos tiveram crescimento de 35% da renda disponível. Aquelas pessoas com 10 anos de adesão ao sistema tiveram elevação da renda de 60%. Além disso, 10% das pessoas que completaram uma década de acesso ao sistema adquiriram casa própria. Outros impactos verificados entre os atendidos pelo modelo facilitado de acesso ao crédito são a redução de 27% da pobreza e diminuição de 50% da extrema pobreza, como observa Tarcisio Silveira.

Potencial “É um investimento no potencial do ser humano. O crédito abre o leque de oportunidades para as pessoas crescerem”. Com essa frase, Daniele Santos, de 29 anos, moradora de Montes Claros (Norte de Minas), se inspira na própria história. Ela conta que sua vida passou por completa transformação ao ingressar no sistema de crédito solidário. Casada e com um filho, ela diz que recebe ajuda do marido em seu trabalho.

 

Daniele teve acesso ao microcrédito há oito anos, quando recebeu o primeiro empréstimo no valor de R$ 1 mil. Na ocasião, começou a trabalhar como sacoleira, buscando roupas em Goiânia (GO), “para ajudar a pagar a faculdade de direito”. Depois, fez vendas porta em porta, como revendedora de uma linha de perfumes. Ao concluir o curso, montou uma pequena loja de roupas infantis.

 

Na mesma época, recebeu proposta para trabalhar como advogada em uma empresa e foi, então, que a loja ficou sob comando de outra pessoa. Porém, 18 meses depois, Daniele perdeu o emprego no escritório, retornou ao negócio próprio e abriu um ateliê onde fabrica produtos personalizados para festas infantis.
“A minha vida mudou 100 por cento. Hoje, não troco a minha atividade pelo trabalho de advogada”, afirma a microempresária individual. Entre as conquistas que obteve com a “mãozinha” do microcrédito, ela cita a compra da casa própria. Também se tornou mãe de Miguel Antonio, de 4.

 

Partindo de sua experiência, Daniele ressalta que o microcrédito também ajuda as mulheres na maternidade, permitindo que elas possam desenvolver alguma atividade sem sair de perto dos filhos. “Acho que o programa auxilia as mães que não podem trabalhar fora, pois precisam ficar em casa para cuidando dos filhos recém-nascidos”, enfatiza.

Solidários no acerto da dívida

Com sistema de aval solidário, microcrédito é concedido na forma de empréstimo individual, mas organizado por grupos de três a 10 pessoas. Cada integrante passa a ser avalista do colega. Os boletos para os pagamentos das parcelas são emitidos em nome de todo o grupo. Em caso de algum dos participantes não pagar o financiamento, a parte dele tem que ser paga pelos demais integrantes.

 

A advogada e dona do negócio próprio Daniele Aparecida Santos participa de um grupo de quatro clientes, dos quais mais duas mulheres, donas de uma pequena loja e um salão de beleza.

 

O único homem do grupo é o pedreiro Claudiomiro Ferreira da Silva, de 47, que mora no distrito de Nova Esperança, em Montes Claros. “Se não fosse o microcrédito acho que eu nem teria como trabalhar”, afirma Claudiomiro, que está no programa há oito anos e usa os empréstimos para comprar ferramentas, sendo o último deles no valor de R$ 1.500.

 

No ano passado, o Banco do Nordeste aplicou R$ 8,9 bilhões no seu programa de microcrédito e em 2019 planeja investir no sistema R$ 11 bilhões, trabalhando com previsão de crescimento de 20% dessa linha de empréstimo. A instituição pretende dar gás ao modelo de empréstimo, com a meta de atingir R$ 26 bilhões em contratações até 2026.

 

Um dos pontos positivos do “Crediamigo” é a baixa inadimplência, de 2,41%. A taxa foi obtida graças à forma solidária do programa, inspirada na experiência de Muhammad Yunus em Bangladesh. Com a estratégia, já que os clientes são avalistas uns dos outros, os próprios participantes do grupo financiado “fiscalizam” os seus companheiros para evitar que deixem de saudar seus débitos. “No crédito solidário, contamos com o maior cobrador que um banco pode ter: o cidadão”, comenta o gerente Tarcisio Silveira.

Mulheres têm prioridade

Sônia Costa de Souza, de 48 anos, pode ser considerada uma das mulheres vitoriosas dentro do programa do microcrédito. “Comecei vendendo suco e depois fui melhorando aos poucos”, conta Sônia, que, hoje dispõe de boa estrutura para a venda de cachorro-quente que montou ao lado da casa onde mora no Bairro Santos Reis, em Montes Claros, no Norte do estado.

 

Ela recorreu, há sete anos, ao sistema de financiamento destinado à população de menor poder aquisitivo. “O primeiro empréstimo foi pouquinho. Nem me lembro direito, mas foi R$ 500 ou R$ 600”, afirma Sônia, recordando ter usado o dinheiro na compra dos ingredientes necessários para iniciar a preparação da venda de cachorro-quente. Na aquisição de alguns equipamentos e cadeiras para a lanchonete, Sônia contou com a ajuda financeira da filha, que havia acabado de receber o acerto trabalhista referente ao tempo em que trabalhou numa de lubrificantes.

 

Casada e mãe de três filhos, Sônia não quis depender do marido, que atua no ramo de troca de óleo e lubrificantes de veículos pesados. “O microcrédito foi a melhor coisa que consegui na vida”, diz Sônia, que, atualmente, vende 60 sanduíches, em média, por dia. Além da ampliação do negócio, ela comemora a melhoria de vida da família. Destaca também o fato de ter obtido renda para pagar cursos para o filho adolescente.

 

Sônia pretende incrementar o negócio. Na quinta-feira, ela recebeu mais um empréstimo do programa do BNB, no valor de R$ 8 mil. “Vou investir em mais equipamentos e passar a vender também tapioca”, conta. A empreendedora já foi vendedora de loja, mas diz que não tem nenhuma saudade da vida como empregada. “E muito melhor ter o próprio negócio. A gente tem mais liberdade”, afirma.

Arrimo de família 

A maior participação das mulheres atendidas com microcrédito e o sucesso delas no programa são destacados pela professora Luciana Maria Costa Cordeiro, do departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), que estudou o tema. A especialista ressalta que a característica do microcrédito favorece o atendimento às mulheres.

 

“A proposta é atender as classes mais oprimidas na relação de trabalho formal. Nessa perspectiva, faz parte da política de microcrédito priorizar o atendimento às mulheres. Daí o grande volume de mulheres atendidas, demonstrando que nesse aspecto o programa vem cumprindo seu objetivo”.

 

A professora de Economia ressalta também o esforço das mulheres na luta pelo sustento e pela melhoria de vida, lembrando que “muitas são arrimo de família”. A especialista também salienta que elas são mais compromissadas do que os homens. “Esse tipo de financiamento não oferece garantias reais ao sistema financeiro. Assim, ao liberar empréstimos para as mulheres, os bancos e instituições de microcrédito acreditam que haverá menor inadimplência e com isso menor o risco de seus investimentos”, observa Luciana Cordeiro.


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