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Estado de Minas MULHERES DE FIBRA

"Frutos do mato" geram renda para mulheres no Norte de Minas

Colheita e beneficiamento de espécies do cerrado por trabalhadoras de cooperativa no Norte de Minas mudam vida de famílias


postado em 30/08/2016 06:00 / atualizado em 30/08/2016 09:50

Montes Claros/Januária/Coração de Jesus – No Vale do Peruaçu, no município de Januária (Norte de Minas), as famílias de pequenos produtores – quadro repetido em outras partes da região –, viveram da agricultura de subsistência ao longo de décadas. Diante da escassez de chuvas, plantavam nos “brejos” – lugares úmidos, as veredas enaltecidas pelo escritor Guimarães Rosa. Mas, com o passar dos anos, por conta da intensidade da seca e da própria exploração degradante, os “olhos d’água” também desapareceram. Assim, a situação, que já era difícil, piorou de vez.

O drama foi amenizado por um grupo de mulheres do lugar. Elas adquiram o hábito de coletar “frutos do mato” como o pequi e o buriti, que, além de matar a fome, viraram fonte de renda para a comunidade. A alternativa encontrada no agroextrativismo como forma de superar as dificuldades impostas pela seca e outras iniciativas de associativismo de grupos femininos da zona rural são abordadas na segunda parte da série de reportagem sobre as mulheres vencedoras.

Criada em 2013, a Cooperativa de Agricultores Familiares e Agroextrativistas do Vale do Peruaçu (Cooperuaçu) tem domínio feminino – dos 60 cooperados, 38 são mulheres. A partir da extração dos frutos do cerrado, elas mudaram o quadro desanimador imposto pela seca às famílias da região, com as sucessivas perdas das lavouras de subsistência de milho e de feijão. O coordenador de trabalhos da cooperativa, Joel Araújo Sirqueira, salienta que, antigamente, os frutos nativos da região – pequi, cagaita, umbu, jatobá, coquinho azedo e buriti, entre outros – eram mal aproveitados. Uma pequena porção era usada como alimento, enquanto a maior parte não tinha serventia alguma e se perdia no mato.

Com cursos de capacitação sobre gestão de empreendimentos comunitários, agroextrativismo e desenvolvimento sustentável, as mulheres do Peruaçu aperfeiçoaram suas práticas. A iniciativa de qualificação do grupo partiu de ONGs, como o WWF (Fundo Mundial para a Proteção da Natureza), e de entidades, como a Cáritas Diocesana. A partir da organização (e da união) do grupo, os “frutos do mato” passaram a ser vistos pelo olhar do empreendedorismo e da sustentabilidade. São coletados e levados para uma unidade de beneficiamento da cooperativa. Lá são transformados em doces, geleias, polpas e até sorvetes.

Joel Sirqueira ressalta que o pequi, que no passado “servia para tapear a fome diante da dificuldade de se conseguir outro alimento”, agora é um dos principais produtos do agroextrativismo no Vale do Peruaçu. É encontrado facilmente na região no período da safra, que vai de dezembro a fevereiro. Somente neste ano, disse, foram vendidas duas toneladas de polpa de pequi para diferentes parte do país.

E o “ouro do cerrado” está a caminho de pontos mais distantes no planeta. “Já mandamos amostra de creme de pequi até para o Japão, visando a compra por eles”, revela Sirqueira. O trabalho agroextrativista também contribuiu para agregar valor a outros “produtos do mato”, como o jatobá. Atualmente, um saco de 25 quilos do fruto é vendido a R$ 25, sendo que até poucos anos, o fruto nem era comercializado. Hoje, rico em sais minerais, é usado para fazer geleia, doce, sorvete e “farinha de jatobá”.

Transformação “As mulheres da região que coletavam frutos do cerrado eram vistas como gente muito pobre. Mas acabaram percebendo que existe mercado para os frutos nativos e que, além de servir como alimento, eles podem gerar renda. Hoje, as mulheres têm orgulho em dizer que são extrativistas”, afirma Joel Sirqueira. “De fato, são agentes transformadoras da realidade”, completa. Mãe de quatro filhos, a pequena agricultora Benvinda Nunes Leite, de 49 anos, é uma das integrantes da cooperativa que transformou sua realidade, superando a pobreza extrema com o próprio esforço. “Tudo era muito difícil. Eu passei necessidades sim. Faltava dinheiro até para o alimento. A gente não tinha nenhum meio de fazer um dinheirinho”, recorda. “Hoje, graças a Deus, tenho o meu dinheiro. Minha vida mudou completamente”, confessa a mulher, que mora na comunidade de Vereda Grande 1, na região do Peruaçu.

“A gente não tinha nenhum conhecimento de como aproveitar melhor os frutos. Por exemplo, eu catava o pequi sem saber que poderia aproveitar a castanha e o fruto todo”, diz a mulher, que também cultiva uma horta no fundo da casa. Com muita simplicidade, Benvinda não tem receio de dizer que não ganhava dinheiro com os produtos nativos por completo desconhecimento sobre comercialização. “Eu não sabia vender nada. Agora, criei coragem de vender as coisas e tenho uma renda. Estou muito feliz por isso”, diz ela.

Outra participante do projeto no Vale do Peruaçu, a pequena agricultora Arcanja Fernandes, mãe de seis filhos, relata que a renda obtida com os frutos do cerrado virou a sua salvação. Ela afirmou que a família se alimentava do que colhia das pequenas lavouras de milho e de feijão cultivadas nos terrenos úmidos nos períodos críticos de seca. “A gente não tinha renda nenhuma e plantava arroz nos brejos, que secaram ao longo dos tempos. Também começou a faltar dinheiro para comprar coisas que a gente não produzia como açúcar e sabão. Aí, a vida ficou muito difícil”, recorda. “Agora, a gente pode ir para a cidade e fazer uma feira completa”, comemora Arlinda.

 

 


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