Deco Bancillon
No papel, eram ideias perfeitas, e que contavam com o apoio maciço da população. Para zerar a inflação passada, o governo cortou três zeros do cruzeiro e batizou a nova moeda de cruzado. Depois, sob os aplausos das donas de casa, o então presidente da República, José Sarney, anunciou um congelamento de preços em escala nacional. Mesmo os salários foram tabelados, mas, diante da pressão popular, a equipe econômica liderada pelo então ministro da Fazenda Dílson Funaro instituiu um gatilho que permitia reajustes automáticos sempre que a inflação ultrapassasse 20% ao ano. Além disso, foi concedido abono de 8% sobre o vencimento médio dos trabalhadores.
“O excesso de demanda caracterizou-se pela extrema facilidade com que o consumidor passava a desejar um bem para aceitar a aquisição de outro, caso o primeiro não fosse encontrado”, escreveu o ex-secretário do Tesouro Nacional Joaquim Levy, num estudo publicado em junho de 1987. Ele resume o que o congelamento de preços fez pelo país da seguinte forma: “Já não importava mais o que se comprava, mas sim que era importante comprar”. Afinal, o sentimento geral da população era que, em algum momento, os preços teriam que subir, já que nenhum congelamento era para sempre.
Em novembro de 1986, o governo liberou as correções e lançou o Plano Cruzado 2. Mas, novamente, o experimento não deu o resultado esperado. Não por acaso, em seu livro de memórias, o próprio Sarney classificou o segundo plano como “o maior erro que já cometi no governo, e pelo qual eu paguei muito caro”. Outros planos que se seguiram dali em diante, como o Plano Bresser, Verão 1 e Collor, tiveram o mesmo destino.
Câmbio
“Todas as iniciativas anteriores ao real deram errado, ao meu ver, porque o país não tinha uma âncora cambial forte. Então, ao estabilizar a moeda, você provocava um forte crescimento da atividade econômica. E com isso aumenta também a necessidade de importações e a pressão do setor externo”, assinala o economista Júlio Gomes de Almeida, que atuou como secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda nos governos Sarney e Lula.
Até 1994, quando o Brasil adotou o real como moeda, o déficit nas transações correntes era de apenas 0,33% do Produto Interno Bruto (PIB). A partir de 1995, quando passou a vigorar a banda cambial, esse buraco foi crescendo perigosamente, até chegar a 4,32% da economia, em 1999. “A depender da situação, o regime de câmbio fixo coloca a economia numa camisa de força”, observa o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton. Não por acaso, foi somente a partir da implementação, primeiro, do regime de câmbio flutuante e, depois, do sistema de metas de inflação, ambos em 1999, que o país começou a construir as fundações da política econômica que consolidou a estabilidade.