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Estado de Minas

Faculdades que recebem recursos do Fies reajustam preços acima da inflação

As instituições apoiadas pelo Fies vêm reajustando as mensalidades bem acima dos aumentos promovidos pelas universidades que não contam com essa linha de crédito. Essa diferença tem girado em torno de 2,5% ao ano


postado em 04/05/2014 00:12 / atualizado em 04/05/2014 07:33

Antonio Temóteo e Pedro Franco

Com bolsa integral do fundo do Ministério da Educação, Isabel Lima quer reduzir tempo do financiamento após concluir curso de arquitetura(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Com bolsa integral do fundo do Ministério da Educação, Isabel Lima quer reduzir tempo do financiamento após concluir curso de arquitetura (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

A inflação que atormenta os brasileiros e tira o poder de compra dos consumidores chegou com tudo às salas de aula. As instituições de ensino superior credenciadas pelo Ministério da Educação para receber recursos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) vêm reajustando as mensalidades bem acima dos aumentos promovidos pelas universidades que não contam com essa linha de crédito. Em média, essa diferença tem girado em torno de 2,5% ao ano. Mas há cursos, como os de medicina, em que o aumento adicional chega a 9,3%. Ou seja, os alunos estão se endividando para pagar cursos cada vez mais caros.

Que o Fies é importante para facilitar o acesso dos brasileiros mais pobres às universidades, ninguém duvida. Sobretudo se for levando em conta que, no Brasil, somente 11% dos cidadão adultos têm diploma de nível superior e que, de cada 10 jovens da nova classe média que entram em faculdades, oito são os primeiros de suas famílias a terem tal oportunidade. O problema é que o governo fechou os olhos para os abusos cometidos pelas escolas que têm no Fies uma de suas principais bases de crescimento. Sem o programa de crédito, muitas delas já teriam fechado as portas ou estariam em dificuldade para se sustentarem.

Procurado pelo Estado de Minas, o Ministério da Educação se recusou a comentar o assunto, o que, na visão dos especialistas, só comprova a omissão do poder público em conter os abusos nos reajustes das mensalidades. Também faz pouco para garantir a qualidade dos cursos oferecidos. Em 2009, foram fechados 32.781 contatos pelo Fies. No ano passado, 556,5 mil. No mesmo período, o total de recursos liberados pelo programa educacional saltou de R$ 900 milhões para R$ 7,7 bilhões. É esse volume de dinheiro disponível que estimula as universidades a pesarem a mão nos reajustes das mensalidades.

Autora de um estudo sobre o assunto, a economista Isabela Duarte, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), explica que o forte aumento das mensalidades por escolas que usam o Fies não está pesando apenas no bolso dos estudantes. Também se tornou mais caro para o governo que é obrigado a desembolsar cada vez mais para cobrir os reajustes. Para ela, essa inflação pode gerar perda de eficiência do programa. “Mais pesquisas sobre o assunto precisam ser feitas para identificar o que o governo deve fazer para controlar ou não esse fenômeno”, comenta.

Em 2013, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que o custo das mensalidades de ensino superior subiu 7,46%, acima da média geral de 5,91%. No primeiro trimestre deste ano, os aumentos impostos aos alunos foi de 7,23%, enquanto o indicador médio para o período ficou em 2,18%. Mesmo com variações acima da inflação, estudantes procuram qualidade na hora de selecionar a instituição em que vão cursar o ensino superior. O renome no mercado é um dos fatores apontados para a seleção da faculdade. Universitários dizem preferir comprometer uma maior parte da renda para conseguir ter o retorno do investimento em um espaço mais curto de tempo.

Prestes a completar o curso de administração, o universitário Paulo Abdo recorda que ao ingressar na faculdade pagava R$ 570 de mensalidade. No último período, o valor subiu para mais de R$ 900. “A diferença é grande”, diz ele sobre o valor pago no início e no fim do curso. Mas, mesmo assim, no longo prazo ele acredita ser possível recuperar o montante investido. Segundo ele, o mesmo não seria possível dizer de instituições que cobram R$ 200, R$ 300 de mensalidade, mas não têm o mesmo renome que a escolhida por ele. “No mercado, as empresas ficam com um pé atrás com essas faculdades”, diz Abdo.

Variação O curso de administração (noite) é o que apresenta a maior variação entre instituições de ensino em Belo Horizonte, segundo pesquisa do site Mercado Mineiro. As mensalidades variam 218,82% entre as nove faculdades privadas que integram o levantamento. No Instituto Belo Horizonte de Ensino Superior (Ibhes), o estudante paga R$ 500,27 por mês, enquanto no Ibmec o valor sobe para R$ 1.595. A qualidade do ensino e outros fatores podem influenciar nos preços, como infraestrutura, carga horária, grade curricular e metodologia.

Considerando as variações médias dos cursos em relação ao ano passado, o aumento mais significativo foi nas faculdades de engenharia civil, com elevação de 11,64%. O segundo colocado foram os de medicina, com 10,53%, custando até R$ 5,5 mil. Com isso, a média das mensalidades foi de R$ 4.572 para R$ 5.035, de 2013 patra 2014. A mensalidade para cursar publicidade e propaganda ficou 9,94% mais cara.

Ao se discriminarem as altas no curso de engenharia é possível identificar elevações de até 34,74%, caso da Faculdade Anhanguera, que aumentou de R$ 1.036 para R$ 1.396 a mensalidade do curso. Em outras quatro das nove faculdades também houve alta acima de dois dígitos. Apenas uma apresentou leve redução. E o pior: a alta média de 11,64% em 2014 é antecedida de outra elevação. Em 2013, em média, as mensalidades de engenharia civil subiram 10,53%.

A futura arquiteta Isabel Lima optou pelo Fies. Ela tem bolsa integral enquanto estiver na faculdade. Depois de concluir o curso, terá 18 meses de carência até iniciar o pagamento das parcelas. A previsão é quitar o débito até 2036, mas ela pretende antecipar parcelas para reduzir o tempo de financiamento. Assim como Abdo, ela diz ter selecionado a instituição não pelo valor, mas pela qualidade do ensino. E diz que a escolhida tirou a nota mais alta no Enade entre as faculdades da capital que têm o curso de arquitetura. “Não fosse isso, poderia não ter o retorno que pretendo”, diz Isabel.

 

Multiplicação de crítica

Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito a Educação, Daniel Cara é enfático quanto se refere ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies): “O setor privado vê no Fies o caminho para expandir as matrículas, uma vez que o governo não regula os custos e não se preocupa com a qualidade do ensino”.

Para ele, os reajustes exagerados das mensalidades deveriam ser monitorados com maior precisão pelo Ministério da Educação, de forma a evitar distorções. “É uma questão social. O aluno que se endivida muito corre o risco de acabar entrando no mercado de trabalho por meio de vagas com baixas remunerações e fora da área para a qual estudou. Muitas vezes, isso acontece por causa da formação ruim”, diz.

Na opinião de Cara, a baixa qualidade do ensino oferecido por instituições beneficiadas pelo Fies pode elevar a taxa de inadimplência dos alunos. Ele explica que, mesmo com o prazo estendido para pagamento dos débitos, as baixas taxas de juros e a possibilidade de renegociação da dívida, os estudantes que não conseguirem um bom emprego deixarão de honrar os compromissos. “Não podemos esquecer que o Fies é subsidiado pelos contribuintes. São eles que fazem a alegria das instituições privadas de ensino, que não são fiscalizadas como deveriam”, completa.

Na opinião do doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP) Luiz Araújo, o Fies é um ótimo negócio para o setor privado de ensino, porque há a garantia de que as mensalidades serão pagas pelo governo, que assume os riscos de inadimplência. Sendo assim, seria possível reduzir o valor das mensalidades. “Há uma distorção nesse processo. Em vez de caírem, as mensalidades aumentam muito acima da inflação. Os empresários passam a lucrar mais às custas do governo”, detalha.

Defesa Vice-presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares, Elizabeth Guedes argumenta que as instituições privadas de ensino que fazem parte do Fies precisam de certidões de regularidade fiscal, pagam os impostos em dia, cumprem as leis trabalhistas e precisam de boas notas nas avaliações feitas pelo governo. Ela explica que os cursos com maior procura são os de medicina e engenharia, os mais caros e os que têm se beneficiado da maior demanda por profissionais qualificados no mercado.

Diretora técnica da Associação Brasileira de Mantenedoras das Faculdades Isoladas Integradas (Abrafi), Iara Xavier afirma que, antes de verificar uma possível inflação das mensalidades provocada pela maior oferta de crédito por meio do Fies, é preciso olhar os componentes que pesam na formação de preço das escolas. Ela assinala que é preciso levar em consideração, por exemplo, a concorrência na cidade onde a instituição de ensino está instalada e o Índice Geral de Cursos (IGC), medido pelo governo e pelo corpo docente. “Vários fatores interferem nos custos que são repassados aos alunos, que são livres para escolher onde querem estudar. Além disso, a oferta de cursos mostra que o mercado privado de ensino é bem competitivo”, frisa.


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