Marinella Castro e Marta Vieira
O apagão em áreas específicas da docência, segundo especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, está mais relacionado às condições de trabalho na educação e baixos salários que tornam a profissão pouco atrativa do que com a incapacidade do país de formar professores. “É preciso melhorar não só os salários, mas todo o ambiente de trabalho para atrair os jovens”, diz Naércio de Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Segundo ele, os estudantes de áreas como física, matemática, química, preferem seguir carreira acadêmica a se dedicar ao magistério.
Diretor presidente da Rhumo Consultoria e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Sérgio Campos, defende a importação de mão de obra estrangeira como intercâmbio positivo para o país já que o Brasil também exporta seus profissionais. No entanto, no caso da educação ele diz que é preciso ter maior investimento na área ou até mesmo na educação infantil professores qualificados poderão se transformar em moscas brancas. “A formação nessas áreas está diminuindo em proporção maior que a taxa de natalidade.”
O professor Alexandre Freitas Barbosa, da USP, que desenvolveu o tema Formação do mercado de trabalho no Brasil como tese de doutorado, considera fundamental que o país crie uma política de formação de mão de obra em sintonia com a demanda da sua economia, tanto no nível do ensino superior quanto no do técnico. “Que seja sem reserva de mercado, mas o país não pode ficar dependente de mão de obra estrangeira”, alerta.
Anderson Caires é um brilhante estudante de física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele se formou no mês passado e já está começando o mestrado. Na graduação desenvolveu projeto de aplicação da nanotecnologia na medicina. A turma da qual ele participava é um exemplo da crise que se reflete nas salas de aula. De 40 alunos que começaram o curso, apenas Anderson se formou. “A maioria de meus colegas migrou para outros cursos, engenharia principalmente.” Como teve ótimo desempenho na graduação, no meio do ano que vem Anderson inicia o doutorado, seguindo a trajetória apontada pelo especialista do Insper. “Vou seguir carreira acadêmica porque adoro ciência e ser pesquisador. Além disso, a situação da licenciatura é muito complicada. Estudei em escola pública e sei que a estrutura é ruim. Essa também foi a opinião da maioria de meus colegas.”
Desafio
Emiro Barbini, do Sinep, diz que de modo geral, pública ou privada, a escola enfrenta dificuldades de contratação. “Do porteiro ao diretor está difícil, mas em áreas ligadas às ciências o quadro é pior.” Barbini considera que esse é um grande desafio que o setor enfrenta e que será acirrado nos próximos anos. “Existe uma legislação que nos permite contratar professores de outras áreas, engenheiros por exemplo para ensinar matemática, caso seja publicado edital e ninguém se candidate às vagas.” Segundo ele, o Brasil já viveu a situação no passado, o que não é a melhor saída para a docência.
A pressão da demanda não atinge apenas as escolas de ensino fundamental ou médio, mas também as instituições especializadas. Ana Regina de Araújo, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Rede de Franquias Number One diz que as multinacionais, redes de hotelaria, empresas de diversos setores passaram a recrutar os professores de inglês. “Encontrar profissional qualificado está muito difícil.” Ela diz que com a crise europeia foi ampliada a oferta de nativos, o que tem feito o percentual de professores estrangeiros crescer. “Mesmo assim eles precisam passar por treinamentos.”
Kim Moore nasceu na Nova Zelândia e mudou-se para o Brasil no ano passado. Antropóloga e estilista, e professora de inglês no Brasil, ela não encontrou dificuldades para dar aulas. “O mercado está bom, há muita oferta para professor, o que é uma oportunidade para estrangeiros”, avalia.
Valorização dos técnicos
Profissionais valorizados de nível técnico entraram no rol dos trabalhadores mais disputados pelas empresas e que em virtude do descompasso entre oferta e procura futuramente poderão ter de conviver com colegas estrangeiros. “A importação vai chegar a esses cargos. É uma questão de mercado, em que existe uma lacuna, como consequência das discrepâncias de um país em desenvolvimento, como o nosso”, afirma Edmar Alcântara, gerente de Educação Profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de Minas Gerais (Senai-MG).
A indústria mineira cumpriu no ano passado o maior programa de treinamento de nível técnico da sua história, mas ainda assim, a escassez em determinas áreas preocupa. Até dezembro, o Senai-MG espera ultrapassar um contingente de 180 mil alunos matriculados, o que será novo recorde. São 70 cursos técnicos e mais de 300 tipos de qualificação nas 92 escolas espalhadas pelo estado, com capacidade total ocupada. Edmar Alcântara diz que a instituição identificou déficit de três unidades na capital mineira. O polo industrial de Betim necessita de uma segunda unidade de ensino profissionalizante e outras três cidades mineiras terão escolas no ano que vem: Sete Lagoas e Itabirito, na Região Central, e Uberlândia, no Triângulo.
História que se repete?
Nos anos 1930, os primeiros imigrantes vindos da Itália à procura de trabalho desembarcaram nas regiões agrícolas do interior de São Paulo. A rigor, eles não eram mais qualificados que os brasileiros; a diferença é que não tinham os vícios de uma sociedade que sofreu as consequências do regime de escravidão. Nas cinco décadas seguintes, o Brasil formou mão de obra nas escolas técnicas e universidades, quando, então, enfrentou a crise do setor público, que parou de investir em qualificação profissional e passou, inclusive, a demitir. Agora, o país vive um novo fluxo migratório, caracterizado por profissionais com mais qualificação.