Setor calçadista de Nova Serrana agrega valor aos produtos e resiste à invasão chinesa

Nova Serrana – Natural de Caririaçu, na costa do Ceará, João Bezerra de Souza, de 47 anos, ouviu de um amigo da terra natal, há sete anos, que a economia de uma cidade do Centro-Oeste de Minas estava “bombando”. “Decidi vir para cá e não me arrependi.” O município que o acolheu é Nova Serrana, cuja população dobrou na última década, atingindo pouco mais de 80 mil pessoas. Lá, a indústria calçadista, carro-chefe do mercado de trabalho, atraiu uma multidão de brasileiros nos últimos anos e, apesar da desigual concorrência com os produtos chineses, o setor deve crescer 5% neste ano. O percentual pode até parecer pequeno, mas é mais que o dobro do que o mercado espera de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, que está em 1,9% conforme o último balanço do boletim Focus, divulgado pelo Banco Central (BC).

O crescimento da produção de calçados da cidade, de acordo com o Sindinova, sindicato das empresas do setor, reflete a decisão de muitos fabricantes de não ficar apenas lamentando a invasão de calçados asiáticos no país, favorecidos pela carga tributária menor e os incentivos do governo chinês. O presidente da entidade, Ramon Amaral, por exemplo, reduziu a produção de chinelos e aumentou a de tênis, agregando maior valor ao produto. “Tive de aumentar o quadro de empregados em 40 pessoas.” Na última semana, ele e outros 249 fabricantes apresentaram ao mercado seus novos produtos, durante a 11ª edição da Feira de Calçados, que movimentou cerca de R$ 38 milhões. O evento atraiu compradores de todas as regiões do estado e do Nordeste, mercado que ajuda a fomentar as fábricas da cidade.

A opção de trabalhar com a linha de calçados de moda rápida, com menor tempo de prateleira e mais tecnologia envolvida no design, contribui para o resultado. O desempenho global da indústria mineira de calçados, no entanto, ainda mostra as dificuldades do setor, principalmente com a concorrência estrangeira, observa Jânio Gomes Lemos, presidente do Sindicato da Indústria de Calçados de Minas (Sindicalçados). O faturamento do segmento, medido pela Fiemg junto às indústrias de couro, indicou ligeiro crescimento, de 0,43%, de janeiro a maio.

APOSTAS

As empresas apostam agora na reação das vendas no segundo semestre. “Acredito numa grande melhora depois do ingresso do 13º salário, junto com as vendas da coleção de verão, que são sempre importantes no fim do ano”, afirma Jânio Gomes. Em Nova Serrana, o empresário Ronaldo Lacerda, sócio da Lindi, fabricante de tênis femininos, comemorou os negócios fechados na feira. Neste ano, pela primeira vez, sua empresa fabricará mais de 1 milhão de pares. A empresa emprega 500 pessoas e aplica 8% do faturamento bruto em marketing. Parte desse percentual paga o contrato com o ator e apresentador Rodrigo Faro, um dos mais requisitados pelos profissionais de marketing.

Os bons ventos a favor dos calçados de Nova Serrana se refletiram no avanço de outros setores na cidade, como o da construção civil. Perto da Arena do Calçado, o principal estádio esportivo do município, operários trabalham na construção de dois condomínios fechados. Num deles trabalha o cearense João Bezerra: “Cheguei aqui para trabalhar como pintor de calçados. Agora, estou na construção civil”. O amigo José Maria Soares é o mestre de obras de empreendimentos em que o cearense trabalha. Boa prosa, Zé Maria acredita que cada um dos 270 lotes do condomínio fechado vá custar cerca de R$ 200 mil.
“Nossa economia vai bem. Tanto que muitos trabalhadores vieram de fora. Para ter ideia, dos 50 funcionários desse canteiro de obras, metade não nasceu em Nova Serrana”, comenta o mestre. Na empresa de Ramon Amaral, o presidente do Sindinova, 20% dos colaboradores também não são de Nova Serrana: “Fiz uma pesquisa e constatei que 18 dos 90 funcionários nem votam na cidade”. (Colaborou Marta Vieira)