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Estado de Minas

Chefs ensinam os filhos a se relacionar com os alimentos e a cozinha

Cozinheiros que são pais encaram a responsabilidade de mostrar o universo da gastronomia para os filhos, como parte de uma educação mais ampla


08/08/2021 04:00 - atualizado 09/08/2021 10:16

O chef Renato Quintino influenciou os filhos, João e Alice, a também gostar de cozinhar(foto: Jane Linhares/Divulgação)
O chef Renato Quintino influenciou os filhos, João e Alice, a também gostar de cozinhar (foto: Jane Linhares/Divulgação)
Cozinhar com os filhos, para os filhos ou pensando nos filhos. A paternidade, de alguma maneira, transforma a relação de chefs com a gastronomia e mostra que a profissão extrapola o horário de serviço. Ser pai, para quem trabalha na cozinha, pode ser a chance de, mais que ensinar receitas, influenciar a nova geração na forma de se relacionar com os alimentos e a alimentação.

Há tempos, o chef Thiago Medrado pensava sobre o que é deixar um legado, construir algo para as próximas gerações e a ideia de ser pai fazia parte de todas estas reflexões. Aos 30 anos, ele recebeu a notícia de que um filho estava a caminho e sentiu a urgência de levar adiante o projeto do restaurante Noca. “Este momento foi literalmente um divisor de águas na minha vida. A notícia da paternidade me fez querer tirar logo as ideias do papel”, conta.
 
A chegada do filho influenciou completamente o projeto do Noca. Tudo foi pensado para Caetano estar o tempo todo perto dos pais (Bárbara, a mulher de Thiago, é a responsável pelo salão do restaurante). A começar pelo horário de funcionamento.
 
O chef lançou um horário estendido de almoço, das 11h às 18h, e optou por não abrir de noite. Assim, pode se dedicar integralmente à cozinha durante o funcionamento do restaurante e também tem tempo para ficar com o filho em dois momentos do dia (início da manhã e noite). “Por mais que o Noca seja a nossa empresa, um outro filho, a prioridade é a minha família. Não é o meu trabalho que dita o que faço, eu que dito como funciona o meu trabalho”, argumenta.
 
A paternidade também direcionou o conceito da cozinha de Thiago, que é voltada para os vegetais agroecológicos. “Quando faço um prato só com produtos de agricultura familiar, sei que estou pensando em um sistema sustentável que vai garantir alimentação saudável para o Caetano e os seus filhos. É algo que, de alguma maneira, vai refletir no futuro dele”, aponta.
 
A notícia de que Caetano estava a caminho impulsionou Thiago Medrado a tirar o projeto do restaurante Noca do papel(foto: Taioba Brava/Divulgação)
A notícia de que Caetano estava a caminho impulsionou Thiago Medrado a tirar o projeto do restaurante Noca do papel (foto: Taioba Brava/Divulgação)
 
Thiago enxerga o Noca como um espaço para toda a família. Tanto que defende que a comida tem que ser de fácil assimilação para as crianças. “Não acredito nesta ideia de cardápio para criança. Você elabora pratos para os adultos e, na hora de cozinhar para as crianças, faz arroz, feijão, bife e batata frita? É o que você quer que o seu filho coma? Não é o que eu quero que o meu coma.”
 
Hoje com sete meses, Caetano está na fase de introdução alimentar. Muitas vezes, basta selecionar alguns ingredientes do mise en place do restaurante, aquecer e servir para ele. “Como trabalho com uma cozinha fundamentalmente vegetal e de agricultura familiar, sei que os ingredientes têm todo um valor nutricional e são livres de toxinas. Então, vão ser saborosos e saudáveis.”
 

Alimentação diversa

O pai quer que o filho conheça o máximo de ingredientes possível, experimente e desenvolva o paladar. “Se a natureza tem a diversidade que precisamos, vamos mostrar para ele.” Em um mês de introdução alimentar, Caetano já experimentou várias frutas, verduras e legumes. Thiago não quer que ele fique restrito a banana amassada, alface e tomate.
 
A moqueca baiana não pode faltar nos encontros em família de Renato Quintino(foto: Jane Linhares/Divulgação)
A moqueca baiana não pode faltar nos encontros em família de Renato Quintino (foto: Jane Linhares/Divulgação)
 
Na opinião do chef, cozinhar é um conhecimento que deveria ser compartilhado com todos. Por isso, quer ensinar Caetano a cozinhar desde pequeno, de forma leve e divertida. Oportunidade que ele não teve, pois cresceu com a ideia de que cozinha é lugar da mulher, o homem senta na frente da televisão e espera ser servido. Quando saiu da casa dos pais, descobriu que a realidade poderia (e deveria) ser diferente.
 
“Tive que me virar na cozinha e isso me formou como indivíduo. Aprendi a lidar com o outro, com o diferente, a saber o que estou comendo, entender os processos. Acho que isso te dá uma visão de mundo que só abrir um pacote de bolacha e comer não vai te dar”, defende.
 
Os dois “filhos” de Thiago têm cincos meses de diferença de idade (o Noca completa um ano este mês). Fazendo um paralelo entre os dois, o chef conclui que ser pai de Caetano é mais fácil do que ser “pai” do restaurante. “Querendo ou não, como já fomos criança, sabemos um poucos das demandas de um bebê, mas um restaurante tem níveis de complexidade que só passar a madrugada ninando não resolve. Era chef de cozinha, agora estou aprendendo a ser empresário.”
 
Neste domingo, o chef do Noca sugere como sobremesa canjica com mel e laranja, uma das preferidas do seu pai(foto: Taioba Brava/Divulgação)
Neste domingo, o chef do Noca sugere como sobremesa canjica com mel e laranja, uma das preferidas do seu pai (foto: Taioba Brava/Divulgação)

O primeiro Dia dos Pais de Thiago é de trabalho, e muito. Como Caetano ainda não come de tudo, o chef escolheu como a receita deste domingo uma das sobremesas favoritas do seu pai, Paulo Nunes, que “não sabe fritar nem um ovo”, brinca. É uma canjica saborizada com mel e laranja.
 

Prazer em cozinhar

Renato Quintino criou os filhos bem próximos da cozinha. Mesmo antes de trocar as artes plásticas pela gastronomia, a comida esteve, literalmente, no centro da mesa da família. “A invenção mais civilizada da humanidade é o compartilhar a mesa. Isso envolve diálogo, conhecimento de ingredientes, agricultura. Sentar para comer junto agrega”, analisa o chef, pai de Alice, de 27 anos, e João, de 25, que gosta de reunir a família ao redor da mesa sempre que possível.
 
Desde pequenos, os filhos acompanhavam Renato nas idas ao mercado. O pai aproveitava para apresentar ingredientes, e eles amavam. Em casa, como sempre estava inventando e testando receitas para as aulas, o cardápio era bem variado. “Sempre tive o hábito de ensinar a comer de tudo, ou pelo menos experimentar. A minha filha tinha três anos quando convidou a avó para comer um risoto. O prato fazia parte do dia a dia dela”, relembra.
 
Quando decidiu trabalhar só com produtos de agricultura familiar, Thiago Medrado pensou em garantir uma alimentação saudável para o filho e as próximas gerações(foto: Taioba Brava/Divulgação)
Quando decidiu trabalhar só com produtos de agricultura familiar, Thiago Medrado pensou em garantir uma alimentação saudável para o filho e as próximas gerações (foto: Taioba Brava/Divulgação)
 
Ao longo do tempo, Renato foi ensinando os filhos a escolher os ingredientes, técnicas, a importância de fazer o mise en place e manter a cozinha organizada e a diferença que faz no sabor do prato ter a pimenta moída, a erva picada e o queijo ralado na hora. Cozinhar dá trabalho, sim, mas pode ser muito prazeroso. “Quando você entra na cozinha, não existe facilzinho ou rapidinho. Vai ficar no mínimo 1h30 para sair um prato bem feito. Cozinhar é sempre começar do zero.”
 
Alice e João cresceram e, assim como o pai, gostam muito de cozinhar. João é jornalista e, de vez em quando, trabalha com o pai em eventos. “Ele cozinha superbem e acho que seria um excelente chef, mas o caminho dele é outro”, diz Renato, contando que um dos pratos mais elogiados do filho é o espaguete à carbonara. Alice, que é arquiteta e mora em Amsterdã, cozinha menos, mas também gosta. Vive ligando para pedir sugestão de cardápio.
 
O chef apresentou o mundo da gastronomia aos filhos e hoje eles mostram muitas novidades para o pai. Um dos programas favoritos da família ir a restaurantes. João frequentemente descobre um lugar que ele não conhece em BH, apresenta um prato novo e o seu universo se amplia. Já Alice é a guia gastronômica do pai na Holanda. “A troca é muito legal. Sou antenado, estou sempre em busca de experiências novas, adoro experimentar o que não conheço e essa é uma característica da família toda.”
 
Para agradar os filhos, o chef pai de Alice e João costuma preparar receitas com bacalhau(foto: Jane Linhares/Divulgação)
Para agradar os filhos, o chef pai de Alice e João costuma preparar receitas com bacalhau (foto: Jane Linhares/Divulgação)
 
A casa está cheia neste domingo. Alice veio passar férias no Brasil e aproveitou para celebrar o Dia dos Pais em família. Um prato que não pode faltar nos encontros é a moqueca baiana. A receita de Renato, com peixe e camarão, tem como acompanhamentos purê de banana-da-terra e gengibre e farofa de dendê. “Não tem muito o que inventar, moqueca é moqueca, mas tem meu toque e eles gostam do jeito que eu faço”, comenta. Para agradar os filhos, Renato também costuma preparar bacalhau. 
 

Moqueca de camarão, purê de banana-da-terra e gengibre e farofa de dendê (Renato Quintino)

Ingredientes
1kg de camarão; sal e pimenta-do-reino branca moída na hora; 3 cebolas em rodelas; 3 tomates maduros em rodelas; 6 dentes de alho picados; 2 colheres de sopa de coentro picado; 2 colheres de sopa de cebolinha picada; 1 colher de sopa de hortelã picada; 1 colher de sopa de salsinha picada; suco de 2 limões; 2 garrafas de leite de coco; 1/3 de xícara de azeite de dendê; sal e pimenta-do-reino moída na hora; pimenta a gosto para acompanhar; 4 bananas-da-terra; 2 colheres de sopa de gengibre picado; 1 xícara de água de coco batida com a polpa do coco ou de leite de coco; sal e pimenta-do-reino moída na hora; 4 colheres de sopa de azeite; 1/2 xícara de cebola roxa picada; 1 xícara de farinha de pão; 4 colheres de sopa de dendê; sal e pimenta-do-reino moída na hora

Modo de fazer
Em uma panela, coloque a bananas sem a casca e cubra com água. Tampe a panela e cozinhe até a banana estar macia (de 1h a 1h30). Retire do fogo, escorra a água, amasse as bananas e misture com a água de coco batida com a polpa do coco. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Para a farofa de dendê, aqueça o azeite e doure a cebola numa frigideira. Coloque e farinha de pão e misture para dourar. Finalize com o dendê, misture, tempere com sal e pimenta e reserve. Para a moqueca, em uma panela, aqueça o azeite e doure bem a cebola e o alho por cerca de 8 minutos. Acrescente o tomate e doure por cerca de mais 5 minutos. Coloque o suco de limão, as ervas picadas e o leite de coco e misture, cozinhando por mais 2 minutos. Retire do fogo, deixe esfriar um pouco e bata tudo no liquidificador para obter um molho homogêneo. Coloque este molho de volta na panela, tempere com sal e pimenta-do-reino e aqueça. Tempere os camarões com sal e pimenta-do-reino dos dois lados e coloque-os na panela. Cozinhe por 5 minutos. Retire do fogo e sirva a moqueca com o purê de banana-da-terra e gengibre, a farofa de dendê e a pimenta ou o molho de pimenta a gosto. 
 
 

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