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Estado de Minas

Folhas por muito tempo chamadas de 'mato' ganham protagonismo em restaurantes

Cada vez mais presente em pratos de restaurante, plantas alimentícias não convencionais (PANC) são uma oportunidade de descobrir novos sabores a partir da criatividade dos chefs


postado em 18/08/2019 12:55 / atualizado em 21/08/2019 13:05

Risoto de queijo canastra com ora-pro-nóbis(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Risoto de queijo canastra com ora-pro-nóbis (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
O que ora-pro-nóbis, taioba e almeirão têm em comum? As três folhas são velhas conhecidas dos mineiros, já que estão presentes no quintal de muitas casas, mas também são consideradas plantas alimentícias não convencionais (panc). Nessa classificação está incluído tudo o que não se encontra com facilidade nos supermercados, de raiz a frutos, sementes, folhas e flores. Na busca por novos sabores, chefs estão dispostos a usá-las cada vez mais em suas receitas.

A decisão de não comer carne deixou Lucas Mourão preocupado: se virei vegetariano, o que vou comer agora?. Para quem, na infância, gostava de descobrir plantas, o melhor caminho seria levá-las para a mesa. Assim ele teve a ideia de criar a  Jaca Verde, que tem a missão de semear o conhecimento sobre as panc. “As panc são muito interessantes como um todo para a sociedade urbana, porque elas são uma forma de conhecer melhor o seu alimento, fugindo de transgênicos e agrotóxicos. Consumi-las também é uma maneira de nos conectarmos com os produtores locais”, analisa.
 
Por aqui, o ora-pro-nóbis está longe de ser uma planta estranha. Ainda mais nos últimos anos, quando deixou de ser apenas acompanhamento do frango ensopado da vovó para ganhar fama nos mais sofisticados restaurantes. Caio Soter, do Alma Chef, no Bairro de Lourdes, não esconde a sua paixão pela mais mineira das panc. No braço esquerdo, inclusive, ele exibe uma tatuagem com folhas da trepadeira. “Sempre encaixo o ora-pro-nóbis nos meus menus”, acrescenta.
 
Decidido a fazer um risoto com identidade mineira, o chef escolheu o ora-pro-nóbis para se misturar ao arroz e ao queijo canastra. As folhas são colhidas na horta do restaurante, que há quatro meses abastece a cozinha. “Passei um tempo ouvindo amigos falando do ora-pro-nóbis do Trindade, que os cozinheiros colhiam embaixo do deque da casa. Quando o restaurante fechou, peguei duas mudas e as trouxe para o Alma Chef”, relembra Caio, que faz questão de contar que a sua panc tem história.
 
As folhas entram inteiras no momento de finalizar o risoto, que é o segundo prato mais vendido (só perde para o clássico da casa steak com aligot). Assim, Caio consegue manter o formato de que tanto gosta. “O ora-pro-nóbis dá aquela murchada, mas continua com o sabor e a consistência carnuda. Ele até solta um pouco de cor no risoto, que fica com um leve esverdeado”, descreve. A planta também costuma aparecer refogada em pratos do almoço executivo, mas só se for inteira ou rasgada na mão. O chef explica que, quando ela é cortada com faca, solta baba como se fosse quiabo.
 
Caio planeja levar para o cardápio do Alma Chef o prato que vai preparar no Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes, que começa nesta sexta-feira. É um arroz de quintal com porco, galinha e panc. “A ideia desse prato é unir sabores e saberes esquecidos de Minas. Quero resgatar essa cultura de subsistência, da qual se fundou a comida mineira, que é olhar para o quintal e enxergar comida.” As plantas serão usadas desde o pré-preparo até a finalização. Alfavaca para marinar as carnes, ora-pro-nóbis e taioba misturadas ao arroz e maria-gondó ou capuchinha cruas no fim, já que resistem menos ao calor.

PANC Para Sidney Castro, isso era mato. Criado em um sítio em Barbacena, o chef cresceu comendo tudo o que encontrava no quintal, de ora-pro-nóbis a taioba e almeirão. Antes restritas à cozinha de casa, as plantas passaram a ser um ingrediente como outro qualquer nos seus pratos. “Usava mais no dia a dia, mas hoje levo as panc para as minhas receitas porque elas são mais saudáveis e contêm menos agrotóxicos. Além disso, vêm de pequenos produtores”, justifica o chef, que comanda a cozinha do Ro.Za Bistrô, no Mercado da Boca, em Nova Lima.
 
Sidney utilizou três espécies na receita que criou para o Degusta: creme verde de cará-moela com taioba e crisp de ora-pro-nóbis. Cará-moela é um fruto que tem sabor parecido ao da batata-doce. “Comia cozido no café da manhã”, lembra. O chef pensa em incluir alguns pratos com panc no cardápio do Ro.Za, como salada de feijão andu, arroz de taioba com ossobuco e peixinho-da-horta empanado, folha que recebe esse nome porque, acreditem, tem um leve sabor de peixe.
 
Além de Minas 
 
Até mesmo restaurante italiano usa panc nas receitas. No comando do D'Agostim di Paratella, voltado para a cozinha da região do Piemonte, o chef Matheus Paratella está sempre em busca de folhas diferentes. “Não é que todos os pratos levam panc, mas o que conseguimos com os fornecedores acrescentamos no nosso cardápio”, pontua. Atualmente, ele serve uma burrata artesanal (feita por um italiano que mora em BH) com capuchinha. No fim, sente-se um leve amargor.
 
Do tempo em que trabalhou na Itália, o chef se lembra de cozinhar com alheto, um tipo de alho selvagem encontrado nos bosques do Piemonte. A nossa maria-gondó, conhecida lá como capiçoba, era muito usada em pizzas e saladas. “Fazia muito também nhoque de ortiga. Juntava as folhas com a batata para fazer a massa e ela ficava esverdeada”, detalha.
 
Hoje, Matheus fica limitado à produção dos seus fornecedores, que é sazonal, mas ele já encontrou uma solução para ter panc o ano inteiro. Vai montar uma horta no sítio da família, em Curvelo, para abastecer o restaurante com folhas, flores e brotos. “Isso enriquece muito os pratos. É uma forma de valorizar o sabor e a beleza dos ingredientes”, pontua. Com isso, ele espera levar de volta para o cardápio a salada da estação, que mistura várias panc com caramelo de limão e crocante de avelãs do Piemonte.
 
A Jaca Verde, de Lucas Mourão, nasceu para fazer comida vegetariana e vegana realçando o sabor das panc. “Toda vez que vou para a cozinha com as plantas da época penso em receitas interessantes e fáceis de fazer. Não sou chef de cozinha, sou um testador”, diz. Ele marinou, por exemplo, a bainha do funcho (parte pouco usada da planta) em suco de umbu (fruto da caatinga com sabor único, que pode substituir o limão em qualquer receita) para fazer uma salada com tomate, vinagre, sal e especiarias.
 
Em outro teste, Lucas chegou ao biscoito de jatobá, muito presente no cerrado brasileiro. “Existe preconceito em torno do jatobá por causa do odor, mas ele tem sabor ótimo quando se cozinha. É só ralar a polpa que ela vira uma farinha”, ensina. A receita ainda tem óleo de coco, nibs de cacau e fava de aridan (especiaria da África que, quando ralada, tem aroma e sabor de doce de leite).
 
Para acompanhar, suco buitá (palmeira usada no paisagismo) com garupá (arbusto conhecido como alfazema brasileira por ter sabor que parece um misto de hortelã com lavanda). Lucas também ensina em cursos a fazer kombucha, bebida fermentada à base de chá-verde ou preto, com panc. “Já usei de tudo, lírio-do-brejo, canelinha-do-mato e tomate-de-árvore. As panc entram na segunda fermentação, então você consegue sentir o sabor com mais nitidez.” 

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