O ator Jay Baruchel em cena de BlackBerry

O ator Jay Baruchel interpreta o protagonista Mike Lazaridis, o criador do BlackBerry, retratado como um nerd sem habilidades sociais

Diamond Films/Divulgação

"BlackBerry" trabalha com o clichê da ascensão e declínio de um personagem. No caso, é a empresa canadense Research In Motion, que hoje não vende um celular sequer, mas dominou o mercado americano da telefonia móvel com um aparelho tornado objeto de desejo.

Os telefones da firma se tornaram os queridinhos de executivos pelo mundo ao unir ligações telefônicas, email e acesso à internet, sem cobrança por pacote de dados, com um teclado tradicional, no layout Qwerty, e preciso.

Depois do lançamento do iPhone, em 2007, os celulares BlackBerry perderam todo o sex appeal, o que a obra homônima contorna com fórmulas da comédia pastelão e personagens caricatos na medida certa.

 
O resultado lembra uma mistura das séries "The office" e "Freaks and geeks" com o filme "A grande aposta" e arrancou risadas no Festival de Berlim, onde o filme foi apresentado ao público em fevereiro. O título está em cartaz no Brasil, no circuito de salas.

Nerd estereotipado 

Sinal da aposta no humor é a escolha de Jay Baruchel, do besteirol "É o fim", para o papel de protagonista, o criador do BlackBerry, Mike Lazaridis. É, ao menos no filme, de um nerd estereotipado: obcecado por detalhes, não sabe conversar, mas tem rompantes de genialidade, ofuscados pelos cabelos prateados em forma de cuia, que lembram uma peruca barata.

Com inteligência digna de nota em jornais americanos, Lazaridis deixou a faculdade para empreender, mas esbarrou na própria inépcia comunicacional e acabou com uma ideia disruptiva sufocada por práticas anticoncorrenciais de gigantes americanas e falta de financiamento.

Tudo muda com a chegada do executivo Jim Balsillie, vivido por Glenn Howerton, um executivo formado em Harvard, com porte de atleta, recém-demitido de um banco de investimentos que não quis investir na Research In Motion. Ele entra na empresa com uma oferta irrisória e o cargo de "co-CEO".

Empoderado de marra digna de "O lobo de Wall Street", Balsillie coloca ordem na startup, composta por um bando de jovens recém-saídos da faculdade de computação, interessados em outros fenômenos dos anos 1990 e 2000, como o jogo "Doom", e clássicos do cinema, como "Indiana Jones".

O resultado dessa parceria foi a venda de 500 mil BlackBerry à telecom americana AT&T, que catapulta a Research In Motion a uma avaliação multibilionária. Uma equipe de vendedores com cara de modelos da Armani ainda impulsionaram a popularidade do aparelho nos clubes mais finos do Canadá e dos Estados Unidos.

Quem capta os primeiros sinais de colapso da empresa é o cofundador da startup e adepto de bandanas esportivas no ambiente corporativo, Doug Fregin, encenado pelo diretor e também um dos roteiristas de "BlackBerry", Matthew Johnson.

Cabe a ele a afirmação de que os jovens funcionários se dispunham a trabalhar 80 horas por dia sem reconhecimento, por conta dos filmes e videogames, cortados aos poucos com o crescimento da empresa.

Mais nerd por convicção e menos CDF do que o colega de universidade Lazaridis, Fregin perde espaço durante a escalada pelo sucesso da empresa e é o primeiro a deixar o navio antes do naufrágio.

Esse não é o único problema que fez a BlackBerry derreter entre 2007 e 2013. Lazaridis abre mão, aos poucos, de seus ideais no correr da trajetória corporativa da BlackBerry, como sua busca obstinada por perfeição.

Além disso, a empresa precisou recorrer a trambiques com ações para atrair talentos ao Canadá, o que, em paralelo no filme, alimenta uma investigação da comissão de valores mobiliários canadense.

A obra embalada por hinos do rock abraçados pela comunidade nerd funciona como um retrato bem-humorado e ácido do universo corporativo das startups da época.

O ambiente masculino tomado por insegurança, os altos salários que mudam comportamentos e até o executivo mais velho que orienta os negócios, figura conhecida no Vale do Silício como "adulto na sala", estão todos ali.

Esses elementos formam um inesperado filme cativante, com um orçamento limitado de US$ 5 milhões (cerca de R$ 25 milhões). "Air", a trama de Ben Affleck sobre o sucesso comercial dos tênis Air Jordan, por exemplo, saiu por US$ 90 milhões (cerca de R$ 450 milhões) e entrega menos complexidade.

Sem dinheiro para atores caros e saídas mirabolantes, o filme aposta na agilidade das câmeras e dos diálogos para levar uma das mais interessantes histórias recentes do Canadá ao mundo. 

“BLACKBERRY”
(Canadá, 2023, 119 min.) Direção: Matthew Johnson. Com Jay Baruche, Glenn Howerton, Cary Elwes. Classificação: 12 anos. Em cartaz no Cineart Ponteio (Sala 2, 18h30, 21h) e no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 16h e 20h10).