Ivanilton de Souza Lima (Michael Sullivan) se olha no espelho de mão

Ivanilton de Souza Lima virou Michael Sullivan quando gravadoras fabricavam astros "internacionais", cantando em inglês, para vender música no Brasil

Horizonte Mangolab/divulgação

'Ivanilton é o professor do Michael Sullivan de hoje'

Michael Sullivan, cantor, produtor e compositor


Michael Sullivan é uma fábrica brasileira de hits. Compôs “Me dê motivo” e “Leva”, sucessos na voz de Tim Maia; “Um dia de domingo”, baladona que Tim dividiu com Gal Costa; “Whisky a go-go”, quase hino do Roupa Nova. Fez “Amor perfeito” para Roberto Carlos, com direito à releitura de Claudia Leitte e Babado Novo; “Deslizes”, sofrência legítima na voz de Fagner; “Estranha loucura”, outra sofrência gravada por Alcione; e “Talismã”, sucesso de Leandro e Leonardo. Conquistou até os baixinhos, via Xuxa, com “Lua de cristal”.

Foram nada menos de 100 milhões de discos vendidos nos anos 1980 e 1990 trazendo canções de Sullivan, sobretudo em parceria com Paulo Massadas. A dupla se desfez em 1994, depois de compor cerca de 700 músicas e entrar para o “Guinness”, famoso livro dos recordes.

Aos 73 anos, a máquina de hits deixa a persona Michael Sullivan de lado para se assumir como o Ivanilton de Souza Lima da certidão de batismo no álbum autoral com 11 faixas, que chegou recentemente às plataformas. A produção ficou a cargo da cantora Alice Caymmi, destaque da nova cena da música brasileira.

Mutirão de talentos

O disco “Ivanilton” é um encontro de gerações – tem como convidados Fagner, Ana Carolina, Filipe Catto, Almério, Julio Secchin, Juliano Holanda, Celso Fonseca e Roberta Campos, além da própria neta de Dorival Caymmi.

“Ivanilton é o professor do Michael Sullivan de hoje”, diz o compositor. “O Ivanilton coloca meu passado para dormir todas as noites. Ele é que é a vanguarda, futucando minha cabeça o tempo todo para as coisas novas”, ressalta.

Ivanilton é 20 anos mais velho do que Michael Sullivan, pseudônimo inventado no início da década de 1970, quando o mercado era dominado por canções em inglês. As gravadoras não queriam apostar em artistas brasileiros cantando na língua pátria.

Na época, foram lançados discos de Mark Davis (Fábio Júnior), Don Elliot (Ralf, da dupla com irmão Chrystian), Richard Young (Ricardo Feghalli, do Roupa Nova), Tony Stevens (Jessé) e o inesquecível Morris Albert, que atende por Maurício Alberto Kaisermann. Ele fez imenso sucesso com “Feelings”, balada gravada por ninguém menos que Nina Simone, Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.

Quando era cantor das bandas Renato e Seus Blue Caps e The Fevers, Ivanilton compôs, em 1976, a balada em inglês “My life”, tema da novela “O casarão”. A Top Tape só permitiu que ele a gravasse sob pseudônimo “importado”. Foi assim que nasceu Michael (por causa de Michael Jackson) Sullivan (sobrenome escolhido na página do catálogo telefônico de Nova York).

Alice Caymmi é a madrinha do álbum “Ivanilton”, conta o artista. “Componho o tempo todo, também para outras pessoas. Nos últimos 10 anos, lancei de vez em quando um single meu. Mas não havia pensado num álbum só com canções minhas. Conversando com a Alice, passei a fazer canções pensando em mim, mas como Ivanilton”, diz Michael Sullivan.

No auge da pandemia, ele passou a compor – por telefone – com Celso Fonseca. “Chegamos a fazer umas 10 músicas. Descobri o Juliano Holanda, do Recife, que é uma caneta absurda. Sou letrista também, mas confesso que sou mais melodista”, explica.
 
Surgiu a vontade de lançar algo autoral, “sobre o que penso hoje”, diz Ivanilton/Michael Sullivan. “Um disco com novos letristas, novas pessoas, como era o caso do Celso e do Juliano. Peguei cinco músicas de cada e botei no disco. Peguei também minha parceria com a cantora e compositora Marília Bessy, que fez um DVD lindo com o Ney Matogrosso e é um talento absurdo.” Sullivan e Alice compuseram “A ver navios”. “É uma canção meio soul”, comenta ele.

A produtora Alice Caymmi

A produtora Alice Caymmi criou narrativa para o álbum inspirada na vida de Ivanilton/Michael Sullivan

Instagram/reprodução
 

Alice Caymmi, a produtora

Quando convidou Alice para produzir “Ivanilton”, a jovem cantora até se assustou, revela o veterano hitmaker e experiente produtor. “Fiquei como coprodutor e acredito muito neste disco. Até brinquei com ela: 'Vou ficar como coprodutor para ganhar prêmio, mas fique à vontade para colocar o seu pensamento em prática. Então, Alice escolheu os músicos e um estúdio em São Paulo. Tenho até estúdio em minha casa, no Rio de Janeiro, mas ela preferiu lá. Fui a São Paulo várias vezes.”

Orgulhoso, garante: “O álbum ficou lindo”. Explica que “Ivanilton” traz uma novidade. “É um disco de cantautor, pois estou cantando. Mas também deixo as pessoas cantarem”, afirma, referindo-se a Alice, Filipe Catto, Almério, Fagner, Roberta Campos e o jovem carioca Julio Secchin.

Sullivan afirma que o projeto traduz a pluralidade de seu trabalho. “Primeiro, o disco se chama 'Ivanilton' porque é o meu nome de batismo. Na realidade, o Michael Sullivan faz homenagem ao Ivanilton. Isso porque foi Ivanilton quem tomou porrada e aprendeu tudo sozinho. Quem sabe tudo é o Ivanilton, porém o Michael Sullivan leva todos os troféus”, compara.

Alice Caymmi conta que, a princípio, sugeriu dirigir o show de Sullivan. “Depois ele veio com a ideia do disco. Me mandou 30 inéditas feitas com diversos parceiros. Aí, topei fazer o disco. Fui montando o repertório a partir das demos”, revela.

O álbum traz uma narrativa sobre Ivanilton/Michael Sullivan. “Encontrei uma canção sobre ele bastante autobiográfica”, diz Alice. “Por fazer músicas para outras pessoas cantarem, acham que ele não é autobiográfico. Mas ele é, sim. E bastante.”

O cantautor está no centro desta trama. “Escolhi canções que falam muito sobre ele, sobre a pessoa que ele é. Já o conhecia bem, sabia da natureza poética e doce dele”, comenta Alice. “Sugeri que o álbum se chamasse 'Ivanilton', porque é seu nome de batismo. Tem até a história de que Tim Maia o chamava assim quando estava chateado com ele, como se fosse afronta. 'Ivanilton' diz muito sobre este cara verdadeiro, aberto, amoroso, gentil, sensível e generoso.”

A cantora e produtora vê Michael Sullivan não apenas como frontman, uma pessoa do palco. “Ele teve poder e domínio no mercado de música por ser grande hitmaker durante certa época. É um nome de muito prestígio. Mas acho que todo mundo tem o direito de saber que por trás disso existe e sempre existiu o Ivanilton.”

Fagner elogia “o talento que orgulha o Nordeste, em especial Pernambuco”, dizendo que as parcerias de Sullivan e Massadas são cantadas por uma geração de brasileiros. E confessa: resistiu “um tempo” para gravar “Deslizes”, composição da dupla, mas ela se tornou um grande sucesso de sua carreira.
 
Michael Sullivan e Juliano Holanda

Sullivan e Juliano Holanda, o novo parceiro

Facebook/reprodução
 

Seca, fome e pobreza

Ivanilton batalhou – e sofreu – muito nesta vida. O menino pernambucano cortou cana, “nasceu aprisionado na seca, na fome e na pobreza”, como ele diz. Trocou o Nordeste pelo Rio de Janeiro, morou na rua. No Recife, ganhou concurso de calouros na Rádio Jornal do Comércio, em 1965.

 

“Na época, cantava Jovem Guarda e versões como a de “The house of the rising sun”, do The Animals. Tudo começou ali, na frente do Rio Capibaribe. Cantava em inglês, italiano e francês, mas tudo decorado”, relembra.


Já no Rio, Ivanilton foi vocalista das bandas Renato e seus Blue Caps e The Fevers, depois de muita ralação. O primeiro disco, já como Michael Sullivan, trouxe “My life”. Quando a compôs, queria entregá-la a outro intérprete, pois era vocalista de Renato e seus Blue Caps. Zezinho, dono da Top Tape, avisou que só ele a gravaria. Antonio Faya, o homem que escolhia músicas para as trilhas da Globo, mostrou a canção a Boni. O todo poderoso da emissora decretou: que arranjassem um nome inglês para Ivanilton, pois só com sua voz ela entraria na novela “O casarão”.

Resultado: Michael Sullivan acabou no “Globo de ouro” e no “Fantástico”. “Todos achavam que ele era um artista norte-americano”, comenta Ivanilton, que posteriormente se tornou também produtor de muito sucesso.

O compacto de “My life” vendeu 1,5 milhão de cópias. “Fiz a letra junto com Scarambone, baixista do Renato e seus Blue Caps. A música estourou na América Latina, Estados Unidos e Europa. Eu estava toda semana no programa do Sílvio Santos. Aí virou Michael Sullivan mesmo.”
 
Paulo Massadas e Michael Sullivan

Paulo Massadas e Michael Sullivan, a fábrica de sucessos do Brasil

Facebook/reprodução

'Casamento' com Massadas

A dupla Sullivan e Massadas surgiu em 1979 e durou até a década de 1990. “O fim da parceria foi algo natural, segundo Sullivan. “Quase não teve motivo, foi o desgaste natural de um casal que passou 15 anos no quarto fazendo amor o tempo inteiro”, declarou ele.

Sullivan, agora, planeja prensar cópias de “Ivanilton”. “Minha história é toda no CD e no vinil. Vou mandar fazer mil CDs e mil vinis para mandar para amigos e algumas pessoas queridas. Quero voltar ao Recife e gravar um DVD com toda a minha história até este disco novo”, diz.

Pensa que acabou? Pois no segundo semestre vai estrear documentário no Globoplay com a história do fenômeno Sullivan & Massadas, dirigido por Pedro Bial e André Barcinski. Será o reencontro dos velhos parceiros.
 
Michael Sullivan e Tim Maia

Michael Sullivan e Tim Maia: soul na veia

Facebook/reprodução
 

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Capa do álbum 'Ivanilton' traz Michael Sullivan se olhando no espelho

Capa do álbum "Ivanilton" traz Michael Sullivan se olhando no espelho

Sony/Reprodução

“IVANILTON”

• Álbum de Michael Sullivan
• 11 faixas
• Sony Music
• Disponível nas plataformas digitais
 
 
• Confira a releitura de Michael Sullivan para 'A lua e eu', clássico do soulman Cassiano: