Andreas Kisser durante show do Sepultura

O Sepultura de Andreas Kisser despontou para o mundo depois de estrear na Cogumelo

Mauro Pimentel/AFP

O título “capital do metal” permanece como insígnia para Belo Horizonte, mesmo passadas quase quatro décadas do surgimento das bandas Sepultura e Sarcófago, que colocaram a cidade no mapa mundial do rock pesado. Como uma cápsula do tempo, a loja e gravadora Cogumelo é uma espécie de guardiã desse legado. Ainda em plena atividade, ela compartilha um pouco desta história com o lançamento, neste sábado (3/6), na galeria do Mix Shopping, de seu catálogo de 40 anos.

A publicação de 200 páginas, viabilizada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura, repassa por meio de depoimentos, fotos, capas de discos, notícias de jornal e outros documentos o percurso do heavy metal em Minas Gerais e no Brasil.

O marco inicial da jornada foi o split álbum em vinil que trazia, de um lado, a banda Sepultura, com “Bestial devastation”, e do outro, o Overdose, com “Século XX”.

Impulso inicial

João Eduardo, que, ao lado da esposa Pat Pereira, sempre esteve à frente da Cogumelo, diz que a contribuição da gravadora para a construção da “capital do metal” foi dar o impulso inicial para as dezenas – quiçá centenas – de bandas que compunham a cena. Duas delas, Overdose e Mutilator, estarão presentes no lançamento do catálogo hoje, autografando e conversando com os fãs.

A loja Cogumelo foi inaugurada em 1980 e a gravadora começou a funcionar em 1985. O marco de quatro décadas que a publicação representa está situado nesse ínterim. João Eduardo lembra que naquela década havia muito preconceito contra o rock pesado, mas, ao mesmo tempo, o gênero ganhava cada vez mais espaço entre os jovens.

Quando a loja foi aberta, trabalhava com vários gêneros e diferentes vertentes do rock, mas também com MPB e até música clássica. “De 1984 para 1985, a gente se deu conta da demanda crescente pelo rock pesado. Tínhamos ido a São Paulo, onde já existiam lojas segmentadas. Isso nos estimulou a criar a gravadora. Entre 1985 e 1986, houve um boom mundial, o metal aflorou, se tornou um gênero popular e consumido em larga escala”, pontua.
 

"A principal banda com que a gente atua hoje, no segmento death e thrash metal, é o Drowned, e na linha black metal, o In Nomini Belialis, de Contagem. Tem o Sagrado Inferno, death metal, e também tem as bandas que a gente sempre gravou e devem entrar em estúdio em breve, como Witchhammer e Overdose"

João Eduardo, proprietário da Cogumelo

 

Foram os anos de glória, com a Cogumelo chancelando praticamente todas as novas bandas ligadas a esse estilo que surgiam, diz ele.

“O apogeu foi quando o Sepultura, depois de lançar o (álbum) 'Schizophrenia' (1987), assinou contrato com a Roadrunner. De repente, o Brasil tinha seu representante da música pesada contratado por uma gravadora multinacional, o que foi a porta de entrada para que ele estourasse no mundo inteiro”, recorda.

A lembrança mais marcante para João foi ter proporcionado o primeiro suporte para o Sepultura e para outros grupos. “Quando a gente viu que os discos de bandas estrangeiras vendiam muito, passamos a gravar direto, lançando praticamente uma banda local por mês entre 1986 e 1990. Tínhamos aqui músicos fazendo trabalhos originais, tínhamos o melhor estúdio, o JG, e tinha a Cogumelo para investir nisso”, destaca João Eduardo.

Integrantes da banda Mutilator olham para a câmera

Integrantes da banda Mutilator vão autografar o catálogo que será lançado neste sábado (3/6)

Acervo pessoal

Grunge e underground

No texto que assina no catálogo, João Eduardo também aborda o declínio daquela cena a partir dos anos 1990. Ele credita o ocaso da onda heavy metal ao surgimento do grunge, movimento que conquistou o mundo a partir de Seattle (EUA).

“Mas o rock pesado seguiu no underground, com muitas bandas, e mesmo no mainstream, com Metallica, Slayer e Sepultura, que chegou em 'Roots' (álbum lançado em 1996) como uma das maiores do mundo”, pontua.

Ele destaca que é assim, com trabalho direcionado, que a Cogumelo segue ativa, lançando novas bandas e investindo em grupos que vêm desde os anos 1980 integrando seu cast. O empresário revela que ainda hoje o que mais vende são álbuns das pioneiras Sepultura, Sarcófago e Vulcano (esta de Santos, SP), lançados naquela década.

“A principal banda com que a gente atua hoje, no segmento death e thrash metal, é o Drowned, e na linha black metal, o In Nomini Belialis, de Contagem. Tem o Sagrado Inferno, death metal, e também tem as bandas que a gente sempre gravou e devem entrar em estúdio em breve, como Witchhammer e Overdose, que têm relação umbilical com o selo. O bom é ver que elas estão aí até hoje, tocando e vendendo. É legal essa resiliência, essa resistência e essa persistência do heavy metal”, ressalta o produtor.
 
Integrantes da banda Overdose olham para a câmera

Banda Overdose fez parte do primeiro split álbum em vinil lançado pela Cogumelo

Ricardo Munayer David/divulgação
 

Com efeito, o grupo Overdose, criado em 1983, está às voltas com a gravação de EP para marcar seus 40 anos. O guitarrista Cláudio David observa que o contexto, hoje, é completamente outro e, portanto, trata-se de produção caseira, sem pressa para acontecer.

De acordo com ele, não se pode mais falar em cena atualmente, porque houve fragmentação. O músico também reclama da falta de apoio da mídia, de forma geral, e do poder público, que em outros tempos promovia shows e festivais gratuitos ao ar livre.

“Hoje, a gente sobrevive na garra. Com os anos 1980 não dá nem para comparar. O heavy metal, que era um gênero dentro do rock, foi se subdividindo em várias vertentes. Os fãs foram radicalizando, do tipo quem gosta de uma não gosta da outra. O que era muita gente virou um monte de grupinhos pequenos. Mas o heavy metal é coisa de paixão mesmo, então sobrevive ao tempo, por isso seguimos em frente”, diz o músico.

Dia histórico no Ginástico

Sobre a lembrança mais marcante daquela época, ele cita o show de lançamento do disco com o qual a Cogumelo debutou no mercado. Com abertura a cargo do Mutilator, Sepultura e Overdose lotaram o ginásio do clube Ginástico, no Bairro Cruzeiro.

“Foi um marco não só para Belo Horizonte e Minas Gerais, mas para o Brasil. Os ingressos eram baratos, então aparecia um monte de gente da periferia também. Você via aquela multidão de camisas pretas subindo a pé a Avenida Afonso Pena”, relembra.

A propósito, acompanhando o catálogo será lançado o DVD que traz registros daquele show, recuperados a partir de fitas VHS.

“COGUMELO 40 ANOS”

• Lançamento do catálogo da gravadora e selo Cogumelo
• Integrantes das bandas Overdose e Mutilator vão autografar a publicação, neste sábado (3/6), das 11h às 14h, na galeria do Mix Shopping (Avenida Augusto de Lima, 555, Centro)
• Preço: R$ 90, no site da Cogumelo