Sigmund Freud (Odilon Wagner) e C. S. Lewis (Claudio Fontana)

O psicanalista Sigmund Freud (Odilon Wagner) e o teólogo C. S. Lewis (Claudio Fontana) provam que o diálogo é a melhor opção para os dilemas da humanidade

João Caldas/divulgação

Definitivamente, Sigmund Freud (1856-1939) é um pop star. Foi a essa conclusão a que o ator Odilon Wagner chegou ao longo dos 14 meses em que interpreta o pai da psicanálise em “A última sessão de Freud”. A peça do norte-americano Mark St. Germain, dirigida por Elias Andreato, faz pequena temporada de hoje (26/5) a domingo (28/5), no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

“Freud não é mais um personagem, e sim entidade, orixá. As pessoas têm verdadeira adoração a ele”, brinca Wagner. O ator já conhecia a vida do psicanalista e sabia sobre sua importância na história contemporânea. No entanto, não tinha a dimensão do que ele representa hoje.

“Nesse período em que estamos em cartaz, já vi gente chegando com o rosto de Freud tatuado no braço, no peito… É um negócio impressionante”, admira-se o ator.

Em “A última sessão de Freud”, Odilon Wagner interpreta o psicanalista em um encontro fictício com o poeta, crítico literário e teólogo irlandês C. S. Lewis (1898-1963), papel de Claudio Fontana. Baseado no livro “Deus em questão”, de Armand M. Nicholi Jr., o episódio se dá no consultório que Freud montou em Londres, um ano antes de morrer, vítima de câncer na boca, consequência do alto consumo de charutos. Freud fumava 20 deles por dia.

O que norteia a conversa é a existência – ou não – de Deus. “Deus existe mesmo? Há vida após a morte? Qual o propósito da vida? São questionamentos que todo mundo já fez e, justamente por isso, fazem com que o espectador se identifique com a peça”, resume o ator.
 

Nesse período em que estamos em cartaz, já vi gente chegando com o rosto de Freud tatuado no braço, no peito... É um negócio impressionante

Odilon Wagner, ator

 

Neurose coletiva

Nascido em família judia, Freud não era adepto da religião. Pelo contrário, nutria por elas certo desdém, principalmente as monoteístas, com destaque para o catolicismo. Acreditava que a visão que têm de Deus não passa de “neurose coletiva”, ou seja, as pessoas criam ali a substituição do pai no intuito de encontrar amparo para questões pessoais dolorosas.

A crença institucionalizada em um Deus que seja pai, de acordo com o psicanalista, mantém as pessoas no estado de imaturidade, necessitando sempre dos cuidados de um adulto.

Lewis, por sua vez, era cristão convertido. Não católico, mas anglicano. Talvez o mais curioso dessa história é que o responsável por essa conversão foi ninguém menos que J. R. R. Tolkien, autor da série de livros “O senhor dos anéis”.

Lewis, autor de “As crônicas de Nárnia”, acreditava que Deus nutria amor inesgotável pela humanidade. Uma espécie de fogo consumidor, comparável ao amor do artista pela própria obra.

É essa conversão de Lewis que o Freud da peça pretende compreender. Como alguém que por anos a fio foi ateu convicto “pode abandonar a verdade por uma mentira insidiosa?”, questiona o pai da psicanálise.

“Para entender os motivos de Freud ser tão contrário às religiões, é preciso entendermos o contexto dele, porque há problemas históricos. Não é só uma questão filosófica”, destaca Odilon Wagner.

Freud teve traumas relacionados à religião. Como judeu, enfrentou o antissemitismo na Europa e a perseguição encabeçada pelos nazistas na década de 1930, ignorada pelo então chefe da Igreja Católica, Pio XII, acusado de ser simpatizante dos alemães.

No ambiente profissional, também encontrou dificuldades por ser judeu. Quando deu aulas na Universidade de Viena, não conseguiu avançar na carreira, enquanto profissionais menos capacitados, não judeus, foram promovidos.
 
Grupos nazistas austríacos queimavam suas obras e cobravam suborno para não denunciá-lo. O estopim para deixar Viena rumo a Londres foi quando a Gestapo prendeu sua filha, Anna.

Diante de tantos infortúnios, é difícil acreditar na existência de um ser onisciente, onipresente e onipotente que tenha amor inesgotável pela humanidade. Esse é um dos argumentos de Freud em seu embate com Lewis. Não o principal, contudo.

Grande conhecedor da Bíblia, do Alcorão e da Torá, o psicanalista embasa seus argumentos nas escrituras sagradas das diferentes religiões para tentar provar não só a inexistência de Deus, mas o quanto a crença nele pode ser prejudicial ao desenvolvimento da humanidade.

Lewis, contudo, responde à altura, colocando em debate questões filosóficas e teológicas bem-embasadas, que são levadas em consideração por Freud.

Sem vencedores ou conversão

O debate da peça não tem vencedor. O texto não pretende converter alguém ao ateísmo ou ao cristianismo. A preocupação maior é mostrar que é possível ter opiniões diferentes e debatê-las sabendo respeitar e ouvir o outro.

Há momentos em que Freud e Lewis se exaltam ao defenderem com firmeza algum argumento. No entanto, jamais são desrespeitosos. O debate fica no campo das ideias.

“É um texto muito bem escrito, porque é baseado em priorizarmos o diálogo. Eles ouvem as argumentações contrárias e contra-argumentam com firmeza, sempre bem embasados. Não é aquele negócio de ‘eu não gosto de você, etc. e tal’. É um exercício do diálogo”, diz Odilon Wagner.

O ator revela que outra preocupação que teve ao dar vida a Freud foi interpretar o psicanalista sem estereótipos. Para isso, mais do que ler a obra do psicanalista, mergulhou em biografias e livros sobre ele.

A construção do personagem contou com a assessoria de psicanalistas, que acompanhavam os ensaios e davam dicas sobre as intenções e o tom que Wagner deveria adotar.

Por se passar no consultório que Freud montou em Londres, o cenário se inspira no verdadeiro ambiente que o psicanalista criou para atender seus pacientes. Totalmente em madeira, traz a reprodução dos livros com encadernações antigas e coloridas que ele mantinha nas estantes e dos objetos de arte que colecionava. Entre eles, representações de diferentes deuses.

Tem até lareira acesa, que Freud fazia questão de manter por causa do frio europeu.

A ÚLTIMA SESSÃO DE FREUD

Peça de Mark St. Germain, dirigida por Elias Andreato. Com Odilon Wagner e Claudio Fontana. Nesta sexta-feira (26/5) e sábado (27/5), às 20h; domingo (28/5), às 19h30. Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos: R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia-entrada), na bilheteria da casa ou pelo site eventim.com.br. Informações: (31) 3516-1360.