Halle Bailey como Ariel, a protagonista do filme A pequena sereia

A cantora Halle Bailey, alvo de racismo, protagoniza o longa "A Pequena Sereia"

Dsney/divulgação


Quando compôs os acordes que causariam uma revolução não só na então decadente Disney Animation, mas no gênero de animação como um todo, Alan Menken não imaginava que o romance rodeado de bichinhos falantes de “A Pequena Sereia” seria fisgado, três décadas mais tarde, por uma rede de discussões acaloradas.

Com nova versão para o clássico desenho emergindo, “A Pequena Sereia” se tornou alvo de debate porque tem agora um rosto negro à frente. Cantora de R&B ao lado da irmã, Halle Bailey foi escolhida para vestir a cauda de peixe e soltar a voz no remake com atores de carne e osso que estreia nesta quinta-feira (25/5) nos cinemas, depois de enfrentar uma onda de ataques racistas.

Mal sabem os detratores, no entanto, que o filme inteiro está diferente. A começar pelos animais falantes que, por motivos óbvios, deixaram a fofura e as cores vibrantes de 1989 para assumir aparência realista.
 
Linguado, o peixinho melhor amigo da protagonista Ariel, e Sebastião, o caranguejo cantor, poderiam muito bem ter saído de uma peixaria qualquer, o que também mergulhou as redes sociais em inquietação.
 
 

Ganso com a voz de Awkwafina

Já Sabidão, a gaivota, mudou de gênero e espécie. Com voz da rapper e atriz Awkwafina e como ganso-patola, ela consegue mergulhar para conversar com os outros personagens da trama.

“Isso não deveria ser uma discussão. A Ariel é uma sereia! Você realmente acha que existe uma etnia correta para isso? As pessoas que criticam estão mentindo para si mesmas”, diz Menken sobre a grande mudança do remake, frisando que este ainda é o filme que muita gente ama.
 

Um desses fãs é Lin-Manuel Miranda, que se juntou ao compositor para criar as letras de três novas canções e adaptar algumas outras. Howard Ashman, letrista original que com Menken fez ainda as músicas de “A Bela e a Fera” e “Aladdin”, morreu durante a epidemia de Aids nos anos 1990.

Também produtor, Miranda já sonorizou “Moana” e “Encanto” para a Disney e ganhou os holofotes com o fenômeno da Broadway “Hamilton”. Nele, o compositor e letrista pegou figuras originalmente brancas – no caso, pertencentes à história da fundação dos EUA – e as fez negras, latinas e asiáticas.

Sem esconder o encantamento, o compositor e letrista rememora como uma criança o dia em que assistiu a “A Pequena Sereia” pela primeira vez, aos 9 anos, como estragou sua fita em VHS de tanto usá-la e como o filme despertou sua vontade de trabalhar com entretenimento.

A parceria com Menken pode ser vista como passagem de bastão de alguém que encheu o rol de clássicos da Disney com “Pocahontas”, “O Corcunda de Notre Dame” e “Enrolados” para o já experiente aprendiz. De estilo bastante diferente, vale dizer.

Isso se reflete, em especial, num dos novos números musicais, em que Sebastião e Sabidão fazem rap, gênero que permeia a obra de Miranda. As outras novidades são uma canção para o príncipe Eric (Jonah Hauer-King), como um “Parte do seu mundo” masculino, e uma que Ariel canta em sua cabeça, logo depois de dar sua voz para a bruxa do mar Úrsula (Melissa McCarthy).

As letras de “Pobres corações infelizes” e “Beije a moça” também foram modificadas. Elas abandonaram os versos sobre conquistar um homem com o corpo e ficar calada para ser atraente, no caso da primeira, e sobre Eric beijar Ariel sem perguntar se ela queria, na segunda.

Calipso, cúmbia e Brasil

Gêneros caribenhos, como o calipso e a cúmbia, respingam em toda a trilha sonora, na trama mais fincada naquela região do globo e mais calcada em livros de história. O Brasil chega a ser mencionado, quando o príncipe fala dos países pelos quais passou de navio.
 
Sua curiosidade pelas grandes navegações e os cantos inexplorados do mundo ajudam a dar aderência ao romance que, nos tempos de empoderamento de hoje, por vezes é lido como superficial ou antifeminista, por ter a heroína que abre mão de tudo pelo amor do homem que acaba de conhecer.
 
Atores Jonah Hauer-King e Halle Bailey contracenam à luz de velas no filme A pequena sereia

Eric (Jonah Hauer-King) e Ariel (Halle Bailey): namoro do casal está menos machista no novo filme da Sereia

Disney/divulgação
 

Rebelde e sonhadora

 “Parte do seu mundo”, no entanto, deixava claro já nos anos 1980 que Ariel queria não especificamente Eric, mas expandir suas fronteiras e se rebelar contra a autoridade do pai, o rei Tritão, vivido por Javier Bardem.

Alan Menken reforça que a canção não é sobre empoderamento feminino, mas sobre os sonhos que qualquer indivíduo pode ter. Mas ele concorda que, no mundo contemporâneo, a música pode ser totalmente ressignificada.

“A Pequena Sereia” é só mais um na longa lista de remakes nos quais a Disney vem trabalhando, muitas vezes alterando detalhes para aumentar a diversidade e deixar as histórias em sintonia com o novo público.

“Não sei se esses filmes precisam de novas versões. Muito do ímpeto por trás dos remakes é comercial, e a Disney não liga de ganhar dinheiro”, diz Alan Menken.

Em breve,o compositor terá “Hércules” e “O Corcunda de Notre-Dame” regravados. “Não vou fazer lobby para transformar animações em live-actions, mas se eles vão fazer de qualquer jeito, prefiro estar envolvido.” 

“A PEQUENA SEREIA”

• EUA, 2023. Direção de Rob Marshall. Com Halle Bailey, Melissa McCarthy, Awkwafina, Javier Bardem e Jonah Hauer-King.
• Estreia nesta quinta-feira (25/5) nas salas das redes Cineart, Cinemark e Cinépolis.