A instalação 'Ciúme', que tem monitores com imagens borradas atrás de mesa com cadeiras vazias

A instalação 'Ciúme' é parte da 'Enciclopédia da ignorância', cujos 'verbetes' 'humilhação' e 'preguiça' também integram a exposição no Memorial Vale

Leandro Aragão/divulgação


No primeiro andar do Memorial Minas Gerais Vale, uma réplica dos postes de luz da Praça da Liberdade projeta pelo espaço do museu silhuetas de nuvens e mosquitos. Ao lado, monitores de TV mantêm capturada a atenção de cachorros das mais diferentes raças, mostrando a capacidade que as telas têm de prender todos os seres.
 
As duas obras no andar térreo do museu convidam o público para a mostra “Retro/Ativa”, de Eder Santos, que será inaugurada neste sábado (6/5) e seguirá em cartaz até 23 de julho, no terceiro andar do Memorial Vale. 

A exposição é uma retrospectiva de momentos importantes do artista mineiro, reconhecido como pioneiro na videoarte. Com obras que integram os acervos permanentes do MoMA, em Nova York; e do Centre Georges Pompidou, em Paris; e com passagens pelo WWVF – World Wide Vídeo Festival de Amsterdã e Media Art Festival de Milão; Santos traz para “Retro/Ativa” seus principais trabalhos, como a videoinstalação “Janaúba”, apresentada pela primeira vez no Dia Art Foundation, de Nova York, em 1993.
 
A instalação 'Dogville', que tem monitores de TV observados por cachorros

'Dogville', presente na entrada da exposição, aborda o poder da TV de capturar a atenção de todos os seres

Leandro Aragão/divulgação
 

Inspirada no filme “Limite” (1930), de Mário Peixoto (1908-1992), a instalação de Eder Santos recria a clássica cena dos personagens a bordo de um barco, que chega vagarosamente por um rio. A intenção do artista é apresentar uma nova forma de enxergar o tempo, tendo como perspectiva o ponto de vista de moradores das cidades do interior mineiro. É por isso, inclusive, que a obra leva o nome da pequena cidade do norte do estado.

Embora tenha sido concebida há três décadas, “Janaúba” vai ser apresentada em formato inédito. “Ela estreou como vídeo, e não como instalação”, lembra Santos. 

“A primeira versão foi uma performance que nós fizemos no telhado de vidro do Dia Art Foundation. A partir dela, que tinha cerca de 5 minutos, eu estendi e passei para 20 minutos”, adianta o artista.

Ao abordar elementos característicos do interior mineiro, como os carros de boi, as cercas de arame farpado usadas em fazendas e as paisagens do sertão, tratado com minúcia por Guimarães Rosa; “Janaúba” versa sobre a mesmice cotidiana e os hábitos que impedem as pessoas de avançar, fazendo com que elas entrem numa espécie de ciclo vicioso no qual revivem os mesmos fracassos.
 
Instalação Barravento novo, de Éder Santos

'Barravento novo', instalação inspirada no primeiro filme de Glauber Rocha

Barão Fonseca/divulgação
 

Releitura de "Barravento"

Também integra a mostra de maneira inédita a videoinstalação “Barravento Novo”. Concebida em 2017, em parceria com o nipo-americano Bruce Yonemoto, a obra é uma releitura de “Barravento” (1962), primeiro filme de Glauber Rocha (1939-1981).
 
Estrelado por Antonio Pitanga, o curta acompanha a história de Firmino, um ex-pescador que nasceu e viveu em uma pequena comunidade baiana. Após se mudar para a cidade, ele entende que os moradores de sua comunidade são explorados e decide retornar para livrá-los dessa relação abusiva.

“Barravento novo” conta a mesma história, mas sob a ótica de Santos e Yonemoto. No elenco, como forma de homenagear Antonio Pitanga, a dupla convidou a filha do ator, Camila Pitanga.

“Nossa ideia era trazer uma relação dela com o pai. No filme, inicialmente, ela faria a namorada do pai dela, o Antonio. Só que acabou que, na hora em que fomos gravar, ela disse que faria a namorada do pai, mas que gostaria de fazer o papel do pai também. Aí acabou que ela fez os dois personagens no filme”, conta Santos.

“Por fim, filmamos o Antonio, com seus 79 anos, somente como uma forma de homenagem, porque ele foi o primeiro ator preto a ter um papel principal no cinema naquela época, em 1962”, emenda.
 

“Retro/Ativa” conta ainda com a já prestigiada “Enciclopédia da ignorância”, na qual Santos criou três verbetes (humilhação, ciúme e preguiça), representados, respectivamente, como uma projeção a poucos metros do chão, em que o visitante só consegue acompanhar se ajoelhar-se no genuflexório colocado à sua frente, uma mesa com três cadeiras vazias e uma pia que simula um pingo de água caindo.

Criada em em 2003 e apresentada no Media Art Festival de Milão (Itália), a “Enciclopédia da ignorância” conta ainda com outros verbetes, como vício, inveja e remorso, que não estão em “Retro/Ativa”. A proposta da obra é analisar e questionar a relação que as pessoas têm com a imagem, conforme diz Santos.

Instalação São Sebastião, de Eder Santos

'São Sebastião', instalação de Eder Santos em cartaz no Memorial Vale

Daniel Moreira/divulgação

'Oxalá': mensagem de paz

Há ainda na exposição uma obra inédita. “Oxalá” chega em “Retro/Ativa” como uma mensagem de paz, tendo como figura central o orixá maior da umbanda.

A obra é uma espécie de derivação de “Coq au vin” (instalação batizada com o nome do famoso prato da culinária francesa feito com carne de frango e vinho), criação de Santos em parceria com Gilberto Scarpa. 

Nessa primeira, o artista elaborou uma caixa de acrílico na qual projetava uma cena de briga de galo, filmada por Sérgio Machado para o filme “Cidade Baixa”. Enquanto a rinha era projetada, penas de galinha voavam dentro da caixa.

“Era uma briga de galo, com muito sangue. As imagens me foram cedidas gentilmente pelo Sérgio, porque ali os galos eram trabalhados para a briga mesmo, com os bicos fechados e para fora. Eu usei essas tomadas, e a gente fez uma rinha ali dentro da caixa”, lembra o artista. 

“Agora, nessa rinha, que a gente chama de rinha, mas, na verdade, é a caixa de acrílico, Oxalá ocupou o lugar que era de briga. No vídeo, ele é representado por uma pomba branca. Então, essa caixa agora virou uma caixa de paz”, brinca Santos.

A mostra tem curadoria de Luiz Gustavo Carvalho, com quem Santos já trabalhou em outras oportunidades. Depois de Belo Horizonte, ela segue para Vitória (ES), Belém (PA) e São Luís (MA).

“RETRO/ATIVA”

• Exposição de Eder Santos.
• Deste sábado (6/5) até 26 de julho, no Memorial Minas Gerais Vale (Praça da Liberdade, 640, Funcionários).
• Visitas às terças, quartas, sextas e sábados, das 10h às 17h30; e às quintas-feiras, das 10h às 21h30. Entrada franca.
• Informações: (31) 3308-4000 ou pelo memorialvale.com.br.