Jeremy Strong (Kendall) e Brian Cox (Logan) na série Succession, da hbo

Jeremy Strong (Kendall) e Brian Cox (Logan) nutrem rivalidade também na vida real. O veterano disse recentemente que considera o trabalho de Strong "muito irritante"

HBO/DIVULGAÇÃO

"American horror story" popularizou nas redes sociais a ideia de que quando uma entidade suprema nasce, a antiga morre. A crença fazia referência à vida num covil de bruxas, mas ilustra bem o que acontece com a HBO neste mês. "Succession" estreou, afinal, a sua quarta e última temporada (com 10 episódios), no último domingo (26/3), num momento em que ninguém consegue parar de falar da novata "The last of us", que encerrou sua primeira temporada na semana retrasada.

Até então queridinho da produtora, seja pelo sucesso de público ou de crítica, o drama familiar encerra sua jornada de quatro temporadas com a atenção da HBO já em outro lugar. Não só na menina dos olhos da vez, mas também numa complicada reformulação de seu streaming e de seus departamentos de criação de conteúdo, após a fusão da WarnerMedia com a Discovery, que engavetaram projetos e abriram uma onda de cancelamentos.

Mas nem por isso o anúncio do fim de "Succession", por desejo do próprio criador Jesse Armstrong, em teoria, deixou de causar surpresa –o compositor Nicholas Britell disse na première que só recentemente ficou sabendo que esta seria a conclusão.

A expectativa, afinal, era que os episódios se arrastassem mais um pouco, até porque a terceira temporada não deu a entender que o complexo imbróglio envolvendo pai e filhos estava próximo do fim. Imbróglio este que, aliás, saiu das telas e contaminou o set de filmagem, que virou ele próprio um covil de onde alfinetadas vêm sendo disparadas.

Isso pode ajudar a entender o destino de "Succession", mesmo que, no geral, seus astros e criadores posem nos tapetes vermelhos vestindo sorrisos largos e fazendo gracinhas uns com os outros.

No mês passado, Brian Cox, protagonista da série no papel do patriarca Logan Roy, disse à revista Town & Country que considera o trabalho do colega de elenco Jeremy Strong "muito irritante". Segundo ele, o intérprete de um de seus filhos age como o próprio personagem no set de filmagem, mesmo quando não está gravando.

Logan Roy (Brian Cox) na série Succession, da hbo

Nesta quarta temporada de 'Succession', Logan Roy (Brian Cox) ganhará pecha de senil e será pressionando a escolher seu sucessor e se aposentador

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Sangue nos olhos

"É mesmo um choque cultural. Eu não tolero toda essa merda americana. Sinto muito. Todo aquele lance de 'eu penso, logo eu sinto’", disse o escocês mais tarde à Variety, em referência ao "method acting", técnica de atuação criada nos Estados Unidos em que o ator se aproxima ao máximo dos pensamentos e emoções exigidos por um papel. Ela é utilizada por Strong, mas desprezada por Cox.

Strong, por outro lado, diz que não usa "method acting", e que, na verdade, seu trabalho de atuação se baseia numa "difusão identitária". Mas sim, ele se vê como um recipiente vazio que deve ser preenchido apenas com aquilo que importa para o personagem da vez.

Extremo ou não, o fato é que seu trabalho em "Succession" vem lhe rendendo diversos frutos, do Emmy de melhor ator em série de drama à superexposição que lhe deu a possibilidade de trabalhar com James Gray, Aaron Sorkin e Guy Ritchie.

Na quarta temporada da série, a promessa é que seu Kendall Roy reapareça com sangue nos olhos, pronto para abater justamente o personagem de Cox.

Ao lado dos outros filhos de Logan Roy, magnata que fundou um conglomerado de mídia à la Disney, com divisões de televisão, cinema e até parques temáticos, ele deve encampar uma luta suja e inescrupulosa para tomar o comando da companhia, tentando colar ao pai a pecha de senil.

Três dos quatro filhos, aqueles mais interessados nos negócios da família, já haviam tentado formar uma aliança com o patriarca, mas tiveram seus tapetes repetidamente puxados. Agora, com um inimigo em comum, o trio vai enfim formar uma aliança, pressionando o pai para determinar seu sucessor e abraçar a aposentadoria.

Sucesso em números

Apesar de tudo, muitos fãs consideram a decisão de encerrar a série precoce. "Succession", afinal, não dava sinais de perder o fôlego. Além dos 13 prêmios Emmy embolsados até aqui, a terceira temporada registrou 97% de aprovação entre críticos e 88% entre o público, de acordo com o agregador de resenhas Rotten Tomatoes.

São os mesmos números da segunda leva de episódios, acima dos 89% e 84%, respectivamente, conquistados em seu ano inaugural. Os resultados impressionam e podem ser lidos como resultado da sempre elogiada capacidade dos roteiristas de misturar drama e comédia –não é à toa que "Succession" ficou com o Emmy de melhor roteiro dramático nas suas três temporadas, mesmo naquelas em que não embolsou direção ou série do ano.

E entra Emmy, sai Emmy, vem a discussão de em que categoria da disputa de melhor produção "Succession" deveria se encaixar. Já se convencionou que a trama é dramática, acima de tudo, mas é inegável que seu flerte com o humor passa muito longe de outras carreiristas da principal premiação da TV americana, como "The crown" ou "Game of Thrones" e sua derivada, "A casa do dragão".

Nonsense

Nelas e na própria "The last of us", o humor eventualmente aparece, de forma muito pontual. Em "Succession", por outro lado, as atitudes nonsense dos personagens, as intrigas bilionárias desconectadas da realidade do espectador e as alusões a absurdos do mundo corporativo regem a saga da família Roy. Não é surpresa que a própria HBO tenha montado e publicado no YouTube um vídeo de 10 minutos com os "insultos mais frívolos" da série.

"Ele está me vendendo coisas que eu quero por um preço justo? O que vem agora? Felação?", dispara Logan Roy, o personagem de Brian Cox, numa das cenas. "Quando você for rir, faça isso no mesmo volume que todo mundo. Nós não te tiramos de uma fazenda de hienas", reclama para um dos filhos em outra.

Eles não deixam barato, mas pelo medo do patriarca, que os consome ao longo de todas as temporadas, costumam reservar suas melhores chacotas um para o outro. "Você é um robô sexual para o papai foder", diz Roman, vivido por Kieran Culkin, a Kendall, num dos episódios.

E como esquecer do momento em que Roman urina na enorme janela da sala de comando da empresa familiar, em direção ao coração financeiro de Nova York? Ou da briga por uma salsicha, quando Logan obriga parentes e funcionários a imitarem javalis no chão de uma luxuosa sala, sob a luz vacilante de uma imensa lareira?

É do absurdo que "Succession" tira boa parte de sua graça, lembrando, às vezes, outro sucesso da HBO, "The white lotus", também engajada na luta por transformar nobres em bobos da corte. Nos paralelos que encontrou com o mundo real, a série que termina agora foi ascendendo socialmente, se tornando cada vez mais presente nas rodas de conversa de maratonistas da TV e de internautas.

Na mesma semana que Rupert Murdoch –acionista majoritário da News Corp, que vendeu boa parte de sua munição à Disney recentemente – anuncia seu quinto casamento, com uma mulher 26 anos mais nova, não deixa de ser interessante bisbilhotar a vida amorosa de Logan Roy, que também está atrás de uma assistente muito mais jovem depois de três matrimônios.

Onda

Apesar das piadas exageradas e do drama barra pesada, "Succession" talvez vá fazer mais falta justamente por sua capacidade de registrar e embalar de forma novelesca os absurdos que cercam um mundo que glorifica Elon Musk e em que megacorporações internacionais vêm se abalando mais e mais, das big techs ao Credit Suisse.

Agora, no entanto, já há outros filmes e séries que captaram esse mal-estar e embarcaram na mesma onda. Talvez por isso, "Succession" tenha enfim chegado ao seu canto do cisne – mesmo que nele ainda não esteja claro quem é a princesa em apuros e quem é o feiticeiro maléfico.