Mulher do ex-procurador-geral dos EUA durante o escândalo Watergate, Martha Mitchell dá entrevista e olha para o lado

Quando o escândalo Watergate estourou, Martha Mitchell afirmou a jornalistas acreditar na culpa de Richard Nixon

Netflix/reprodução

Martha Mitchell (1918-1976) foi uma socialite e fofoqueira que secundariamente apressou a queda do presidente Richard Nixon, em 1974, no desfecho do escândalo Watergate. Ela é retratada no documentário “O efeito Martha Mitchell”, dirigido por Anne Alvergue e indicado ao Oscar deste ano.

O filme é um recorte biográfico dessa senhora, não uma reconstituição da queda de um presidente. Nixon caiu em razão de Bob Woodward e Carl Bernstein, repórteres do Washington Post, que revelaram seu envolvimento no episódio de junho de 1972, uma operação abortada que instalaria escutas no comitê eleitoral de adversários do Partido Democrata.

O republicano Nixon disputava a reeleição. Martha era a mulher de John Mitchell, então procurador-geral dos Estados Unidos e pela segunda vez chefe da campanha presidencial. O documentário nada diz do primeiro casamento dela, que durou 11 anos.
 
Richard Nixon, então presidente dos EUA, fala ao telefone

Richard Nixon renunciou ao cargo de presidente dos Estados Unidos em agosto de 1974

Richard Nixon Presidential Library/reprodução

Popular no coração do poder

Martha se divorciou em 1957 e em seguida se casou com Mitchell, um advogado em ascensão. Ela tinha uma língua muito comprida. Tornou-se, durante o primeiro mandato do presidente, personagem popular em Washington.

Cultivava problemas com a bebida e, nos momentos de euforia, era capaz de telefonar de madrugada para outros ministros – o fez certa vez ao próprio presidente. “O que a senhora disse para ele?”, perguntou um repórter de TV. “Sempre dou bons conselhos”, respondeu.

John Mitchell, discursando num banquete, disse não ter nenhum controle sobre a língua de sua mulher. “Ela é um míssil desgovernado.”

Martha, o marido e o presidente estavam na Califórnia quando a polícia prendeu, em Washington, o comando que irrompeu os escritórios democratas. Nixon e Mitchell voaram imediatamente para a capital. Um dos presos desastrados em Watergate era guarda-costas da filha do procurador.

John Mitchell e o presidente não levaram Martha no avião. Ela acordou desconsolada. Leu os jornais e passou a ligar para os jornalistas amigos. Disse desconfiar que Nixon estava envolvido, porque, caso contrário, ela estaria ao lado dele e do marido.

Fazia sentido, mas tais inconfidências só alimentavam a impressão de que Watergate, nome do prédio em que as escutas seriam instaladas, era um imenso escândalo. O fato é que Martha se separa do marido, e ele, também objeto de investigações policiais, deixa o governo e evita frequentar Nixon e seus mais próximos amigos.

"Se não fosse por Martha Mitchell, não haveria o Watergate"

Richard Nixon, ex-presidente dos EUA


Jornalista se afastaram da antiga fonte

Com a separação do casal, a importância política de Martha diminui sensivelmente. Ela não é mais a proprietária de informações de bastidores. Telefona para seus cúmplices da mídia, mas alguns começam a se recusar a atendê-la. É um período em que o primeiro time de Washington está todo modificado, com a Presidência assumida por Gerald Ford, depois da renúncia de Nixon.

E Martha segue ladeira abaixo. Aparentemente, perde o controle sobre o consumo de álcool e se descuida da saúde. Ela morre em 31 de maio de 1976. Equipes de televisão registram seu caixão num pedestal à beira da sepultura.

Martha tinha apenas 56 anos. Não viveu o suficiente para tomar conhecimento do conteúdo das fitas que Nixon, assoberbado pela perspectiva da própria queda, gravou no Salão Oval da Casa Branca.

Numa fita, ele diz que, “se não fosse por Martha Mitchell, não haveria o Watergate”.
 
Psicólogos criaram a expressão “efeito Martha Mitchell”, que dá título ao filme. A expressão designa o momento em que o profissional de saúde desconfia que o paciente tem compreensão exata do que está acontecendo, mas isso não é reconhecido, e o diagnóstico é formulado sem que se leve o paciente a sério. 

“O EFEITO MARTHA MITCHELL”

EUA, 2022. Direção: Anne Alvergue. O filme está disponível na Netflix.