A atriz Heloísa Jorge como Dagmar de 'Mar do sertão', em cena com o padre da cidade fictícia

Na fictícia cidade de Canta Pedra, a pastora evangélica Dagmar (Heloísa Jorge) e o padre Zezo (Nanego Lira) superam suas desconfianças mútuas e desenvolvem um bom relacionamento

Maurício Fidalgo/Divulgação

Angolana radicada no Brasil, a atriz Heloísa Jorge, de 38 anos, vive a pastora evangélica Dagmar, que chega a Canta Pedra, cidade fictícia da novela “Mar do sertão” (Globo), e se torna rival do padre Zezo (Nanego Lira). Os dois acabam se entendendo, e a intolerância dá lugar ao ecumenismo.

“O mais legal é que tudo é construído com leveza, mesmo o conflito religioso. Os personagens trouxeram uma questão muito importante: como conviver na diferença”, afirma Heloísa. Para ela, a trama faz as pessoas se questionarem. “Será que por sermos de crenças diferentes precisamos nos odiar? A gente precisa não se respeitar? É uma discussão superlegal para estes tempos que estamos vivendo”, diz.

Na opinião da atriz, o autor Mário Teixeira se mostrou capaz de desenvolver histórias interessantes para que os personagens periféricos deem sustentação à trama principal.

Bastante comparada a “Cordel encantado” no início, a novela conseguiu se desvencilhar de certo caráter idílico das tramas sertanejas, “tornando-se uma espécie de fábula moderna com os pés no chão”, na definição da intérprete de Dagmar.

A presença de negros e nordestinos no elenco – sobretudo atores oriundos do teatro – é outro ponto forte de “Mar do sertão”, acredita Heloísa Jorge. Isso permite que a história seja contada com a maior fidelidade possível, ao mesmo tempo em que se responde à demanda do público por mais representatividade nas obras da emissora. 

A atriz Heloísa Jorge em salão de beleza em cena de Sentença

Presente no elenco "Sentença", disponível no Prime Video, a atriz se prepara para lançar neste ano "Fim", do Globoplay

Prime Video/Divulgação


"Como tenho background angolano, fui criada em Minas, graduada em Salvador e moro no Rio, as pessoas ficam querendo saber de onde exatamente eu sou. Sou de todos os lugares por onde passei. É isso que constitui a minha história"

Heloísa Jorge, atriz


Chamariz

Ela comenta que aí está um bom indicativo do que se pode adotar daqui para a frente. “As pessoas se vêem e gostam de ouvir o sotaque dos nordestinos. Elas se identificam, se enxergam no projeto. É um privilégio muito grande fazer parte de um projeto de representatividade. É o nosso chamariz nesta novela”, diz.

Antes da Dagmar de “Mar do sertão”, a atriz fez parte do elenco de várias novelas da Globo, como “A lei do amor”, “A dona do pedaço”, “Gabriela” e “Liberdade, liberdade”.

Dos 12 aos 18 anos, Heloísa morou em Montes Claros, no Norte de Minas. Filha de mãe angolana e pai brasileiro, ela deixou o país natal aos 10 anos, devido à guerra civil.

Aos 18, mudou-se para Salvador, onde cursou artes cênicas na Universidade Federal da Bahia. Na capital baiana, iniciou a carreira no teatro. Em 2014, chegou à TV, no elenco da novela angolana “Jikulumessu”. Havia voltado para a África ao encontro da mãe, Palmira, pouco antes de ela falecer, e dos irmãos que lá ficaram.

A identidade e o pertencimento sempre foram questões importantes para Heloísa. “Como tenho background angolano, fui criada em Minas, graduada em Salvador e moro no Rio, as pessoas ficam querendo saber de onde exatamente eu sou. Sou de todos os lugares por onde passei. É isso que constitui a minha história”, afirma.

Essa vivência influencia o trabalho da atriz e a forma como ela o vê. “A pessoa que tem essas experiências consequentemente vai ser uma artista mais interessante”, acredita.

"Fernanda (Torres) dirigiu uma cena bem importante minha. É muito legal ser dirigida por alguém que também é atriz, porque sabe exatamente o que quer. Foi bem intenso e desafiador o processo de filmagem de 'Fim' (série do Globoplay"

Heloísa Jorge, atriz



Heloísa Jorge também marca presença no streaming. Faz parte do elenco das séries “Sentença”, da plataforma Amazon Prime Video, lançada em 2022, e “How to be a carioca” (Star Plus), criada por Carlos Saldanha e Joana Mariani. 

A atriz estará no elenco da série “Fim” (Globoplay), adaptação do livro homônimo de Fernanda Torres, dirigida por Andrucha Waddington e Daniela Thomas. Pela primeira vez, Heloísa dará vida a uma personagem em todas as fases da trama, que trata da ideia de finitude.

Fernanda Torres também faz parte do elenco. “Além de fazer uma personagem, Fernanda é voz bem ativa na série. Como escreveu o livro, ela sabia muito bem o que queria. É muito bom quando você tem a figura do autor ou da autora tão presente, isso dá uma outra dimensão ao nosso trabalho como atriz”, comenta Heloísa. “Foi muito interessante ter essa figura opinando e às vezes dirigindo.”

“Fernanda dirigiu uma cena bem importante minha. É muito legal ser dirigida por alguém que também é atriz, porque sabe exatamente o que quer”, comenta. “Foi bem intenso e desafiador o processo de filmagem de 'Fim'.”

Apesar de ser um momento complicado, a pandemia acabou sendo favorável a Heloísa Jorge. Naquele período, a atriz pôde experimentar atuar em ambientes onde ainda não havia trabalhado, como o streaming. Por mais diferente que produções para plataformas sejam, o processo de pesquisa e construção do personagem é o mesmo do folhetim tradicional, segundo ela afirma.

“Fiz esses trabalhos em diferentes momentos. Não tive de me desligar da personagem X para fazer a personagem Y. Foi acontecendo cada coisa no seu tempo. Termina 'Mar do sertão' em março e em abril a gente lança 'Fim'”.

Premiada no teatro, a atriz afirma que percebeu, durante a pandemia, que se deve fazer uma coisa de cada vez. Por enquanto, não tem sido possível conciliar câmeras e palcos, como já ocorreu antes.

“Quando estou (num trabalho), mergulho e preciso pensar sobre aquilo. Não tenho atenção difusa. Morro de inveja de quem tem, mas eu não tenho”, comenta. Heloísa revela que foi difícil conciliar o musical “Dona Ivone Lara” e a novela “A dona do pedaço”.

“A segunda temporada (do musical) estreou no Rio e foi para São Paulo. Era muito confuso, deu um nó na minha cabeça. Foi bem desafiador e difícil. Agora estou voltada para 'Mar do sertão', mergulhada nesse universo. É cada coisa no seu tempo e não preciso correr. Tudo bem respeitar o meu tempo e a minha forma de fazer as coisas”, afirma. 

*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes