(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CINEMA

"Fé e fúria", de Marcos Pimentel, estreia hoje no UNA Cine Belas Artes

Documentário filmado em BH e no Rio de Janeiro mostra a conexão entre atos de intolerância religiosa e a presença do tráfico nas periferias de grandes cidades


13/10/2022 04:00 - atualizado 12/10/2022 19:33

Mulher com turbante vermelho na cabeça observa homem depositar oferendas a Iemanjá
O longa-metragem "Fé e fúria" foi concluído em 2019, mas teve seu lançamento adiado devido à pandemia do novo coronavírus; filme estreia hoje em uma sala em BH (foto: Embaúba Filmes/Divulgação)

MARIANA PEIXOTO

Aos 11 anos, Kayllane Campos achou que fosse morrer. Vestida de branco, deixou o terreiro de candomblé no Rio de Janeiro onde sua avó era mãe de santo, num domingo, pronta para ir para casa. Só que uma pedra atravessou seu caminho. A menina recebeu uma pedrada na testa, após ouvir insultos de dois homens que seguravam a Bíblia. 

A agressão a Kayllane ocorreu em junho de 2015. Já nesta época, o diretor mineiro Marcos Pimentel, consumidor voraz de notícias, começava a atentar para casos de intolerância religiosa que estavam pipocando em todo o país. “Me chamou bastante a atenção que as histórias se passavam sempre em favelas ou subúrbios e que (as agressões) eram sempre contra religiões de matriz africana”, afirma.

Foi este o ponto de partida do documentário “Fé e fúria”, que estreia nesta quinta-feira (13/10), às 18h20, no UNA Cine Belas Artes. O longa traz para o centro da narrativa mais de 20 personagens, pessoas que vivem e atuam em favelas e comunidades periféricas de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Todos são ligados a religiões de matriz africana ou a igrejas evangélicas, em especial as neopentecostais.



Pimentel, que não tem religião e diz respeitar todas, vive próximo ao Aglomerado Santa Lúcia, em BH. Foi ali que começou a ouvir, mais de perto, algumas histórias. “Me chamou a atenção que os casos (de agressão) não fossem tão isolados, mas estavam sendo reproduzidos em vários lugares. À medida que entrei mais no processo, vi também que a partir das intolerância podemos ir além e ver como as relações de religião e poder influenciam a sociedade brasileira.” E o tráfico é elemento essencial nesta equação.

Trabalhando com pesquisadores que encontraram os personagens, o filme foi realizado nas duas capitais porque o “Rio é uma cidade emblemática em sua relação com o tráfico, e BH, além de ser onde moro, reproduz o que você encontra em qualquer grande centro brasileiro”, segundo diz.

Além de pais e mães de santo, pastores, adeptos do candomblé, da umbanda e de religiões neopentecostais, a câmera de Pimentel também aborda traficantes – nenhum, obviamente, mostra sua cara. Um grupo do Comando Vermelho (CV) fala que tenta manter uma boa relação com diferentes agremiações. Mas, nas favelas, a presença das figuras de Deus e Jesus é maciça – Jesus, inclusive, é apontado como o general de diferentes igrejas, que criam exércitos de crentes.

Micro e macro

As histórias vão se somando e ganhando outras nuances. “A partir do momento em que tive contato com os personagens – filmei muito mais do que os que aparecem no documentário –, vi que poderia partir do micro para o macro. No começo, é uma menina com uma pedrada na cabeça, uma briga de vizinhos num centro de umbanda. De repente, começam a quebrar santos, botar fogo (nos terreiros), a relação com o tráfico se alternando no morro”, diz Pimentel.

Para ele, um dos personagens mais ricos do filme é Fabrício Carvalho, tatuador e body piercer evangélico que vive em BH e é discriminado entre os próprios crentes. O documentário acompanha Carvalho se dependurando em uma árvore, por meio de pequenos ganchos nas próprias costas, que trazem uma enorme tatuagem do Cristo crucificado. Ao fundo, o ouvimos falar que a ação lhe traz uma “paz muito grande”, ainda que muitas pessoas o considerem tomado pelo diabo.

“O filme mostra uma guerra bem definida entre dois lados, e o lado mais forte, que é o evangélico, quer acabar com o outro. O Fabrício tem muitas camadas, pois ele é um evangélico supertolerante e consciente, e prova que a vida é feita de tons de cinza, que não se pode colocar pessoas dentro de caixas”, afirma Pimentel.

Na metade final do longa, a dimensão é outra. “É UPP, agentes públicos que trabalham colocando a religião na frente, bancada evangélica... Por trás de tudo, está o racismo, que é a grande ferida não sanada na sociedade brasileira. Ele aparece na forma de racismo religioso”, diz o documentarista.

“Fé e fúria”, vale dizer, foi rodado entre setembro de 2016 e julho de 2018. Ou seja, as filmagens terminaram quando Jair Bolsonaro iniciava sua campanha para a eleição presidencial. Antes dos créditos subirem na tela, o filme informa ao espectador que, em outubro de 2018, com “amplo apoio da bancada evangélica e valendo-se de um discurso armamentista e desfavorável às minorias”, Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil.  

O longa teve première no IDFA – International Documentary Film Festival Amsterdam, em novembro de 2019. No mês seguinte, foi exibido no Festival do Rio. Com o lançamento adiado em decorrência da pandemia, o filme não mudou em nada para chegar três anos depois ao circuito comercial.

“E ele, impressionantemente, está superatual. Estamos felizes por ele estar chegando agora, em que a pauta religiosa está inflamada para o segundo turno. É um filme que incentiva a reflexão, espero que ajude no diálogo. Além de mostrar muita gente com os direitos feridos, o processo de aniquilar as diferenças está matando a diversidade do país, bem como alimentando os discursos de ódio”, afirma Pimentel.


“FÉ E FÚRIA”
(Brasil, 2019, 104min., de Marcos Pimentel) – Estreia nesta quinta (13/10), às 18h20, no UNA Cine Belas Artes


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)