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Estado de Minas MÚSICA

Maricenne Costa, primeira cantora que gravou Chico, fez história na MPB

Livro conta a trajetória da paulista pioneira da bossa nova, que ganhou o respeito de João Gilberto, fez teatro e gravou Tom Zé, punk e rap


05/09/2022 04:00 - atualizado 04/09/2022 23:36

Cantora Maricenne Costa sorri e põe o braço sobre a testa, ao fundo veem-se prédios
Criadora inquieta, Maricenne Costa foi pioneira da bossa nova em São Paulo, fez discos com Tinhorão, gravou com Inocentes e com o grupo de rap Moleque de Rua (foto: Ana Komel/divulgação)

Paulista de Cruzeiro, Maricenne Costa, de 86 anos, é uma das cantoras mais importantes do país. Foi a primeira intérprete a gravar uma canção de Chico Buarque – “Marcha para um dia de sol”, em 1965 – e João Gilberto dizia que ela tinha a voz colorida. Viveu o auge da bossa nova em São Paulo, representou a música brasileira em Portugal e nos Estados Unidos. Fazia parte da geração de Alaíde Costa e Claudette Soares.

Antenada, dialogou com várias gerações – de Tinhorão a Tom Zé, rappers e punks. Esta rica trajetória é contada no livro “Maricenne Costa – A cantora de voz colorida” (Álbum de Família), lançado pela psiquiatra Elisabeth Sene-Costa, irmã da artista, e pela jornalista Laís Vitale de Castro.

“Maricenne cantou em diversos festivais de MPB nos anos 1960. E também fez parceria com o grupo punk Inocentes na década de 1990”, afirma Elisabeth.

''Maricenne não primou somente pelo ecletismo, mas também pelo pioneirismo''

Elisabeth Sene-Costa, biógrafa

 
Porém, a cantora e compositora não se limitou à música. Também fez teatro – ficou mais de um ano em cartaz com o espetáculo “Morte e vida severina”, de João Cabral de Melo Neto.

Os capítulos da biografia oferecem amplo panorama da multifacetada trajetória de Maricenne. Entre eles, “Atrás do sonho: de Bach a Noel Rosa”, “Sucesso na terra de tio Sam”, “João Gilberto”, “Amazônia”, “O quadrilátero da música”, “Abduzida pelos palcos teatrais”, “Descobridora de talentos”, “O moderno pelo eterno”, “Não importa onde vá” e “Bossa nova e o amor por São Paulo”.

“Maricenne começou nos anos 1950 e ganhou um prêmio importante no concurso nacional A Voz de Ouro ABC”, diz Elisabeth. Ao se integrar ao movimento da bossa nova, foi acompanhada pelos melhores pianistas da época, como César Camargo Mariano e Walter Wanderley.

“Ela viajou para os Estados Unidos, onde se apresentou e foi citada pela famosa revista DownBeat. Na plateia estavam Tony Bennett, Judy Garland e Eddie Fisher.”

Em São Paulo, Maricenne costumava cantar em palcos que fizeram história, como João Sebastião Bar, Cambridge Hotel e Captain’s Bar. Tom Jobim, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Walter Santos e Peri Ribeiro foram alguns dos compositores presentes nos discos dela.

Nos anos 1970, uma virada na carreira: Maricenne fez teatro com Myriam Muniz, Ricardo Blat e Marcos Caruso, respeitados atores. Depois, voltou à música para chamar muita atenção, ao lado de destaques da cena noventista.

Maricenne gravou o LP “Correntes alternadas”, produzido por Paulo Barnabé, nome de ponta daVanguarda Paulista. O álbum juntava o punk do Inocentes, o rap do Moleque de Rua e a ousadia do tropicalista Tom Zé.

''Sua voz também é colorida. Que mensagem linda tem a sua voz. Ela tem cores, não cale nunca esta voz colorida''

João Gilberto (1931-2019), em conversa com Maricenne Costa, nos anos 60


Vanguarda e Tinhorão

De um lado, Maricenne dialogava com a vanguarda. De outro, com a tradição. Foi assim com o disco “Como tem passado!!!” (1999), baseado na pesquisa encomendada por ela ao historiador José Ramos Tinhorão (1928-2021). O repertório reunia músicas inaugurais de vários ritmos brasileiros. Elisabeth Sene-Costa diz que este projeto foi sucesso de crítica e público.

E a cantora não sossegou. “Em 2002, foi a vez do show ‘Sábios costumam mentir’, com a obra de Waly Salomão (1943-2003). Em 2005, ela lançou ‘Movimento circular’, com produção de Tuco Marcondes e Fernando Nunes, da banda de Zeca Baleiro”, diz a irmã. O repertório desse último reunia inéditas dos jovens Fernanda Porto e Moisés Santana, além do veterano Johnny Alf, um dos pais da bossa nova.

Elisabeth destaca outro álbum: “Bossa SP”, lançado em 2009, reunindo paulistas. “Ela trouxe convidados de diferentes gerações, como a cantora Alaíde Costa, Eduardo Gudin, Moisés Santana  e o gaitista Vitor Lopes”, relembra.

A autora diz que a trajetória de Maricenne não pode ser relegada a segundo plano, sobretudo pela atuação dela a partir de São Paulo. “Resolvi homenagear a minha irmã em vida. Achei que ela merecia esse livro por ter sido cantora importante, principalmente na década de 1960. E começou já fazendo sucesso, pois ganhou o Voz de Ouro ABC, concurso com cerca de três mil concorrentes”, afirma.

“Maricenne não primou somente pelo ecletismo, mas também pelo pioneirismo. Começou na bossa nova, gravou Inocentes, Moleque de Rua, Ritchie e Zequinha de Abreu, entre tantos outros.”

A paulista se preocupou em não ficar limitada à bossa nova. “Ela sempre gostou de pesquisar”, diz Elisabeth. No caso da parceria com o historiador José Ramos Tinhorão, Maricenne pretendia resgatar a história da música brasileira.

“Ela queria que Tinhorão descobrisse quais foram os primeiros ritmos brasileiros. O primeiro samba, o primeiro samba-canção, a primeira marchinha, o primeiro tango, a primeira marchinha carnavalesca”, afirma.

João Gilberto

Maricenne era amiga do cantor baiano João Gilberto. “Ela cantava na boate do Hotel Cambridge, em São Paulo. João foi lá certa vez e ela ficou emocionada”, relembra Elisabeth. “Maricenne e Pedrinho Mattar, que a acompanhava, sentaram-se ao lado de João e ficaram ouvindo-o cantar. E ele falava: ‘Este tom azul é para tal pessoa. Este tom verde é de tal pessoa'. Aí, virou-se para a Maricenne e falou: ‘Sua voz também é colorida. Que mensagem linda tem a sua voz. Ela tem cores, não cale nunca esta voz colorida’.”

Elisabeth acredita que o livro sobre a irmã traz contribuição importante para a história da música popular brasileira. Explica que a jornalista Laís Vale de Castro entrevistou Maricenne, cantores, compositores, produtores e jornalistas, entre outros.

“Maricenne gostava de escrever e tinha vários cadernos. Era também compositora, tanto que os discos dela trazem músicas autorais. Comecei a ler esses cadernos e muitas histórias, inclusive a do João Gilberto, e achei que daria um livro”, finaliza Elisabeth.
 

Ilustração do rosto de Maricenne costa no livro A cantora de voz colorida
(foto: Álbum de Família/reprodução)
"MARICENNE COSTA – A CANTORA DE VOZ COLORIDA”

• De Elisabeth Sene-Costa e Laís Vale de Castro
• Editora Álbum de Família
• 260 páginas
• R$ 60 (edição colorida)
• R$ 40 (edição preto e branca)


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