Atriz Park Eun-bin, que interpreta advogada advogada do espectro autista, segura papéis no tribunal

A advogada Woo Young-woo (Park Eun-bin) brilha nos tribunais, mas não escapa do preconceito

Netflix/divulgação

Série da plataforma Netflix sobre jovem advogada com QI alto e do espectro autista provoca debate na Coreia do Sul sobre a “invisibilidade” de pessoas que apresentam este transtorno.

Por mais de um mês, “Uma advogada extraordinária” foi a série em língua não inglesa mais assistida na plataforma de streaming, assim como outro fenômeno sul-coreano, “Round 6”. Inclusive, frequentou por vários dias o Top 10 da Netflix no Brasil.

Garota-prodígio

Com 16 episódios, a trama segue a jornada de Woo Young-woo, advogada novata cujo autismo a ajuda a encontrar soluções brilhantes para quebra-cabeças jurídicos, mas, ao mesmo tempo, a deixa em situações de isolamento social.

Woo tem QI de 164 e se formou como a melhor aluna de sua turma em importante universidade de Seul. Ingressa num escritório de advocacia, enfrenta o preconceito de colegas, mas, com o tempo, conquista o respeito da maioria deles. 

Como ocorre em todo k-drama, também há romance, pois ela desperta a atenção de Lee Jun-ho (Kang Tae-ho), o bonitão cobiçado pelas moças da firma.

O programa gerou debate sobre o autismo, já que a protagonista, extremamente inteligente, também apresenta sinais visíveis do transtorno, como a ecolalia – repetição precisa de palavras ou frases do outro, muitas vezes fora de contexto.

Park Eun-bin, de 29 anos, hesitou em aceitar o papel da advogada, ciente do impacto que a trama poderia ter sobre a percepção a respeito dos autistas.

“Senti que tinha uma responsabilidade moral como atriz”, disse ela. “Sabia que (a série) inevitavelmente teria influência sobre pessoas autistas e suas famílias.”

Algumas dessas famílias, aliás,  classificaram o seriado como “fantasia” e consideraram a protagonista nada crível.

Lee Dong-ju, mãe de um menino autista, afirmou que para muitas pessoas com transtornos do espectro autista, alcançar o sucesso como a advogada Woo seria como “uma criança ganhar medalha olímpica no ciclismo sem nem ter aprendido a andar”.

Embora Woo seja personagem fictícia “criada para o máximo efeito dramático”, sua história, na verdade, é mais real do que muitos sul-coreanos acreditam, garante Kim Eui-jung, professor de psiquiatria do hospital Mokdong da Universidade Ewha Womans, em Seul.

Cerca de um terço das pessoas com transtorno do espectro autista têm inteligência média ou acima da média, afirma o especialista. Além disso, podem não apresentar características visíveis de autismo ou até mesmo não saber que as têm.

Foi o que ocorreu com Lee Da-bin, cujo diagnóstico só veio depois de abandonar a escola e procurar um psiquiatra devido à depressão.

“As pessoas não reconhecem formas leves de autismo”, explica ela. “Tenho a impressão de ter ficado invisível.” Esta moça tem muitos pontos em comum com a personagem da série, incluindo a hipersensibilidade e a excelência acadêmica.

Lee também cresceu sabendo que era diferente e seria recriminada por não conseguir se integrar. “Passei a vida inteira pensando que era uma pessoa estranha”, diz. “Pensava que era minha culpa se não conseguisse me aproximar dos outros.”

Sentada no sofá, jovem coreana Lee Da-bin faz gesto com as mãos, apoiadas em almofada branca. Ao fundo se veem bambus decorativos

Como a personagem da série, a sul-coreana Lee Da-bin sofreu rejeição, mas planeja estudar medicina

Jung Yeon-je/AFP

Desinformação e subdiagnóstico

“A sensibilização do público ao autismo alto nível e sua compreensão são muito limitadas na Coreia do Sul”, afirma Kim Hee-jin, professora de psiquiatria do Hospital Universitário Chung-Ang, em Seul. Para o público em geral, autismo é “transtorno que envolve deficiência intelectual grave”, o que contribui para o subdiagnóstico, observa.

A psiquiatra garante que o acompanhamento precoce pode ajudar pessoas do espectro autista a evitar sentir culpa pelas dificuldades de fazer e manter amigos.

Lee Da-bin acredita que se tivesse sido diagnosticada antes, teria sofrido menos. Desde então, retomou os estudos com o objetivo de iniciar a carreira na medicina. 

Inspiração na vida real

“Uma advogada extraordinária” se inspirou em Mary Temple Grandin, americana de 74 anos, zootecnista com autismo de alta funcionalidade. Diagnosticada aos 2 anos, ela rejeitou o contato humano, como a personagem da série. Sofreu bullying e, adolescente, chamou a atenção em atividades extracurriculares. Grandin criou métodos de tratar animais vivos em fazendas e abatedouros. Ela se formou em psicologia, tem mestrado em zootecnia na Universidade Estadual do Arizona e é Ph.D. em zootecnia pela Universidade de Illinois.