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Estado de Minas CINEMA

Humberto Mauro promove ciclo de filmes de Pier Paolo Pasolini

Programação que vai desta sexta (5/8) até terça (9/8) também inclui palestra sobre a obra do diretor e estreia do documentário sobre ele 'O jovem corsário'


05/08/2022 04:00 - atualizado 04/08/2022 19:45

Ator e atriz andam de moto em cena de Mamma Roma
Cena de "Mamma Roma", um dos sete títulos de Pasolini que serão gratuitamente exibidos na mostra (foto: Zeta Filmes/Divulgação)

Um mergulho na política, na religião, na arte, na filosofia e em outros temas caros a um dos mais expressivos diretores italianos de todos os tempos – tudo devidamente embalado em lirismo e contundência – é o que propõe a mostra “O cinema segundo Pasolini”, em cartaz a partir desta sexta-feira (5/8) até a próxima terça-feira (9/8), no Cine Humberto Mauro.

A mostra – uma realização conjunta do Consulado da Itália em Belo Horizonte, do Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro, da Fundação Clóvis Salgado e da Casa Fiat de Cultura – celebra o centenário do célebre cineasta com a exibição de sete obras restauradas de sua filmografia. A programação inclui, ainda, a estreia nacional do documentário “O jovem corsário”, de Emílio Marrese, que aborda a trajetória artística e pessoal de Pasolini.

Integram a mostra, que é presencial e gratuita, os longas “Passarinhos e passarões” (1969), “Accattone - Desajuste social” (1961), “Mamma Roma” (1962), “Comícios de amor” (1964), “O Evangelho segundo São Mateus” (1964), “Notas para uma Oréstia africana” (1970) e “Édipo Rei” (1967). 

As tradicionais sessões comentadas do programa História Permanente do Cinema, do Cine Humberto Mauro, também englobam a programação e contam com a participação do crítico de cinema Gabriel Araújo e do diretor da Companhia de Teatro, Luiz Paixão.

Para além da tela, a mostra se desdobra na palestra on-line “Pier Paolo Pasolini – Vida e obra”, ministrada pelo professor e especialista em cinema Luiz Nazario, com mediação do curador do Cine Humberto Mauro, Bruno Hilário. Ele é quem chama a atenção para o fato de que esse recorte de sete títulos – em uma filmografia que soma mais de 20 – procura mostrar uma faceta menos óbvia do cineasta.

Hilário explica que a mostra é uma iniciativa do Instituto Italiano de Cultura e que já cumpriu temporadas em países como Portugal e Itália e também em outros estados brasileiros, como o Rio de Janeiro, onde esteve em cartaz no CCBB. “Tem um apelo grande, porque resgata os primeiros filmes dele e traz junto pérolas que representam uma oportunidade de conhecer sua obra para além dos títulos mais consagrados. ‘Notas para uma Oréstia africana’, por exemplo, é uma raridade, um filme pouquíssimo visto”, aponta.

Interseção narrativa

Ele destaca que os títulos da mostra apresentam um painel diverso da produção de Pasolini, mas, ao mesmo tempo, guardam muitos elementos em comum entre si. O realizador italiano entendia o cinema como um tecido de linguagens, uma interseção narrativa entre literatura, religião, filosofia e arte, segundo o curador.

Close no rosto de Pier Paolo Pasolini
O diretor Pier Paolo Pasolini (1922-1975) no Festival de Cannes de 1974; mostra dedicada a ele inclui estreia do documentário "O jovem corsário", de Emílio Marrese (foto: RALPH GATTI/AFP )


“A gente mostra, com essa seleção de filmes, como ele se joga sobre a realidade social, sobretudo as contradições de sua época, porque ele próprio traz consigo muitas contradições: é de orientação política marxista, mas muito ligado à religião; é uma pessoa de origem camponesa, de criação ortodoxa, e é homossexual declarado”, diz, destacando o desejo do cineasta de se enxergar no povo.

“Quando ele se joga com essa câmera que é um prolongamento de seu corpo, de sua vivência, e vai ao encontro de outros corpos, existe aí um desejo de intervenção, de interagir nas diferentes camadas das relações sociais. Essas obras são fruto de um diálogo das próprias experiências com as experiências do povo. Pasolini está sempre buscando alcançar o coletivo”, ressalta.

Relações de poder

Esse movimento realizado pelo cineasta é particularmente notável em “Comícios de amor”, em que, com um microfone na mão e uma câmera, ele percorre as ruas para perguntar aos italianos o que pensam em relação ao casamento, fidelidade e a normatividade. “Ele tem um interesse particular pela maneira como o povo entende o sexo, as interações afetivas, e enquadra esse entendimento em relações anacrônicas, em relações de poder”, pontua o curador.

Ele aponta que o filme é um dos destaques da mostra, juntamente com “O Evangelho segundo São Mateus” – uma obra que foi muito contestada tanto pela militância marxista quanto, num primeiro momento, pela Igreja Católica, por tratar-se de uma abordagem da vida de Jesus Cristo feita por um cineasta que já vinha precedido pela fama de transgressor e que já havia sido processado por blasfêmia.

“Depois de lançado, a Igreja olhou e declarou que era uma das melhores construções de Cristo já feitas, porque trazia um personagem revolucionário e humanizado, ligado ao povo, às causas populares, à fraternidade. Hoje é um filme que faz parte do acervo do Vaticano”, aponta Hilário.

Presença do sagrado

Para Luiz Nazario – professor titular de cinema da Escola de Belas Artes da UFMG e autor de diversos livros, entre eles “Todos os corpos de Pasolini” (2007) –, a presença do sagrado é justamente o traço mais marcante na obra de Pasolini. “Ele, como intelectual marxista, tinha um pensamento que diferia de toda a esquerda, por causa dessa atração pelo divino. O sagrado está presente em toda a obra dele, mas sob uma ótica muito particular. Você encontra o Pasolini revolucionário dentro do Pasolini místico”, destaca.

Sobre a palestra que vai ministrar, ele adianta que a ideia é passar uma visão mais global de Pasolini, abordando sua vida e sua obra.  “É uma iniciação a Pasolini, para o público em geral, um panorama de quem foi esse cineasta. A princípio, eu ia falar com um pouco mais de ênfase sobre o Pasolini roteirista, mas acharam melhor eu oferecer uma mirada mais abrangente, que possa interessar aos não iniciados”, diz.

Ele aponta que um aspecto importante é que, a despeito de ter sido premiado nos festivais de Veneza e Berlim e ser admirado por alguns críticos e intelectuais, o diretor passou toda sua vida profissional sendo visto como um pária pela sociedade em geral. A razão desse tratamento reside justamente no que Nazario considera o maior legado de Pasolini.

Semiologia da realidade

“Ele introduziu a homossexualidade popular na literatura e no cinema italianos. Num país católico-fascista, ele ousou exprimir sua visão do mundo inspirada pelo desejo físico dos jovens do campo e da periferia. Foi processado 33 vezes, perseguido e assassinado por criar uma obra subversiva e homoerótica. Pensando a linguagem do cinema, criou uma fascinante teoria da vida, uma semiologia da realidade fundamental para a compreensão do mundo contemporâneo”, destaca.

Nazario ressalta que o cineasta era acintosamente odiado e hostilizado nas ruas, ao ponto de adotar os óculos escuros em tempo integral, para não ter que encarar as pessoas. Os jornais e publicações só tratavam dele em tom de chacota, não só na Itália, mas em todo o mundo, segundo o professor e pesquisador.

“No Brasil também era assim. Eu descobri um ‘Pasquim’ que foi para as bancas um dia depois de ele ser assassinado fazendo chacota, chamando-o de pedófilo, tratando Pasolini como se fosse um criminoso que felizmente tinha morrido. Esse ódio só aumentava ao longo da carreira dele, principalmente no final, quando foi ficando mais hermético, mais radical e mais crítico à sociedade”, aponta.

Assassinado culturalmente

Para Nazario, Pasolini foi assassinado culturalmente antes de ser assassinado fisicamente. “Como disse o cineasta Werner Schroeter, se Pasolini é hoje visto como um santo, quando vivo era visto como um porco.” Ele considera que a reparação da figura e da obra de Pasolini começou a se dar no início dos anos 1980, alguns anos depois de seu assassinato, que permanece envolto em mistério.

“Muita coisa foi sendo percebida por estudiosos, críticos e pelo público; coisas que ele havia previsto, como a violência de massa, a transformação das pessoas, a forma como estavam se tornando fascistas, cruéis, desumanas, sem perceber. Ele passou a ser entendido, então, como um profeta, um visionário, capaz de perceber antes aquilo que já estava acontecendo”, explica.

Ele observa que para o cineasta o universo do consumo produzia uma revolução antropológica, uma homologação que, a seu ver, equivalia a um genocídio. “Pasolini distinguiu esse novo fascismo do fascismo histórico. O cléricofascismo correspondia à aliança entre a Igreja Católica e o Estado Capitalista. Já o consumismo era produzido pela aliança entre a Empresa Totalitária e o Estado Capitalista – um fascismo ainda mais profundo, capaz de produzir a mutação de um povo inteiro”, diz.

Sessões comentadas

As sessões comentadas do programa História Permanente do Cinema contam com a obra “Accattone - Desajuste social”, hoje, às 19h, com comentários do crítico de cinema Gabriel Araújo, e com “Édipo Rei”, na próxima terça-feira, também às 19h, com a participação do diretor da Companhia de Teatro, Luiz Paixão.

Para Bruno Hilário, essa segunda sessão ressalta outro ponto marcante da obra de Pasolini, que é o diálogo com as tragédias gregas à luz de seu tempo. “Pasolini fazia essa transposição da tragédia grega para o tempo presente. Outro filme que apresenta isso de maneira muito clara, e que acaba sendo uma chave para entender ‘Édipo Rei’, é o ‘Notas para uma Oréstia africana’. São obras que refletem o interesse dele pelo mito, passando por sua relação com o teatro, que é muito forte”, aponta.

Luiz Paixão, que já levou “Édipo Rei” aos palcos, assente a pertinência dessa leitura contemporânea da tragédia grega que Pasolini fez. “Ele se utiliza de maneira muito bacana dessa aproximação da obra clássica com os dias atuais, no prólogo e no epílogo de ‘Édipo Rei’. Laius e Jocasta estão no presente de Pasolini; quando Édipo entra na história, vai para outro plano, outro espaço-tempo; e ao final, com o personagem já cego, voltamos para o presente dele, estabelecendo uma relação de aproximação com a realidade objetiva”, aponta.

“O CINEMA SEGUNDO PASOLINI”
Mostra em cartaz a partir desta sexta-feira (5/8) até terça-feira (9/8), no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes 
(Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, 31.3236-7400). Entrada gratuita. Programação completa no site da FCS

“PIER PAOLO PASOLINI – VIDA E OBRA”
Palestra  com o professor de cinema Luiz Nazario e mediação de Bruno Hilário, na próxima quarta-feira (10/8), no YouTube da Casa Fiat de Cultura, por meio de inscrição pela Sympla. Mais informações: (31) 3289-8900


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