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Estado de Minas LIVRO

Biografia de Domingos Montagner traz a "dualidade entre o galã e o palhaço"

O jornalista Oswaldo Carvalho, autor de "Domingos Montagner - O espetáculo não para", diz que a imagem de galã incomodava o ator, nome central do circo no país


09/05/2022 04:00 - atualizado 08/05/2022 17:04

Domingos Montagner, de camisa branca manchada, em pé em sala rústica, em cena de Velho Chico
Domingos Montagner em cena da novela global "Velho Chico", que ele protagonizou. Ator morreu em intervalo das gravações, durante banho no rio São Francisco (foto: Estevam Avellar/Divulgação)
 
A morte do ator Domingos Montagner, que se afogou no rio São Francisco, em setembro de 2016, durante a reta final das gravações da novela “Velho Chico” (Globo), que ele protagonizava como o personagem Santo dos Anjos, chocou e comoveu o país. 
 
A tragédia despertou a curiosidade do jornalista Oswaldo Carvalho sobre a vida do artista que, antes de chegar tardiamente à televisão, aos 46 anos, foi assistente de bar, assistente de almoxarifado, jogador de handebol, professor de educação física, cenógrafo, trapezista e palhaço.

Por meio de pesquisas e entrevistas, Carvalho se debruçou sobre a história de vida de Montagner, e o resultado dessa investida é a recém-lançada biografia “Domingos Montagner – O espetáculo não para” (Editora Máquina de Livros). 
 
O livro dedica especial atenção à relação do ator com o universo do circo – principal espaço de sua formação. Em paralelo à trajetória de Montagner, a obra traz um panorama do movimento circense e teatral em São Paulo nos anos 1990 e 2000. O biografado integrou a companhia Pia Fraus e depois fundou, com Fernando Sampaio, a La Mínima.
 
Para o autor, a história de Domingos Montagner se confunde com o renascimento do circo no Brasil, entre o fim dos anos 1980 e a década de 1990. As primeiras experiências no teatro amador, o talento para criar e manipular bonecos, as aulas na Circo Escola Picadeiro, as dificuldades enfrentadas como artista de rua e as viagens pelo mundo em festivais, tudo isso é contado em detalhes no livro. 

As trajetórias de outras trupes e companhias importantes, como Parlapatões, XPTO, Nau de Ícaros, Acrobático Fratelli e o pioneiro grupo Ornitorrinco, de Cacá Rosset, são contempladas. 

“Todo mundo sabia que Domingos era palhaço, que construiu uma carreira sólida nos palcos e no circo antes de chegar à TV, mas que palhaço contemporâneo era aquele, que não usava nariz vermelho e dialogava intimamente com o teatro? Quanto mais eu pesquisava, mais bacana a história ia ficando”, diz Carvalho.

APOIO DA FAMÍLIA

Entre apuração, entrevistas e escrita, o livro demandou três anos de feitura e teve apoio irrestrito da família de Montagner, particularmente de Luciana Lima, viúva do ator, que também é artista de circo e produtora. Ela abriu todo o acervo de Montagner e cedeu fotos inéditas. O irmão, Francisco Montagner, também contribuiu com a iconografia da obra, que reúne mais de 150 fotos, muitas delas inéditas, do acervo pessoal do ator.
 
Carvalho conta que, assim que acertou a produção da biografia com a família de Montagner, começou a fazer uma pesquisa sobre a história do circo. “Também pesquisei sobre as origens do circo na Inglaterra e sua ida para a França, a partir de onde ganhou o mundo”, conta. 
“Logo depois comecei a estudar a La Mínima, entrevistei o Fernando Sampaio e isso deu um norte para o projeto. Realizei, no total, mais de 80 entrevistas, com amigos de infância, família, o pessoal do teatro, do circo, do cinema e da TV”, diz.
 
Entre os entrevistados estão Antônio Fagundes, Lilia Cabral, Ingrid Guimarães, Cauã Reymond, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Camila Pitanga e Luiz Gustavo, que, antes de morrer, em setembro do ano passado, escreveu um texto especialmente para Domingos Montagner, reproduzido na biografia.
 
Carvalho destaca que o ator é representante de toda uma geração que revolucionou a linguagem do circo, a partir do final dos anos 1980. O biógrafo observa que até a primeira metade do século passado, o conhecimento acerca das artes e técnicas circenses era transmitido de pai para filho. Nos anos 1950, com a universalização do ensino, os filhos das famílias circenses saíram de seu habitat e foram para a escola.
 
“Perdeu-se, com isso, um pouco essa ideia do conhecimento passado de geração para geração. A partir dos anos 1970, começaram a surgir no Brasil as escolas de circo, que mudaram a cara dessa forma de expressão no país. O Domingos estava inserido nesse contexto e se tornou um representante dessa geração, que fazia circo sob a lona e também nos palcos dos teatros”, aponta Carvalho. “Graças a artistas como Domingos, voltamos a assistir espetáculos circenses inovadores”, acrescenta.
 
O ator aprendeu a arte da palhaçaria em 1989, com Roger Avanzi, o lendário Picolino II, e teve duas temporadas de treinamento com Leris Colombaioni, descendente de famílias de saltimbancos medievais, os Delacqua e os Travaglia. O pai de Leris, Nani Colombaioni, referência do teatro cômico mundial, prestou consultoria técnica para o filme “I clowns”, do diretor italiano Federico Fellini.

ANOS DE FORMAÇÃO

Entre 1995 e 1996, Domingos Montagner estudou em uma das mais importantes escolas de circo do mundo, fundada há quase cinco décadas: a Académie Fratellini, em Saint-Denis, cidade vizinha de Paris, na França. 
 
Ele foi também desenhista e assinou o material gráfico dos dois primeiros espetáculos que integrou, ainda de forma amadora – “Adolescentes”, em que dirigiu seus alunos de educação física na Escola Pacaembu, em 1987, e “Maroquinhas fru-fru”, encenado pela diretora Myrian Muniz em 1989 e que marcou sua estreia nos palcos.
 
Carvalho observa que a história do circo é apresentada em um amplo panorama, mas não se sobrepõe à biografia. “Eu não abandono Domingos, a narrativa não se perde. Desde a infância de Domingos, quando era chamado de Mingo, até o momento em que se tornou uma grande celebridade da TV, o circo está presente; é o pano de fundo de todo o livro”, salienta.
 
O autor afirma que, quando o foco sai de seu biografado, é para recair sobre figuras importantes para sua trajetória, como Zé Wilson Moura, criador do Circo Escola Picadeiro, onde, em 1989, Domingos conheceu Fernando Sampaio. 
 
“É importante destacar o trabalho do Zé Wilson porque o Circo Escola Picadeiro hoje está em dificuldades, mas ele formou grandes talentos para o teatro, o cinema e a TV, gente que, de saída, mudou a cara do circo no Brasil. É um personagem importante da cultura brasileira que merece ser comemorado por seu trabalho.”
 
A biografia revela, segundo Carvalho, que Domingos nunca havia imaginado se tornar galã, ainda mais a caminho de completar 50 anos. O autor aponta que uma passagem interessante do livro é quando o pesquisador de elenco da Rede Globo Zeca Bittencourt estava procurando atores cômicos e, na esteira do sucesso de “A noite dos palhaços mudos” – espetáculo de maior repercussão da La Mínima, baseado na HQ original da cartunista Laerte –, foi ao encontro do ator no teatro.

PALHAÇO E GALÃ

“Zeca foi conversar com Domingos no camarim, depois do espetáculo, e enquanto tirava a maquiagem de palhaço, ele viu o galã aparecer; disse que no palco, caracterizado, ele parecia uma criança grande e que ali, sem maquiagem, ele era um Russell Crowe, tinha cara de gladiador”, conta.
 
“Naquele momento começou essa dualidade entre o palhaço e o galã, que incomodava um pouco o Domingos, mas que também é parte da história do circo, que em seus formatos mais antigos tinha esquetes cômicas seguidas de um dramalhão, quer dizer, os palhaços já tinham também esse viés do galã”, aponta.
 
Carvalho comenta que, devido ao seu impacto e repercussão, o episódio da morte de Domingos no rio São Francisco, quando nadava acompanhado de Camila Pitanga, sua colega de elenco, num intervalo das gravações, não poderia ficar de fora da biografia, mas está longe de ser algo central ou que se estenda por muitas páginas.
 
“Apesar de ter sido uma tragédia, que causou comoção nacional, porque Domingos era o protagonista da novela, não é o mais importante do livro. Procurei dar para essa biografia um final feliz, porque entendo que a arte transcende a vida. Domingos, como o grande artista que foi, está aqui entre nós. Sua obra permanece e eu espero que o livro contribua para ressaltar esse legado.”


Capa da biografia de Domingos Montagner
(foto: Reprodução)

 
"DOMINGOS MONTAGNER - O ESPETÁCULO NÃO PARA"
Autor: Oswaldo Carvalho
Editora Máquina de Livros (352 págs.)
R$ 69 e R$ 49 (e-book)
 
Vestido como vaqueiro, Domingos Montagner olha com expressão séria para a câmera em cena de Cordel encantado
(foto: Zé Paulo Cardeal/Divulgação)
 
 

 
MÍNIMOS DETALHES

 
Confira algumas curiosidades contidas na biografia "Domingos Montagner – O espetáculo não para"
 
Os collants das primeiras apresentações da La Mínima, em que Domingos e Fernando Sampaio faziam duas bailarinas atrapalhadas, estão guardados como relíquias no Centro de Memória do Circo, no Largo do Paissandu, em São Paulo.
 
As gravações, na Rede Globo, de “Cordel encantado” (2011), primeira novela de Domingos – pela qual ganhou diversos prêmios como ator revelação –, eram dignas dos filmes de ação de Hollywood. A mula que o ator montava o derrubou longe e ele só não se machucou porque aprendera a cair em pé no circo. Mais tarde, teve ferimentos leves com seu figurino, um pesado gibão de couro cravejado de adornos em metal, numa cena de luta entre seu personagem, o Capitão Herculano, e Jesuíno, vivido por Cauã Raymond. 
 
Foi o próprio Domingos que treinou Ingrid Guimarães para as cenas de trapézio no filme “Um namorado para minha mulher”, de 2016. A atriz morria de medo de altura, mas se acalmou com as aulas que recebeu.
 
Domingos estava cansado de ser chamado apenas para papéis de galã na TV. No início de 2016, meses antes de morrer, ele tinha acertado com o diretor Maurício Farias o seu primeiro papel cômico na Globo, no remake de “Shazan, Xerife & Cia”, infantil estrelado por Paulo José e Flávio Migliaccio em 1972. 


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