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Estado de Minas CINEMA

O centenário Pier Paolo Pasolini tem muito a dizer ao século 21

O diretor e escritor italiano questionou a burguesia, a hipocrisia dos católicos e a exclusão social em seus filmes. Plataforma Mubi exibe obras-primas dele


08/03/2022 04:00 - atualizado 08/03/2022 07:53

Diretor Pier Paolo Pasolini, de óculos escuros, é fotografado de lado
O olhar político de Pier Paolo Pasolini, em sua vasta obra, fez dele um dos artistas mais polêmicos do século 20 (foto: AFP/1974)

Pier Paolo Pasolini, que completaria 100 anos no último sábado (5/3), deixou legado que dialoga plenamente com o século 21. A obra do “enfant terrible” da literatura e do cinema italiano – cujo assassinato, em 1975, nunca foi esclarecido – continua a alimentar sua lenda.

Poeta, escritor, cineasta, dramaturgo, crítico, ator, jornalista, “PPP” se destaca pela pesquisa formal e o compromisso político. Sua obra é uma espécie de evangelho escrito por um apóstolo agnóstico, marxista e gay.

COCTEAU E GENET 

Em 20 anos de atividade artística, Pasolini, comparado com frequência a Jean Cocteau e a Jean Genet, provocou violentas controvérsias por suas críticas à burguesia, à censura cristã e à ameaça neofascista.

Seus versos, prosa, teatro, filmes e crônicas constituem uma poética sombria, na qual este amigo de Jean-Luc Godard e Federico Fellini questiona a modernidade de uma Itália ao mesmo tempo milenar e adolescente. Ainda rural e pobre, o país começava a descobrir os eletrodomésticos, a televisão, o automóvel individual, mas também o desemprego, os bairros marginais, as classes desfavorecidas.

“Lincoln aboliu a escravidão, a Itália a restabeleceu”, afirma o protagonista de “Accattone – Desajuste social” (1961), seu primeiro filme, sobre um cafetão da periferia, no qual Pasolini retrata o chamado milagre econômico do ponto de vista dos esquecidos e marginalizados.

“Ele buscou durante toda a vida um mundo arcaico, pré-industrial, pré-globalizado, que considerava inocente”, explica a escritora italiana Dacia Maraini, amiga do diretor e coautora do roteiro do filme “As mil e uma noites”, lançado em 1974.

Pasolini tinha fama em seu país pelos poemas (“L'usignolo della chiesa cattolica”, “La nuova gioventù” e, sobretudo, “Le ceneri di Gramsci”), mas no exterior se destacou como cineasta. O diretor passou do realismo (“Accattone”, “Mamma Roma”) à adaptação simbolista de obras de Boccaccio, Sófocles e Sade.

Fez 23 filmes, incluindo o transgressor “Salò ou os 120 dias de Sodoma”, livre adaptação do livro do Marquês de Sade ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, lançada três semanas após seu assassinato.

Também dirigiu “O evangelho segundo São Mateus” (1964), vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza; “Teorema” (1968); “Medeia” (1969), com Maria Callas; e “Decameron” (1971), premiado em Berlim.

Em seus livros (“Meninos da vida”, “Uma vida violenta”), Pasolini fala do fascínio pelos jovens e pela língua particular dos subúrbios romanos, que lhe lembrava a língua materna da região de Friuli e seu início como poeta dialetal.

O ciclo de romances termina com o inacabado “Petróleo”, cujas revelações em um capítulo supostamente perdido podem ter provocado sua morte, de acordo com teoria não provada.

Em sua última entrevista, concedida em Paris a Philippe Bouvard, em 31 de outubro de 1975, Pasolini resumiu: “Escandalizar é um direito. Escandalizar-se é um prazer”.

O cineasta e escritor foi morto na madrugada de 1º para 2 de novembro de 1975, em uma praia de Ostia, perto de Roma. A Itália vivia os “anos de chumbo”. Terroristas executavam assassinatos e atentados.

Pino Pelosi, garoto de programa de 17 anos, foi condenado pelo crime. Ele disse que brigou com Pasolini porque rejeitou suas insinuações sexuais. Anos depois, mudou essa versão, que nunca teve muito crédito na Itália.

Franco Citti e Franca Pasut em 'Accattone - Desajuste social'
Franco Citti e Franca Pasut em 'CAccattone - Desajuste socia', primeiro filme de Pasolini (foto: Mubi/divulgação)


MISTÉRIO 

O enigma permanece, 46 anos depois. Crime cometido por membros de gangues aterrorizados ou assassinato político?

“Houve duas interpretações simultâneas de sua morte: martírio, totalmente de acordo com sua poesia e o lado sombrio e suicida de certos textos, e crime político”, afirma René de Ceccatty, biógrafo e tradutor de Pasolini.

“Transformá-lo em vítima da política o envelhece, transformá-lo em vítima sacrificial empobrece sua obra, porque é um trabalho muito sombrio, ao mesmo tempo cheio de vitalidade desesperada”, explica Ceccatty.

Várias homenagens ocorrerão na Itália e em outros países. Em Los Angeles, retrospectiva de filmes de Pasolini está em cartaz até sábado (12/3), graças ao acordo entre Cinecittà e Academy Museum of Motion Pictures. 

NO BRASIL

A plataforma de streaming Mubi homenageia Pier Paolo Pasolini exibindo três filmes dele.  “Accattone – Desajuste social” (1961), estrelado por Franco Citti, já está disponível. “O evangelho segundo São Mateus” (1964), programado para 14 de março, aborda o radicalismo político da vida de Jesus Cristo. Inspirado no clássico de Sófocles, “Édipo rei” (1967), em cartaz a partir de 29/3, transporta o mito grego para a Itália dos anos 1920 a 1960. Informações: mubi.com


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