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Estado de Minas MEMÓRIA

Colegas de Eneida Maria de Souza lamentam a morte da intelectual brilhante

Professora emérita da UFMG, especialista em modernismo, ela formou e influenciou gerações de alunos e era uma referência em literatura comparada no Brasil


03/03/2022 04:00 - atualizado 03/03/2022 07:53

Sentada numa cadeira, de perfil, com as mãos apoiadas no espaldar, Eneida Maria de Souza olha para a câmera
A professora Eneida Maria de Souza, que morreu na última terça-feira, de câncer, aos 78 anos (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)

"Uma pesquisadora de trajetória brilhante, impecável e muito ética, com dedicação incomum ao ensino na universidade pública." É assim que o professor Wander Melo Miranda, da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG, define a professora Eneida Maria de Souza, com quem conviveu por mais de cinco décadas. 

"Ela formou várias gerações de pesquisadores, das quais tenho a honra de fazer parte. Eu a conheci no início dos anos 1970, quando entrei na faculdade, e depois ela se tornou uma amiga muito querida e presente."

Eneida Maria de Souza morreu na última terça-feira (1º/3), aos 78 anos, em decorrência de um câncer do endométrio. Vinculada à Fale e emérita da UFMG, ela era considerada a maior especialista brasileira na obra de Mário de Andrade (1893-1945) e uma das maiores referências da teoria literária no Brasil.

Amigos e colegas da universidade lembram da professora e pesquisadora com carinho e admiração. "Sou um dos professores formados pela Eneida", afirma Wander. "Ela teve uma importância fundamental para várias gerações de alunos. Uma importância não só nacional, como internacional. Raras vezes encontramos uma crítica com a erudição dela, com a capacidade de conceituar e analisar a partir de uma perspectiva muito bem fundamentada."

Ele relembra que Eneida Maria de Souza foi uma das responsáveis por fazê-lo ter interesse em seguir a carreira acadêmica. "Quando entrei para a graduação, fiz uma disciplina que ela ofertava. Depois disso, sempre que podia, pegava matérias optativas com a Eneida. Isso me levou a fazer o mestrado na UFMG. Ela foi parcialmente a minha ori- entadora, porque teve que ir para Paris fazer seu doutorado. Gosto de dizer que ela influenciou não só a minha trajetória, como o meu modo de pensar."

"[Ela] abriu caminho para uma compreensão mais ampla da literatura e da cultura como parte da nossa vida comum. Tinha temperamento forte, alegre, sensível, amava a vida, que compartilhava com seus inúmeros amigos e amigas em conversas nas quais demonstrava toda a sua inteligência, generosidade e afeto. Vai nos fazer falta, muita falta mesmo", afirma Wander.

"Ela teve uma importância fundamental para várias gerações de alunos. Uma importância não só nacional, como internacional. Raras vezes encontramos uma crítica com a erudição dela, com a capacidade de conceituar e analisar a partir de uma perspectiva muito bem fundamentada"

Wander Melo Miranda, professor titular da UFMG



REFERÊNCIA 

A professora Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da UFMG, chama a atenção para a influência da pesquisadora no meio acadêmico. "Eneida sempre foi uma referência nacional e internacional no campo dos estudos literários e dos estudos da cultura. Foi responsável por algumas das publicações mais relevantes nesse campo. Uma mente brilhante, uma das pessoas mais generosas que conheci e uma amiga sempre presente", ela afirma, em nota divulgada no portal da universidade.

"Mesmo aposentada há vários anos, continuou muito ativa. Foi responsável pela formação de grande número de estudantes e fazia questão de levar o nome da UFMG aonde fosse. Eneida nos fará muita falta e deixa muita saudade”, declara Sandra.

A professora Sueli Coelho, diretora da Fale, lamenta que a morte de Eneida aconteça no ano do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, tema no qual era considerada uma das principais referências. "Sua relação com o Modernismo brasileiro começou nos estudos de doutorado, na década de 1980, e culminou com a publicação de 'Narrativas impuras', coletânea de ensaios lançada no fim do ano passado e que reflete parte representativa de sua trajetória acadêmica nos últimos anos", ela afirma, em nota.

"A Faculdade de Letras se despede, com muito pesar, de Eneida Maria de Souza. Esta é, sem dúvida, uma grande perda não só para a nossa comunidade, como também para o campo da teoria literária, que perde um de seus expoentes", acrescenta Sueli.

CONQUISTAS 

Colega da professora e pesquisadora na Fale, o professor Georg Otte relembra que Eneida Maria de Souza teve um papel importante na criação do doutorado em literatura comparada, em 1985. Ela também trabalhou ativamente na criação do Acervo de Escritores Mineiros, espaço permanente de exposição e pesquisa que abriga acervos e coleções de livros, documentos e objetos de escritores, artistas e personagens de destaque na história literária e cultural de Minas Gerais e do Brasil.

"Sua produção revelava familiaridade com autores como (os filósofos) Walter Benjamin, Jacques Derrida e Michel Foucault, e, ao mesmo tempo, sua vontade de integrar a cultura popular em seus estudos, que resultaram em inúmeras publicações no âmbito da crítica cultural. A faculdade perde uma grande intelectual, que, apesar de grandes conquistas pessoais, sempre deu prioridade aos interesses institucionais", afirma Georg.

A escritora e professora Maria Esther Maciel prestou homenagem a Eneida por meio de suas redes sociais. "Estou triste demais com a partida de minha mestra e amiga Eneida Maria de Souza", lamentou. "[Ela] esteve presente em todos os momentos importantes de minha vida acadêmica e pessoal nas últimas décadas. Era uma intelectual brilhante, com uma vitalidade invejável, sempre animada e divertida, à frente de seu próprio tempo. Vai deixar uma saudade imensa. Você estará sempre aqui, querida Eneida. Obrigada por tudo!"

"Sua produção revelava familiaridade com autores como (os filósofos) Walter Benjamin, Jacques Derrida e Michel Foucault, e, ao mesmo tempo, sua vontade de integrar a cultura popular em seus estudos, que resultaram em inúmeras publicações no âmbito da crítica cultural. A faculdade perde uma grande intelectual, que, apesar de grandes conquistas pessoais, sempre deu prioridade aos interesses institucionais"

Georg Otte, professor titular da UFMG



CARREIRA 

Nascida em Manhuaçu, cidade da Zona da Mata mineira, Eneida Maria de Souza cresceu sob a influência da mãe, professora de português, e do pai, que gostava de ler. "Eu tinha uma biblioteca em casa. Li toda a obra do Monteiro Lobato durante o curso primário", ela afirmou em 2013, em entrevista à revista Diversa.

Em 1968, já em Belo Horizonte, formou-se no curso de letras da Universidade Federal de Minas Gerais. No mesmo ano, foi aprovada em concurso para lecionar na própria UFMG. Em 1975, defendeu sua dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) sobre a obra do escritor mineiro Autran Dourado (1926-2012).

Em seguida, defendeu o doutorado na Universidade Paris 6, na França, época em que iniciou os estudos sobre o Modernismo e, em especial, o livro "Macunaíma" (1928), de Mário de Andrade. A tese deu origem ao livro "A pedra mágica do discurso", publicado pela Editora UFMG.

Em 1985, ao lado de Ana Lúcia Gazzola, Vera Casanova e Ruth Silviano Brandão, fundou o doutorado em literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG. No final da década de 1980, presidiu a Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic).

Em 1989, fundou o Acervo de Escritores Mineiros, juntamente com Wander Melo Miranda e a também professora da Faculdade de Letras da UFMG Melânia Silva de Aguiar.

Eneida Maria de Souza publicou dezenas de títulos, entre os quais "Crítica cult" (Editora UFMG, 2002), "Pedro Nava: O risco da memória" (Funalfa, 2004) e "O século de Borges" (Editora Autêntica, 2009).

Ela organizou a publicação "Mário de Andrade e Henriqueta Lisboa – Correspondências" (Edusp/Peirópolis, 2010), que conquistou o segundo lugar no Prêmio Jabuti 2011, categoria Biografia.

No ano passado, Eneida lançou "Narrativas impuras", coletânea de ensaios sobre Mário de Andrade, e foi agraciada com o Prêmio Tania Carvalhal, concedido pela Abralic, em reconhecimento ao papel por ela cumprido na "consolidação da literatura comparada em nosso país".


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