Após sucessivas tragédias em sua vida, Anderson (Luiz Machado) se torna morador de rua, transitando entre o delírio e a lucidez para se manter vivo. A premissa do monólogo “Nefelibato” revela uma realidade que muitas vezes se faz invisível no Brasil e traz reflexões para o tempo presente em meio à crise da pandemia de COVID-19. A temporada híbrida – realizada simultaneamente no Teatro Petra Gold, no Rio de Janeiro, e transmitida de forma on-line – estreia nesta quarta-feira (7/07), com ingressos pelo Sympla.
A peça, escrita pela mineira Regiana Antonini, completa cinco anos em cartaz em 2021 e marca o primeiro solo do ator Luiz Machado. A trama é ambientada nos anos 1990, após a crise econômica do Plano Collor, que confiscou grande parte da poupança dos brasileiros e gerou severas consequências sociais no país. O protagonista Anderson perdeu sua empresa, todas as economias, um parente próximo, o grande amor da sua vida e enlouqueceu. Por isso, o personagem acaba indo morar na rua.
“Na verdade, ele resolve se enlouquecer com a maior lucidez possível para poder sobreviver”, conta Luiz Machado, de 45 anos. O termo “nefelibato” descreve uma pessoa que anda ou vive nas nuvens. Para o ator, o personagem decide “viver em cima, para não lidar com o que esta embaixo”.
“Para escapar de todos os problemas, o Anderson resolve se isolar. Ele não quer participar de nada, deixou parte da família para trás e foi morar na rua, no seu carrinho, para viver o seu sonho emocional ali dentro, pegando as passagens boas que teve durante a vida, antes do Plano Collor”, descreve.
''Construir dentro da loucura é sempre muito bom, porque a loucura permite infinitas possibilidade''
Luiz Machado, ator
PARALELOS
Segundo o ator, o espetáculo apresenta uma visão singular em relação à realidade brasileira, que cada vez mais traz paralelos com o momento atual. A peça apresenta os motivos pelos quais o protagonista vai parar naquela situação caótica, em meio ao governo de Collor (1989-1992), mas também discute as relações humanas, os preconceitos e a forma como as pessoas agem.“A peça acaba sendo atemporal. O Collor é um fato fechado, que marcou a política brasileira. A gente não faz uma crítica objetiva de hoje, mas fala que o que aconteceu há 30 anos é a mesma coisa que acontece hoje, só que de formas diferentes”, comenta o ator.
Luiz Machado define “Nefelibato” como um “divisor de águas” em sua carreira, que, inclusive, tirou o rótulo humorístico de seu trabalho em produções como “Zorra total” e “A grande família”, ambas na Globo, e “Cilada”, no Multishow. Para fazer o papel, o ator buscou emergir na realidade dos moradores de rua e conversou com muitos deles durante o processo.
“Eu só não dormi na rua porque a minha esposa e o diretor não deixaram”, confessa. Nos encontros, Luiz conheceu um morador de rua que ficava na sua esquina. Ao perguntar os motivos que o levaram àquela situação, o ator ouviu a trágica história de um garçom que, ao voltar do trabalho, encontrou a casa em chamas e perdeu toda a família. “E você não quer que eu esteja aqui (na rua)?”, provocou.
O ator identificou a trajetória e problema emocional dele com a realidade de seu personagem em “Nefelibato”. Segundo ele, a principal mensagem transmitida pela peça é que “todos nós somos humanos e nem tudo é planejado”. “A vida é muito duvidosa, às vezes, vem uma pessoa do nada e detona ela. Mostra que a vida é uma coisa de que você não tem certeza de nada, tudo é possível”, completa.
Ao encenar uma realidade absolutamente distante da sua, Luiz Machado conta que aprendeu muito com Anderson nos últimos cinco anos. No solo, os lampejos entre delírio e lucidez ficam evidentes em seus olhos. Em alguns momentos, o ator chega a salivar enquanto grita no palco. “Construir dentro da loucura é sempre muito bom, porque a loucura permite infinitas possibilidades”, destaca o ator, que considera a peça como a mais importante da sua carreira teatral.
A estreia da temporada marca o reencontro do ator com a plateia nos teatros – desde fevereiro de 2020 ele não se apresentava com público. Nesse período, “Nefelibato” fez uma única apresentação on-line, na programação do Pocket Cultural, do Firjan Sesi Cultural, em 17 de junho deste ano. Luiz Machado se diz aliviado com a possibilidade de apresentar um espetáculo híbrido.
Ele admite que tem dúvidas em relação à presença do público em meio à pandemia de COVID-19, mas não se preocupa com a possibilidade de encontrar a plateia vazia. “No teatro, às vezes, você está com a casa cheia, às vezes com a casa vazia. É uma caixinha de surpresas. É sempre bom ter muita gente na plateia, mas isso é uma coisa que não me preocupa muito em termos técnicos, de atuação. É um personagem que tem interação com a plateia, mas não precisa disso para prosseguir o espetáculo”, conclui.
“Nefelibato”
Nova temporada começa nesta quarta-feira (7/07), com exibições virtuais também em 14, 21 e 28 de julho, às 19h. Ingressos on-line, a partir de R$ 20, pelo Sympla
*Estagiário sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro