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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

Mesmo com a Lei Aldir Blanc, circos continuam vivendo na corda bamba

Trupes mineiras que tiveram acesso ao benefício se reequilibraram apenas temporariamente e mas seguem sem perspectiva de retomar as atividades (e as receitas)


25/01/2021 04:00 - atualizado 25/01/2021 08:27


Um respiro para seguir em frente na batalha contra as dificuldades impostas pela pandemia do novo coronavírus. Assim foi a Lei Aldir Blanc para muitos artistas circenses em Minas Gerais neste começo de ano. Com seus trailers estacionados pelo interior do estado desde março de 2020, quando as atividades foram suspensas, trupes enfrentaram períodos de extrema dificuldade, mas  contaram com a solidariedade da população.

O acesso ao benefício estatal só foi possível, em muitos casos, com ajuda especializada, já que o processo burocrático para a obtenção dos recursos (R$ 7,8 milhões, no total) se revelou excludente para um setor artístico tão fragilizado. Com o uso da lei emergencial, 623 circenses de 62 municípios mineiros obtiveram aprovação para receber o auxílio. A incerteza quanto ao futuro, no entanto, permanece, neste momento em que Minas Gerais enfrenta sua segunda onda de contaminação pela COVID-19.

Foram lançados três editais específicos destinados ao circo pela Lei Aldir Blanc no estado. Um para pessoas físicas responsáveis por circos itinerantes, que reservou R$ 1,9 milhão para 55 projetos aprovados; outro selecionou 623 projetos (entre 690 possíveis) para bolsas individuais, no valor bruto de R$ 8 mil, para a área artística, técnica e de produção cultural; e um terceiro disponibilizou o total de R$ 1,3 milhão para 43 escolas, espaços e trupes circenses.

A previsão da Secretaria de Cultura estadual é concluir em fevereiro o repasse da verba, aportada pelo governo federal. Segundo Sula Mavrudis, presidente da Rede de Apoio ao Circo e diretora da área no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Minas Gerais (Sated-MG), todos os 68 circos mapeados pela Rede em Minas, “foram contemplados direta ou indiretamente”. Mas ela afirma que isso só foi possível com a ajuda de uma produtora responsável por elaborar os projetos.

“De certa forma, essa foi a única ajuda do governo para os circos. A maioria dos circenses foi contemplada, aprovando projetos nos editais. Mas, como a Lei Aldir Blanc demorou muito a ser aprovada e regulamentada, surgiram critérios dificultadores para o acesso dos artistas. O edital em si já é complicado, pela estrutura da plataforma, com tudo feito pela internet, com difícil acesso para quem não domina a tecnologia”, comenta Sula.

Ela conta que a exigência de uma Certidão Negativa de Débito (CND) para a aprovação dos projetos acabou se tornando um empecilho. “As pessoas do circo, como são itinerantes, têm carros, cada circo tem seu caminhão, sua carreta. Como estavam há muito tempo sem atividade e sem receita, ficaram devendo IPVA e aí não conseguiam a CND.”

SENSIBILIDADE

Embora valorize a iniciativa governamental, Sula Mavrudis espera que “os próximos editais tenham uma sensibilidade maior com os povos tradicionais”, lembrando também de quilombolas e indígenas, além dos circenses.

"Muitas dessas pessoas não estão preparadas para esse tipo de empecilho. Elas tinham que ser amparadas, pois foram impedidas de trabalhar. Deveria haver algum outro tipo de cadastramento. Os circenses em Minas só entraram nesses editais porque nós, da Rede de Apoio ao Circo, ajudamos e indicamos um grupo de pessoas que pôde elaborar os projetos para eles. Não fosse isso, apenas os grandes grupos seriam aprovados nos editais”, afirma a presidente da Rede de Apoio ao Circo.

A ajuda aos circenses para desembaraçar os trâmites burocráticos veio da Nonada Criações, especializada em produção cultural, desenvolvimento e gerenciamento de projetos. “Especialmente no setor do circo, algumas questões sempre foram problema em editais, como comprovação de endereço, já que muitos são itinerantes. Mas, neste edital especificamente, tinha um problema que era a burocracia no sistema de inscrição e contratualização”, afirma Carola Castro, produtora integrante da Nonada Criações.

“Estamos falando de uma porcentagem alta de analfabetos e semianalfabetos nesse segmento e de pessoas sem familiaridade ou acesso à tecnologia, sem computador, sem conexão, sem centros culturais abertos para amparar. A primeira resposta era que quase ninguém ia se inscrever, nem 10%. Foi quando a Sula e o Sated entraram em contato e pediram nossa ajuda”, conta.

Durante dois meses, Carola e sua equipe fizeram um atendimento personalizado junto às famílias mapeadas pela Rede de Apoio ao Circo, viabilizando as aprovações de 511 inscritos para bolsas individuais, 55 na categoria de circos itinerantes e sete enquadrados como escolas de circo, espaços e trupes. O índice de aprovação das inscrições realizadas pela força-tarefa da Nonada foi de 95%. A empresa cobrará uma taxa simbólica dos indivíduos beneficiados, depois que eles receberem a verba do estado.

ASSISTÊNCIA

O secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, reconhece as dificuldades e garante novos esforços da Secult para democratizar o acesso aos recursos de fomento à cultura no estado. “Demos uma assistência quase pessoal. Atendemos, ajudamos muito na elaboração dos projetos, o que nem é nossa obrigação. A Lei Aldir Blanc destampou um problema imenso. Se não o solucionarmos, só os grandes produtores vão ganhar os editais, sempre”, diz.

A Secult planeja agora “um chamamento para contratar 500 oficineiros e fazer uma revolução na formação e na produção de conhecimento do fazer artístico dos indivíduos e das comunidades, pensando na formação técnica de como elaborar projeto, regularizar documentação, obter CND e inscrever no sistema da secretaria", afirma Oliveira.

Por outro lado, o secretário vê avanços no amparo ao setor. “Antes, já havíamos feito o edital Arte Salva, que destinou recursos e alimentos para 850 famílias circenses. Com a Aldir Blanc, os circos nunca tinham recebido tanto dinheiro. Então, graças a Deus, conseguimos um atendimento amplo, sobretudo para circos com mais dificuldades, num conjunto de ações envolvendo prefeituras, doando alimentos, e dando aos circos a possibilidade de se renovar, consertar lonas e carros, entre outras despesas, além de ter montado um banco de dados que facilitará futuras ações.”

A troca de gestões municipais na virada do ano trouxe novos desafios. Circos que tinham acordos com os governos anteriores de permanência na cidade tiveram que renegociar isso com novos prefeitos. Em alguns casos, a intermediação do governo do estado foi necessária.

Apesar do alívio proporcionado pelo acesso à Lei Aldir Blanc, que se deu via prefeitura por alguns circenses, a preocupação entre os artistas é grande. Erli Miranda, representante legal do Circo Mundo Encantado, relata que a trupe teve de deixar Varginha, onde se encontrava no início da pandemia, rumo a Taubaté, no interior de São Paulo.

Segundo ela, o grupo se apresentou na cidade mineira no formato drive-in durante a pandemia, o que gerou despesas altas e quase nenhum retorno. A circense diz que o dinheiro obtido via Lei Aldir Blanc “já acabou”, tendo sido suficiente apenas para pagar dívidas contraídas no período. Ela conta que a família tem sobrevivido vendendo alimentos feitos por eles.

Dos 20 integrantes do Circo Mundo Encantado, apenas oito conseguiram o benefício individual, de R$ 8 mil, de acordo com Erli. Ela comenta que, antes do repasse, são descontados aproximadamente R$ 2 mil em impostos, o que ela julga errado. “É uma falta de ética descontar imposto de uma verba que é emergencial para quem passa dificuldade", diz. O Mundo Encantado foi aprovado no edital de circo itinerante, que dava a quantia bruta de R$ 29 mil, dos quais os tributos também são subtraídos. O grupo contou com a ajuda da Nonada Criações.

A perspectiva do retorno também preocupa a circense. “Não sabemos quando teremos público, mas sabemos que teremos gastos ainda maiores com estrutura, higienização, protocolos, tudo isso custa.”


Festival Mundial de Circo
recebe inscrições até sexta

Apesar da pandemia, o Festival Mundial de Circo, realizado em Belo Horizonte e cidades do interior de Minas Gerais desde 2001, terá sua 20ª edição neste ano. Porém, totalmente on-line. Grupos e artistas interessados em participar devem preencher o formulário de inscrição até a próxima sexta (29/1), no site www.festivalmundialdecirco.com.br. A inscrição é aberta a qualquer artista ou grupo, nacional e internacional, independentemente do número de integrantes e da técnica circense apresentada. Serão selecionadas criações circenses em duas categorias: até sete minutos de duração e até 15 minutos de duração.


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