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Estado de Minas NA PANDEMIA

Obrigados a parar onde estavam, 68 circos em Minas dependem de doações

Sem renda, trupes precisam da ajuda da população e do governo para ter acesso a luz, água, comida, remédios e afastar a ameaça de despejo


31/05/2020 04:00

Estacionado em Contagem, o Circo Castelli é um dos 68 grupos cuja atividade foi suspensa pela pandemia em Minas Gerais, segundo levantamento do Sated(foto: Fotos: Circo Castelli/Divulgação)
Estacionado em Contagem, o Circo Castelli é um dos 68 grupos cuja atividade foi suspensa pela pandemia em Minas Gerais, segundo levantamento do Sated (foto: Fotos: Circo Castelli/Divulgação)

“A vida do artista de circo é a lona. Não ver a lona é um grande vazio. O trailer é um lugar de dormir, não de viver”, afirma Sula Mavrudis, presidente da Rede de Apoio ao Circo e diretora do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Minas Gerais (Sated-MG), voltada à atividade circense. Porém, viver no trailer é hoje a realidade de ao menos 68 circos no estado catalogados por Sula. A pandemia do novo coronavírus impôs dificuldades severas para toda a classe artística, com o veto a aglomerações e, portanto, à reunião de plateias. Para quem já vivia uma rotina complicada mesmo antes de a crise sanitária obrigar a suspensão das atividades e, com isso, zerar a entrada de receitas, o momento é de ainda mais angústia. No caso dos artistas circenses, forçosamente estacionados pelas cidades de Minas, a situação só não é mais grave em razão da solidariedade da população e do próprio setor, que se articula para sobreviver.

“Algumas famílias de artistas têm conseguido acesso a água e luz nas cidades porque estão podendo contar com a solidariedade de vizinhos. Como os circos são itinerantes, sempre com alvarás provisórios, essas instalações são pagas adiantadamente quando o circo chega, para fazer a temporada. Com a pandemia, muitos foram pegos de surpresa”, explica Sula. Sem receita de bilheteria dos espetáculos, muitos grupos estão numa situação difícil para negociar taxas e condições de permanência. Segundo a diretora do Sated, a energia elétrica é cobrada dos grupos de circo com tarifa comercial, chegando a custar até R$ 600 semanais. Sula relata ainda que não ter um município fixo de residência dificulta o acesso dos circenses ao auxílio emergencial do governo federal. 

Os problemas não param por aí. “Muita gente tem medo de que o circo não vá embora, já teve trupe retirada do terreno onde estava ou pressionada a ir embora. É uma preocupação injustificada, pois o circense é nômade. O maior medo dele é justamente ter que ficar parado, como agora”, diz.

A trupe do Circo Castelli, que conta com 25 pessoas, entre adultos e crianças, vem recebendo doações, mas não sabe quando voltará a ter renda
A trupe do Circo Castelli, que conta com 25 pessoas, entre adultos e crianças, vem recebendo doações, mas não sabe quando voltará a ter renda


PATATI PATATÁ 

O Circo Mundo Encantado, atualmente em Varginha, no Sul do estado, é um dos 68 estacionados em Minas. A trupe chegou à cidade em 10 de março e faria três apresentações com a famosa dupla Patati Patatá, mas logo encontrou a nova realidade imposta pela COVID-19, com espetáculos cancelados e deslocamentos dificultados.

Segundo Erli Miranda, representante legal do Mundo Encantado, as coisas não ficaram piores porque o circo foi autorizado a permanecer no estacionamento do shopping onde havia montado sua estrutura, sem cobrança. “Foram muito bons com a gente, dando apoio e acesso à água. A Cemig continuou cobrando a energia, e um empresário  nos deu auxílio jurídico para não haver corte. Estamos vivendo de ajuda da população, loja maçônica, igrejas, que trazem alimentos, remédios, porque a prefeitura não dá nada, apenas sete cestas básicas. É um descaso total. Se não fosse a população, estaríamos passando necessidade”, afirma Erli, que está ao lado de outros 19 integrantes do circo, entre artistas e funcionários.

ASSISTÊNCIA 

A Prefeitura de Varginha nega que tenha se omitido. Segundo sua assessoria de imprensa, “a prefeitura dá assistência desde que as atividades paralisaram”. A Secretaria de Desenvolvimento Social diz que eles recebem sete cestas básicas por mês, “sendo que o cálculo é de uma para cada quatro membros da família, então estão recebendo até mais, além de materiais de limpeza”. E a Secretaria de Saúde “ assiste com medicamentos, quando necessários”.

A gestão municipal informou que não há política de assistência específica para circenses, mas diz que o Executivo elaborou a minuta de uma lei que dispõe sobre a atividade circense, em análise pela Procuradoria-geral do município. Apesar dessa discordância, segundo Erli Miranda, o circo e a Prefeitura de Varginha chegaram a um entendimento nos últimos dias para a realização de um espetáculo drive-in em junho, no parque de exposições da cidade.

Há 15 anos rodando o Brasil com um espetáculo montado em ginásios, e não sob a lona convencional, a trupe catarinense Holinger Circo Show chegou a Lambari, no Sul de Minas, em fevereiro passado. Além da paralisação por causa da pandemia, o grupo teve toda a sua estrutura roubada na cidade mineira, em abril.

“Meu baú-reboque ficava estacionado em frente ao apartamento onde eu dormia com minha família. À noite, engataram um carro e levaram tudo. Todo o meu equipamento estava lá – som, cenário, maquinário, lanchonete. Perdi tudo”, relata Johnny Palacios, que viaja com a esposa e duas filhas. Segundo ele, a polícia local deu apoio imediato, mas não localizou o veículo. Ele reclama que não teve assistência das autoridades municipais e que teria um custo de R$ 20 mil para remontar o show. “Pago aluguel do ginásio, taxa de incêndio, não temos isenção de nada. Vamos batendo no peito para não deixar morrer”, diz o artista, que, inicialmente, teve uma redução no valor do aluguel cobrado no apartamento onde está. No entanto, o proprietário solicitou o imóvel de volta.

 A Secretaria de Assistência Social de Lambari afirma que disponibiliza cestas básicas padrão à população em situação de risco e ofereceu esse auxílio ao artista. Também foi informado que não há no município uma política específica para artistas circenses e que o valor máximo oferecido pelo município de auxílio-moradia é R$ 350, menos da metade dos quase R$ 900 cobrados no imóvel que Johnny Palacios aluga. “Eles não são pessoas que estão satisfeitas com essa situação de ficar à espera de receber ajuda. São pessoas que trabalham, e muito, de maneira honesta e bonita. Muitos têm tentado alternativas, trabalhando no semáforo e vendendo maçã do amor na rua. Mas, nesse período, não tem outra alternativa. Eles precisam continuar existindo”, afirma Lucas Castro, que, ao lado da irmã, Deisy Castro, fundou a escola circense Espaço CircoLar, em Contagem, e criou o projeto Apoie o Circo Tradicional, em parceria com a Rede de Apoio ao Circo e outras instituições.

“Nosso setor foi um dos primeiros a parar e, muito provavelmente, será o último a voltar. Tivemos redução muito significativa no número de alunos e tentamos dar aulas on-line para sobreviver. Mas aqueles que moram nas lonas e trailers dependem unicamente da bilheteria”, ressalta Lucas. Para tentar ajudar esses profissionais, o grupo criou “vaquinha” on-line e recebe doações de alimentos, produtos de higiene e roupas. As doações podem ser feitas no Espaço CircoLar (Eldorado), na Rede de Apoio ao Circo (Liberdade) e na Casa Luzeiro (Novo São Lucas).

 Secretaria de Cultura divulgou nota técnica para ações de prevenção à COVID-19 junto às populações circenses
Secretaria de Cultura divulgou nota técnica para ações de prevenção à COVID-19 junto às populações circenses


DOAÇÕES

 “Nossa única renda vem da bilheteria, e só Deus sabe quando vamos poder voltar. É triste isso, nunca aconteceu antes. Era assim: não podia trabalhar em uma cidade, íamos para outra. Mas agora não podemos ir para lugar nenhum, nem sair”, lamenta Fernanda Lincoln, uma das integrantes do Circo Castelli, com o qual viajam 25 adultos e crianças.

Fernanda conta que o circo não está passando maiores dificuldades porque já recebeu muitas doações de pessoas e do projeto Apoie o Circo Tradicional. “Isso é para todo mundo, não é só pra gente. Temos que olhar para os lados de todo mundo”, diz. O Castelli dividiu as doações que recebeu com circos de Ribeirão das Neves, Barreiro e Contagem. Sem previsão de retorno das atividades, fica a preocupação para o setor.

“Com a pandemia, o risco e o medo de contaminações, haverá ainda mais dificuldade para os artistas itinerantes, somada ao preconceito e ao fato de estarem descapitalizados. Tem circo em que os artistas têm o que comer hoje porque venderam a moto do Globo da Morte. Mas é complicado, trailers precisam de manutenção, assim como os equipamentos, a própria lona resseca e racha se ficar muito tempo guardada. Se não houver um apoio, muitos não vão rodar novamente”, prevê Sula Mavrudis. A atividade circense em Minas foi apontada pelo recém-nomeado secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas de Oliveira, como uma de suas maiores preocupações, em entrevista ao Estado de Minas no dia de sua nomeação. 

Em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), a Secult divulgou nota técnica com o objetivo de “orientar os serviços municipais técnicos, profissionais e demais gestores quanto aos cuidados com a população circense no estado em relação à prevenção e tratamento da COVID-19”.

O documento, disponível no site da Secult, reconhece que “devido à alta mobilidade característica desses povos (itinerantes), geralmente ocorrem empecilhos na garantia de direitos e cidadania”. Entre os principais pontos, o governo orienta os municípios a “disponibilizar temporariamente os espaços públicos onde os circos se encontram ou auxiliar nas tratativas das áreas privadas para que os circos possam se fixar durante o período de enfrentamento da pandemia, a fim de evitar trânsito e alta mobilidade”.

*Estagiária sob a supervisão da editora Silvana Arantes 


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