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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Irmãos: laços de sangue ou de coração?

Uma dose de inveja ou ciúme faz parte da condição humana, são sentimentos naturais na família. Mas quando há uma ruptura, há sérias consequências


08/08/2021 04:00 - atualizado 05/08/2021 11:33

Quando há uma ruptura entre familiares com qualquer grau de parentesco, ocorre um emaranhamento familiar grave, com sérias consequências, caso não haja uma reconciliação
Quando há uma ruptura entre familiares com qualquer grau de parentesco, ocorre um emaranhamento familiar grave, com sérias consequências, caso não haja uma reconciliação (foto: Gerd Altmann/Pixabay )

A competição entre irmãos não é obrigatória. A psicóloga clínica Clara Feldman, da Feldman Clínica de Psicologia, psicoterapeuta de adolescentes, adultos e casais, seguindo uma abordagem humanista, professora da disciplina relação médico-paciente na Faculdade de Medicina da UFMG e palestrante na área de relacionamento interpessoal, enfatiza que existem relações lindas entre irmãos que têm um ingrediente que é bem o contrário da competição: a cumplicidade.

E outros ingredientes também: solidariedade, lealdade, carinho, afinidades, afinal, foram criados de maneira semelhante (nunca igual!) e bebem da mesma fonte: confiança, cuidado, amizade, companheirismo.

“Eu, por exemplo, sou apaixonada pelo meu único irmão, Bóris. Ele é seis anos mais velho que eu, que tenho 71 anos, e imagino que ele deve ter tido muito ciúme de mim, quando nasci. A caçulinha e, para piorar, uma menina. Mas temos todos os ingredientes que citei. Somos confidentes um do outro, especialmente nos apertos que cada um passa. Costumo dizer que os irmãos são o maior acervo vivo que temos. Relembramos a infância, as histórias de família, passamos por muitas experiências comuns, temos os códigos e as senhas da família. Os irmãos são os únicos que entendem determinadas situações, pois passamos por elas juntos. Quem me chama pelo apelido de infância que a nossa avó me chamava? E vice-versa? Só ele, só eu. E eu e meu irmão temos uma grande afinidade. Por termos sido criados por uma mãe pianista e amante da música erudita, como também nosso pai: amamos esse tipo de música.”

Mas, sempre existe um mas, nem sempre a relação harmoniosa se faz presente nas famílias. Num extremo, Clara Feldman lembra que existem Caim e Abel modernos. “Caim pode matar Abel, simbolicamente na maior parte das vezes. Mas existem também assassinatos literais entre irmãos, verdadeiras tragédias, os chamados fratricídios.”

Clara Feldman explica que uma certa dose de inveja ou ciúme, dentro dos limites, faz parte da condição humana, são sentimentos naturais.

“Como psicóloga, não me cabe julgá-los, mas compreendê-los, aceitá-los, ajudando a pessoa também a se compreender melhor. Compreendendo-se, a pessoa pode até desenvolver uma relação melhor com a(o) irmã(o). Ah, e se todo mundo conseguisse isso e não só os psicólogos –  essa empatia, respeito, aceitação, compreensão – a humanidade seria muito melhor. Não haveria nem mesmo razão para as guerras”, enfatiza.

Para início de conversa, filhos do mesmo pai e mãe nunca têm a mesma educação. São momentos de vida diferentes dos pais a cada nascimento de um filho. São preferências por um sexo ou outro, por um determinado tipo físico ou outro, a ligação maior do(a) filho(a) com o(a) parceiro(a). Esses e outros fatores fazem toda a diferença

Clara Feldman, psicóloga clínica



Clara Feldman conta que, segundo as constelações familiares, abordagem mais recente na psicologia, quando existe uma ruptura entre familiares com qualquer grau de parentesco, acontece um emaranhamento familiar grave, com sérias consequências entre as pessoas envolvidas, e também entre seus descendentes, caso não haja uma reconciliação entre as partes.

RESPEITO 


Por outro lado, Clara Feldman afirma que aprendeu há muitos anos, com um padre jesuíta americano, uma coisa também humana e muito sábia. “Ele me ensinou: 'eu amo meu irmão (biológico) em Cristo, tenho respeito por ele e lhe quero bem… Mas não gosto dele!' Não creio que sejamos obrigados a gostar do irmão – ele pode ser tão diferente da gente! –, nem conviver sempre com ele, mas podemos nos relacionar com cordialidade apenas, sem promovermos rompimentos.”

Para a psicóloga Clara Feldman, se há uma relação difícil ou rompida entre irmãos, busque a reconciliação, nem que seja por cordialidade. A vida é curta, imprevistos acontecem e um dos sentimentos mais pesados que alguém pode experimentar é a culpa, o arrependimento, o remorso, num momento em que nada mais pode ser feito
Para a psicóloga Clara Feldman, se há uma relação difícil ou rompida entre irmãos, busque a reconciliação, nem que seja por cordialidade. A vida é curta, imprevistos acontecem e um dos sentimentos mais pesados que alguém pode experimentar é a culpa, o arrependimento, o remorso, num momento em que nada mais pode ser feito (foto: Daniella Castro Fotografia/Divulgação)


E para os irmãos que não se dão bem, qual seria a origem de uma relação distante ou com conflitos: Clara Feldman diz que não tem a menor dúvida que as posturas dos pais têm um grande peso sobre a relação entre filhos. Alguns pais, que não têm grande sensibilidade e não conhecem a correlação de causa-efeito, promovem verdadeiros desastres nas relações entre irmãos. Não é raro escutarmos coisas do tipo “você deveria ser como seu irmão, ele é muito melhor do que você, você deveria tomá-lo como exemplo, ele sim, é mais inteligente, mais sensato, mais bem-sucedido, mais isso e mais aquilo…”

Segundo Clara Feldman, infelizmente, pais às vezes rejeitam e excluem alguns filhos. Por ciúme da mulher ou do marido, que ama e se dedica mais a um determinado filho. Porque o filho não se parece fisicamente com ele. No caso do homem, quantos suspeitam que o filho não é realmente dele, acreditam que ele é fruto da infidelidade da mulher (muito raramente isso ocorre, mas pode acontecer…).

Quantos rejeitam as filhas porque sempre tiveram o desejo de terem um filho varão, mas só têm filhas? Enfim, são várias as razões que levam o pai ou a mãe a rejeitar um filho. Na maioria das vezes, “razões irracionais”, distorcidas, irreais.

A psicóloga conta que, em uma mesma família, é possível observar como os filhos caminham, às vezes, em direções diferentes, melhores ou piores, até contrárias.

“Para início de conversa, filhos do mesmo pai e mesma mãe nunca têm a mesma educação. São momentos de vida diferentes dos pais a cada nascimento de um filho. São preferências por um sexo ou outro, por um determinado tipo físico ou outro, a ligação maior do(a) filho(a) com o(a) parceiro(a). Esses e outros fatores fazem toda a diferença. Além disso, acredito que cada um nasce com uma estrutura psíquica diferente, mesmo sendo irmãos. Sem falar da importância da genética de cada um”.

COMO CONVIVER? 


Para a psicóloga, há várias alternativas para lidar com as diferenças entre irmãos. A melhor de todas, para ela é a conversa, o diálogo. Mas, infelizmente, nem sempre isso é possível. “Passar a limpo a história da relação, identificar pontos de atrito, fontes de problemas, abrir os sentimentos e os pensamentos. Muitas vezes, um dos irmãos pode estar mais maduro e equilibrado que o outro e pode iniciar esse processo. Às vezes, alguém da própria família que percebe os conflitos e pode mediar. E, melhor ainda, uma ajuda profissional para um dos irmãos ou até mesmo uma sessão conjunta com os dois ou com toda a família, trabalho feito por terapeutas de família.”

Neste universo, é comum muitos terem como verdadeiros irmãos mais alguns amigos do que os irmãos de sangue. Para Clara Feldman existem, sim, os “irmãos de coração”. Por escolha, e não por destino. Neste caso, a dinâmica do relacionamento é outra. O que não significa sem algum tipo de conflito.

Mas diante de um laço tão forte, que deveria ser sempre bonito, Clara Feldman deixa uma mensagem importante: “Você, que tem um irmão com quem a relação é difícil ou até mesmo rompida, não deixe para depois uma possível reconciliação, nem que seja para ficar apenas uma cordialidade. E se houver uma conversa que pode aproximar mais os dois, faça-o o mais breve possível. A vida é curta, imprevistos acontecem e um dos sentimentos mais pesados que alguém pode experimentar é a culpa, o arrependimento, o remorso, num momento em que nada mais pode ser feito”.


PARA LER... E DESCOBRIR A PROFUNDIDADE DA RELAÇÃO ENTRE IRMÃOS

  1. (foto: Reprodução internet)
    “Dois irmãos”, de Milton Hatoum: 
    “Dois irmãos” é a história de como se constroem as relações de identidade e diferença numa família em crise. O enredo desta vez tem como centro a história de dois irmãos gêmeos – Yaqub e Omar – e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. A angústia dos irmãos, desde a infância, decorre da disputa pelo amor e atenção da mãe, motivo para viverem permanentemente em conflito. As diferenças entre os personagens, que parecem vir do berço, tornam-se cada vez mais acentuadas ao longo dos anos. Yaqub é estudioso, tímido, conservador e racional, construiu sua vida independentemente de ajuda. Omar era o protegido pela mãe, mimado, beberrão boêmio, irresponsável, vagabundo e conquistador.

  2. (foto: Reprodução internet)
    “Elegia do irmão”, de João Anzanello Carrascoza: 
    Dividido em duas partes, “Elegia do irmão” conta a vida de Mara através das lembranças de seu irmão. Jovem, diagnosticada com uma doença grave, Mara sabe que terá um período conturbado de tratamento, e que o apoio da família será fundamental para uma possível recuperação. Ao mesmo tempo, seu irmão, ao viver a dor da notícia, não quer se deixar tomar apenas pelo sofrimento infligido a ela, escolhendo também se lembrar de como eles viveram, da memória dos momentos passados juntos que solidificaram essa relação fraternal através dos anos. Com uma narrativa envolvente e belíssima, João Anzanello Carrascoza constrói um retrato contundente e apaixonado de uma das ligações mais íntimas do ser humano: a irmandade.


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