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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Masculinidade tóxica: exacerbada em grupos de WhatsApp

Misoginia, pornografia e objetificação da mulher têm sido comuns em grupos de WhatsApp masculinos, revela pesquisa


25/04/2021 04:00 - atualizado 25/04/2021 10:44

(foto: Tim Pierce )
(foto: Tim Pierce )


Nos grupos de WhatsApp, diversas discussões são criadas, opiniões manifestadas, e há quem goste de colocar um pouco de humor, com piadas e vídeos engraçados. No entanto, manifestação de comportamentos machistas tendem a surgir, bem como ser reforçados. É, inclusive, o que aponta pesquisa feita pela professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), no ano passado.

Com homens infiltrados em grupos masculinos, o estudo teve acesso a todas as conversas, sem identificação dos remetentes e destinatários, durante cerca de seis meses. O resultado: pornografia, misoginia e objetificação da mulher.

Segundo a psiquiatra Jaqueline Bifano, esse comportamento tem relação com o imaginário criado pela sociedade em torno da superioridade da imagem e do universo masculino. Uma construção feita ao longo dos anos.

“Houve uma construção social da mulher e do feminino pela característica do servil, da fragilidade e até de ressignificação como objeto. Os tempos mudaram. A mulher conseguiu ascensão social e espaço na sociedade, competindo, muitas vezes, por espaços por igual com os homens. Mas, ainda assim, os homens têm assegurada uma maior liberdade para agir de forma a objetificar a mulher.”


AS REDES SOCIAIS


As redes sociais intensificam alguns comportamentos. Isso porque há uma sensação de anonimato. “Não se está olhando nos olhos das pessoas ao dizer algo, o rosto, a voz, a integridade física, tudo é resumido a algumas linhas escritas, um áudio ou imagens de outras pessoas que são compartilhadas.”

Outro ponto que favorece esse tipo de comportamento é que se trata de um ambiente em que há disputa por atenção, e uma das formas mais eficazes de conseguir isso é compartilhar conteúdos como esses.

Também são comuns piadas de cunho sexual e homens nus em grupos de WhatsApp femininos. “O grande problema, no caso desse comportamento em grupos masculinos, é a desigualdade de posição entre mulheres e homens na sociedade. O contexto já é favorável ao sexo masculino, pois, socialmente, ao homem é garantida a humanidade, a força e o valor como ser humano, enquanto as mulheres estão lutando para ser desvinculadas da imagem de objeto.”

CONSTRANGIMENTO 


O advogado M.C., de 35 anos, que não quis se identificar, conta que esse tipo de conteúdo já fazia parte da rotina de seus grupos de amigos na plataforma. “No início, considerava esse tipo de material intrigante, mas, aos poucos, fui percebendo que não era adequado e o quanto me fazia mal. Além de não concordar com esse tipo de conteúdo, me sinto incomodado por saber que o material não foi autorizado e causa exposição à pessoa que está sendo retratada e, também, porque, muitas vezes, a pessoa acaba recebendo sem pedir. É uma espécie de invasão de privacidade.”

Conforme a psiquiatra, esse tipo de comportamento pode se tornar um vício, mas não significa que o fato de um homem consumir e divulgar conteúdos a respeito o torne dependente ou mesmo refém de algum distúrbio psicológico.

Conforme a sexóloga Katiuscia Leão, muitos usuários são unânimes em relatar que, quanto maior o envolvimento com a pornografia, mais se isolam de interações sociais. “Conteúdos pornográficos tendem a deturpar a autoimagem de quem as consome. Muitas pessoas pensam em realizar a reconstrução da parte íntima ou começam a ficar insatisfeitas com o tamanho do pênis, por exemplo. E isso afeta a autoconfiança no quesito consentimento e saúde sexual do homem.”


EFEITO 


A realidade fora das telas pode até não ser a mesma, mas é real e os comportamentos dispostos nas redes sociais ditam, e muito, os rumos dados aos relacionamentos reais. É o que aponta a sexóloga Katiuscia Leão.

“Esses vídeos e fotos tendem a mostrar posições, fetiches e hábitos que nós, reles mortais, jamais vamos conseguir praticar e sentir prazer ao mesmo tempo. Isso gera frustração para com a parceira, por ela não ‘dar conta’ de fazer o mesmo que as mulheres expostas nos conteúdos, e nos próprios homens, porque jamais serão capazes, em condições normais, de realizar o que viram. As expectativas sobre o sexo acabam distorcidas e problemas com aceitação do próprio corpo também.”

Diferentemente do que esse tipo de conteúdo mostra, o sexo na vida real, segundo a especialista, nunca sai como o planejado. “Em materiais e vídeos pornográficos, muitos deles com uma misoginia velada, a mensagem é extremamente ofensiva para nós mulheres, pois nos coloca apenas como objetos sexuais que devem levar prazer ao homem a qualquer custo. Somos vistas como algo que só tem valor nesse quesito e mais nada”, completa a sexóloga.

M.C. sentiu os impactos na pele. “Quando recebia e via esse tipo de material, criava em mim uma expectativa de vida sexual muito diferente do que era na vida real. Passei por um relacionamento muito longo e que foi se desgastando com o tempo. A falta de intimidade se fez cada vez mais presente e a perda de libido em ambas as partes também. Consumir pornografia era uma forma de compensar a falta de intimidade na relação, mas ao mesmo tempo me fazia projetar na minha parceira algo que era um desejo só meu e que nunca poderia ser satisfeito. Isso acabou causando muitos problemas”, relata.

Katiuscia Leão lembra, ainda, que a pornografia é prejudicial também para a mulher que consome esse tipo de conteúdo. Isso porque, além de se tornar vicioso, faz com que as relações pessoas e reais sejam frustradas ou distorcidas.

A arquiteta M.A., de 30, que também não quis se identificar, conta que a objetificação da mulher enquanto parceira, em razão de conteúdos consumidos nas redes sociais, foi um dos motivos que fize- ram com que seu relacionamento amoroso se desgastasse. “Tive problemas e já terminei um relacionamento por causa do tipo de conteúdo que o meu companheiro consumia. A maneira que ele objetificava e objetifica mulheres era um peso para a relação. E ele jamais abriu mão disso, por mais que me incomodasse.”

INFORMAÇÃO 


Katiuscia Leão chama a atenção para a importância da informação sobre os prejuízos que esse comportamento provoca, e destaca que, para a saúde do relacionamento, é preciso ficar longe desse tipo de conteúdo e sair de grupos que o consomem. Atualmente, tem muito material informativo sobre o assunto. “Assim, com certeza, a desconstrução pornográfica começará a ser desfeita, dando espaço a um maior entendimento sobre o próprio corpo e o prazer sexual.”

Ela ainda pondera que, caso a pessoa entenda que está viciada nesse tipo de comportamento e que não consegue lidar com isso sozinha, não é vergonha procurar um médico ou psicólogo. A terapia, nesses casos, pode ser uma excelente forma de se ajudar.

REFORÇO DO PRECONCEITO


No estudo “Masculinidades, cumplicidade e misoginia na casa dos homens: Um estudo sobre os grupos de WhatsApp masculinos no Brasil”, a pesquisadora Valeska Zanello classificou o material colhido em categorias. Confira:

>> Objetificação sexual das mulheres como prova de que é homem: há uma objetificação nos grupos, até mesmo com certa desumanização, da figura feminina, haja vista os comentários gordofóbicos, racistas e etaristas (“horror à velhice”).

>> Ser homem é não ser gay: nos grupos, os homens que se negam a interagir com os conteúdos publicados normalmente são tachados como gays.

>> O homem é guiado pelo sexo e o poder da mulher é uma vagina: nos grupos, há a ideia de que os desejos sexuais dos homens são impossíveis de ser controlados, e de que as mulheres têm como único poder satisfazer os homens, desconsiderando a inteligência e demais características sociais.

>> Relação da mulher com comida: nos grupos masculinos, a mulher é classificada como pedaço de carne.

>> Mulher gosta é de dinheiro: há também, nos grupos, a estereotipação de que mulheres gostam de homens ricos.

>> Riso e cumplicidade face a violências contra mulheres: há, ainda, nesses grupos, certo deboche e estímulo em torno da violência contra a mulher.

*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram


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