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Estado de Minas Corpo humano

O corpo humano e a orquestra da vida: uma perfeita sintonia

Médico cardiologista e músico se inspira na configuração de uma filarmônica para traçar um paralelo, destacando a beleza desta máquina maravilhosa


30/08/2020 04:00 - atualizado 28/08/2020 16:37

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)

O corpo humano funciona como uma orquestra, em que a harmonia dos instrumentos é essencial para executar a música que nos faz viver. Assim, o médico cardiologista Marcus Vinícius Bolívar Malachias, professor da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG), presenteia os leitores com uma aula saborosa sobre o corpo humano, começando com a fala de Ludwig van Beethoven: “A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria”.
 
Poucos sabem, mas Marcus Bolívar é também músico e compositor. Então, com maestria, ele faz uma relação mágica: “A ideia da harmonia entre os integrantes de uma orquestra tem sido utilizada como metáfora para diferentes estruturas complexas, como empresas ou a sociedade em que vivemos, onde cada elemento, assim como cada instrumento, é importante para o bom funcionamento. Nada mais parecido com a complexidade de uma orquestra que o corpo humano”.
 
Para o cardiologista, cada órgão parece funcionar em sintonia, tocando com precisão as notas codificadas nos genes escritos na pauta helicoidal do DNA. “Embora existam apenas sete notas musicais, que na verdade se tornam 12 se contarmos os cinco meios-tons sustenidos e bemóis, no corpo humano temos 46 cromossomos, formados por sequências de DNA.”

Segundo ele, dentro do núcleo de cada uma das 37 trilhões de células do nosso organismo há nada menos que dois metros de DNA, somando 74 trilhões de quilômetros de partituras helicoidais no corpo de uma só pessoa, algo como cinco viagens da Terra a Plutão, razão pela qual, assim como as melodias compostas por sequências de notas, as possibilidades de combinações genéticas são infinitas.

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Marcus Bolívar, cardiologista, professor da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG)



Para ele, é difícil entender toda a grandeza da orquestra do corpo humano, composto por 7 octilhões de átomos, assim como devem ser as notas musicais contidas nas cerca de 160 milhões de músicas que se imagina existir. 

Segundo Aldous Huxley, “o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”. O mesmo poderia ser dito em relação ao corpo humano.
 
 
 CORDAS E CIRCULAÇÃO 
 
Cada um de nós tem 100 mil quilômetros de vasos sanguíneos, distância que permitiria dar duas voltas e meia na Terra. “Na orquestra, os violinos são os instrumentos mais numerosos. Os vasos sanguíneos são divididos entre artérias, que levam o sangue do coração a todo o corpo, ação primordial – como a dos primeiros violinos –, sendo aorta a mais importante delas, e as veias, responsáveis pelo retorno do sangue ao coração – função semelhante à dos segundos violinos. O vasos linfáticos são responsáveis por drenar o excesso de líquido que sai do sangue e banha as células, funcionando como as violas da orquestra.”

Já os pulmões promovem a respiração e, assim, o fornecimento de oxigênio às células. Está conectado à laringe, um tubo que ao receber o ar dos pulmões faz vibrar suas pregas (cordas) de onde surge a voz.

O fígado, órgão de funções básicas como a regulação de proteínas, carboidratos, gorduras, assim como a excreção de álcool e substâncias tóxicas, além da degradação de hormônios e produção de substâncias, tem a mesma cor marrom avermelhada, e também a importância do contrabaixo, instrumento responsável pelas fundamentais notas graves, o alicerce da orquestra, explica Marcus Bolívar.

SOPROS DO ORGANISMO 
 
A boca é uma das mais fascinantes partes do corpo, composta de vários segmentos, como as glândulas salivares, a língua, além de palato, gengivas, bochechas e 32 dentes. “Estrutura complexa como as chaves de uma flauta, cujo som lembra tanto o canto de pássaros quanto o assobio produzido pela boca humana.”

Já o oboé é o responsável, conforme o médico, por dar a nota de referência para a afinação da orquestra, assim como o estômago produz o suco gástrico, que dá o tom da digestão dos alimentos. “O esôfago é um tubo que transporta os alimentos da larigo-faringe ao estômago, contendo esfíncteres, semelhante à forma do clarinete com suas chaves, instrumento este também considerado transpositor, uma vez que a nota escrita (na partitura) é diferente da nota emitida, sendo necessária uma transposição para que soe no tom real da música.”

O fagote, instrumento de notas graves da família das madeiras, é pouco conhecido e considerado de difícil execução, mas de fundamental importância na orquestra, assim como muitas vezes é negligenciada a importância dos rins e do sistema urinário no corpo humano, só lembrados quando apresentam problemas. Menos conhecido ainda é o corne-inglês, da família do fagote, assim como também são tão ignoradas quanto complexas as glândulas adrenais, verdadeiras fábricas de hormônios como cortisol, adrenalina, noradrenalina e aldosterona.”

HARMONIA 
 
As chamadas gônadas, ovário na mulher e testículo no homem, produzem os gametas (óvulos e espermatozoide), células sexuais que se unem para formar o zigoto e daí o embrião e a geração de uma nova vida, “como o piano, instrumento que conta com a mais ampla extensão de notas em suas 88 teclas e, por isso, utilizado na criação da maioria das peças orquestrais. Já o baço produz anticorpos e ativa linfócitos na defesa contra infecções, além de remover células defeituosas e velhas do sangue, sendo um dos órgãos mais frágeis do corpo humano,  como a harpa, instrumento de som delicado, singelo, porém frágil e o menos potente da orquestra.”

O trompete é considerado o mais antigo dos instrumentos musicais. Por isso, no corpo humano, os pistões são representados pelos ossos. “O esqueleto de um bebê tem cerca de 270 ossos, que diminui para 206 na idade adulta, uma vez que alguns se fundem. Como os ossos, há trompetes de diferentes tamanhos, como o piccolo (pequeno e agudo) e o flugelhorn (maior e de som mais doce). É importante lembrar que a medula óssea é responsável por fabricar as células do sangue, essenciais à vida.”

E os intestinos? Para o cardiologista, é semelhante aos trombones e bombardinos. “O intestino delgado mede 6m de comprimento por 4cm de diâmetro, dividido em três regiões: o duodeno, o jejuno e o íleo, cuja forma de tubo enrolado lembra o trombone. Já o intestino grosso mede cerca de 1,5m de comprimento e 6cm de diâmetro, sendo composto por três partes: o ceco, o cólon e o reto, cuja forma lembra a do bombardino (eufônio).”

E não ficaria de fora a flatulência, considerada pelo médico como o sopro menos nobre da banda interior, bem parecido com alguns sons emitidos pelos metais graves da orquestra. “São resultado da eliminação de ar ingerido junto com alimentos, além de gases produzidos no próprio intestino, a partir da fermentação de açúcares por algumas das cerca de 500 diferentes espécies de bactérias (microbiota) que habitam o órgão. O corpo humano saudável elimina, em média, 20 flatos por dia. Para nossa sorte, nem todos são audíveis e têm odor.”

ALMAS GÊMEAS 
 
Marcus Bolívar conta que há órgãos cujos nomes e formas se assemelham aos instrumentos, como é o caso das tubas uterinas – que transportam os óvulos até a cavidade do útero, fundamentais para a fecundação. Há também a trompa de Eustáquio, ou tuba auditiva, que liga a orelha média à faringe e ajuda a manter a pressão do ar entre os tímpanos, colaborando para a audição. “A tuba é o instrumento mais grave da família dos metais. A trompa é imprescindível na música erudita. Os tímpanos são grandes instrumentos de percussão, capazes de dar notas musicais de grande destaque na orquestra.”

RUFAM OS TAMBORES
 
 Importantes para fornecer ritmo à orquestra são os demais instrumentos de percussão (triângulo, caixas, bombo, pratos etc), diversificados em suas características, formas e cor, assim como é a pele e todo o sistema tegumentar (cabelo, pelos, unhas, glândulas sudoríparas e sebáceas), responsáveis pela cobertura e proteção do corpo, regulação da temperatura entre outras funções, por conter terminações nervosas sensitivas.

“Mas de nada adiantariam todos os magníficos instrumentos da orquestra se não existissem os músicos, que, com sensibilidade, sabedoria e rica habilidade dão vida à música, assim como o sangue, fluido vital do corpo humano, capaz de transportar nutrientes essenciais, como oxigênio, hormônios e anticorpos aos mais remotos tecidos e órgãos do organismo”, avisa o cardiologista.

CRIAÇÃO E EXPRESSÃO
 
Por fim, Marcus Bolívar enfatiza que a essência da orquestra é a própria música, nascida da ilimitada mente criativa do compositor, representado no corpo humano pelo cérebro e seu sistema nervoso, centro da inteligência, aprendizado, memória, raciocínio, linguagem, bem como receptor e processador de informações. “Nosso cérebro é capaz de armazenar 1.000 terabytes de informação em seus 100 bilhões de neurônios, irrigados por 160 mil km de vasos sanguíneos e com mais conexões que as estrelas da galáxia.”

Para o médico, é difícil entender toda a grandeza da orquestra do corpo humano, composto por 7 octilhões de átomos, assim como devem ser as notas musicais contidas nas cerca de 160 milhões de músicas que se imagina existir. Segundo Aldous Huxley, “o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”. O mesmo poderia ser dito em relação ao corpo humano. “Viver, no fundo, é como a música; um misto de ensaios e concertos.”



 


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