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Estado de Minas

Rituais para o corpo e a alma

O ato de benzer atravessa gerações e hoje também conta com a tecnologia para atender pessoas em busca de um 'remédio' para diversos males, desde espinhela caída até quebranto e cobreiro


postado em 22/12/2019 04:00 / atualizado em 26/12/2019 18:29


Mãe Rita chega a atender até 30 pessoas em um só dia e também benze a distância(foto: Leandro Couri/em/d.a press)
Mãe Rita chega a atender até 30 pessoas em um só dia e também benze a distância (foto: Leandro Couri/em/d.a press)

O saber popular mostra que não há doença que não se benza. Assim, benzedeiros e benzedeiras costumam ter “remédio” para espinhela caída (dor na boca do estômago, nas costas e pernas), carne quebrada (dor muscular), cobreiro (herpes), quebranto (mau-olhado), encosto e vários tipos de males do corpo ou da alma. Benzer significa tornar bento ou santo. É o ato de “rezar uma pessoa” afastando todos os males.

Em tempos remotos, eles eram referência nos cuidados com as pessoas nas comunidades geralmente desprovidas de qualquer agente público para tratar da saúde. Atualmente, suas orações trazidas do passado, com um teor simples, mas de grande força, além de ervas, chás e remédios caseiros, resistem nos grandes centros e desafiam os conceitos da ciência, por meio de atendimentos realizados com ferramentas on-line, como videoconferências e e-mails, como registra o Movimento de Aprendizes da Sabedoria (Masa), criado no Paraná em 2008 com o propósito de obter o reconhecimento das práticas tradicionais: benzimentos, simpatias, orações, defumações, uso de remédios, tinturas, pomadas, garrafadas etc., valorizando esses saberes e fortalecendo a saúde popular com base em conhecimentos passados de geração em geração.

São escassos os registros das origens do poder, ou o dom, de transferir energias de objetos, plantas, animais ou mesmo das próprias mãos de forma a amenizar ou curar males diversos, mas essas práticas remetem à manipulação de plantas talvez na era pré-cristã. Saberes que, com a inquisição, levaram esses guardiões, homens e mulheres, à fogueira.

Em artigo publicado em 2017 pela Associação Nacional de História, Miguel Ângelo Velanes Borges, aluno de mestrado em história da África, diáspora e dos povos indígenas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), registra que “no contexto da historiografia brasileira, os estudos sobre os saberes e práticas de rezadeiras e benzedeiras é recente. Até pouco tempo, as intenções de pesquisa voltadas para essas temáticas eram vistas com desconfiança e até ironia. Alguns programas de pós-graduação em história, ainda hoje, não veem com bons olhos os temas voltados para esse campo, e atribuem esses territórios aos estudos folclóricos”.

A assimilação de experiências compartilhadas por povos originários de diversas partes do planeta, que se complementam, se fundem e se transformam à medida que tomam contato com as tradições que os benzedores transmitem, dispondo de uma variedade de elementos utilizados na prática de benzer.

Os ensinamentos são transmitidos por meio da oralidade. Praticantes ensinam as suas rezas ou preces de forma verbal aos sucessores, que podem ser alguém da própria família ou uma pessoa próxima com a qual sente afinidade e confiança, sem necessariamente ter uma relação consanguínea: um amigo, uma comadre ou outro membro da comunidade, exemplifica Maria Bezerra, guardiã da Escola de Almas Benzedeiras de Brasília, no Distrito Federal.

“Parece-me que a maior responsabilidade da pessoa que transmite o ofício é sentir, perceber se a outra pessoa está preparada para receber os ensinamentos, manifestando um desejo verdadeiro e honesto de dar continuidade, considerando que a premissa para o benzimento é se entregar como um canal que transmite amor e cura para proporcionar bem-estar a outro ser humano, reequilibrando suas forças internas e externas”, descreve a guardiã.

Bezerra atribui ao amor e ao respeito a um saber ancestral os condutores para a compreensão de que saberes tradicionais e as “tecnologias sociais ancestrais até o presente momento são capazes de manter e recuperar o equilíbrio do ser humano e da sua relação com a natureza, ao longo dos séculos e das gerações”.

PRECONCEITO 

Aos 4 anos, Rita de Cássia Pinho Vieira Maciel, hoje com 58, chamada carinhosamente pelos filhos do candomblé Angola de Mãe Rita, perdeu o pai em um acidente. Trabalhador da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Ipatinga, ele bateu o caminhão do Corpo de Bombeiros (serviço interno da usina) e sem qualquer ferimento aparente veio a falecer de hemorragia interna. Mãe Rita conta que era período natalino e a família passava as festas na casa de parentes na capital. “Estava no quarto e vi um vulto passando pelo cômodo, atravessou a porta e ficou próximo à minha cama.”

Foi sua primeira recordação de manifestações sensitivas. Pouco depois, a mãe, que tinha 31 anos, recebeu a notícia da morte do marido. Criada em família tradicionalmente católica, ela diz que sua mãe a encontrou várias vezes “falando sozinha” e, quando perguntada, apontava supostas pessoas no ambiente que não eram vistas pelos demais.

Pelo “comportamento”, foi levada a tratamento psiquiátrico e usou medicamentos até os 13 anos. “Foram muitas as dificuldades espirituais e psicológicas. Não tinha controle sobre essas manifestações e quase fui convencida de que era realmente louca”, lembra entre lágrimas. A mãe morreu há pouco mais de dois anos e Rita disse ter pressentido “um ano antes que ela estava indo embora”.

Mãe Rita disse que deixou de usar medicamentos aos 13 anos, assim que foi apresentada ao candomblé. Segundo a médium, depois de ser iniciada, passou a ter mais controle sobre suas visões e pressentimentos. “Ainda hoje, é complicado perceber coisas que estão para acontecer com pessoas que encontro, conhecidas ou não. Quando começo a pensar muito na pessoa, procuro saber como ela está. Agradeço a Deus por ter essa percepção. Mas é pesado”, ressalva. Ela assegura que pressente “coisas a acontecer” até mesmo com pessoas a distância.



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