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Mundo idealizado

Não corresponder às expectativas pode contribuir para aumentar a insegurança do jovem e levá-lo à depressão, distúrbios alimentares e outras patologias psicológicas


postado em 09/06/2019 04:09

A adolescência é quando são sedimentadas as tendências de comportamento que aparecerão ao longo de toda a vida. Se, nessa fase, surge uma imagem adulterada da realidade, sem a noção certa sobre os desapontamentos e desafios inerentes à vida, quando o indivíduo se depara com qualquer situação adversa que não corresponda a esse mundo idealizado tende a sofrer uma reação emocional mais forte. “O choque interno entre essas versões de mundo incompatíveis pode contribuir para a insegurança, baixa autoestima, uma autopercepção distorcida em um viés negativo. A tendência é que ocorra uma falta de persistência e desânimo, que às vezes se tornam crônicos, e até culminar em depressão, distúrbios alimentares, ansiedade, ou outras patologias psicológicas”, alerta a psiquiatra Jaqueline Bifano.
Estar em uma realidade fictícia afeta o amadurecimento e a perspectiva sobre o cotidiano, continua Jaqueline. O ponto de vista se torna mais superficial e, por vezes, isso acarreta decepções e adoecimento. “É comum que, nesses casos, a realidade passe a ser encarada com uma sensação de espanto, já que o jovem sempre foi condicionado a perceber as conquistas e ideais como algo desvinculado do esforço que existe por trás daquilo, como se as coisas fossem fáceis. A partir daí, depara-se com um mundo repleto de imprevistos, desafios e dificuldades que não está acostumado a ver. O preparo emocional é comprometido, não há uma base consolidada, já que as opiniões e conceitos que carrega não tiveram embasamento na realidade”, diz Jaqueline.
A imagem distorcida que se propaga nas redes sociais surge do fato de que, em um primeiro lugar, as pessoas só publicam o lado bom das coisas. A psiquiatra alerta para o chamado “efeito bolha”, criado pelos algoritmos das redes sociais que selecionam, conforme critérios estabelecidos pelas próprias redes, quais conteúdos vão aparecer ao longo da navegação. “Ou seja, a não ser que o usuário vá atrás, ativamente, de informações que fujam do seu padrão habitual, ele estará sempre exposto ao mesmo padrão de informações, e tende a enxergar o mundo de uma forma viciada.”

PARADOXO O perigo de considerar a vida a partir do que se encontra na tela do celular é o de se reduzir a realidade àquilo – de não desenvolver senso crítico, de viver à mercê de uma realidade totalmente manipulada, tanto pelos próprios usuários, quanto pelo próprio mecanismo de funcionamento das redes. “É um paradoxo, pois a tecnologia tem o potencial de facilitar o acesso à informação, encurtar distâncias, mas, ao mesmo tempo, se não for usada de forma crítica, a tendência é exatamente contrária. A pessoa pode ficar vivendo aquela realidade extremamente restrita e tendenciosa e, dessa forma, fica desprovida também do seu papel como protagonista de sua vida, perdendo a noção de suas responsabilidades diante de si mesmo e dos outros. É um sistema que incentiva o individualismo, o isolamento e a ausência do questionamento”, alerta a médica.
O estilo de vida e estética “vendidos” por grande parte das personalidades das redes sociais é algo extremamente planejado para que uma determinada imagem seja difundida, continua Jaqueline. “Grande parte dessas pessoas tem a exposição de sua vida como uma profissão e, por isso, direcionam tempo para toda essa elaboração da imagem própria, com uma série de recursos artificiais para que isso seja mantido. Mesmo que fosse possível reproduzir isso, será que ser como aquela pessoa, ter as coisas que ela tem, ou levar o estilo de vida que ela leva pode mesmo trazer a felicidade? É o risco de querer copiar o mundo virtual”, avalia.
Tudo isso muitas vezes significa justamente a falta de contato humano. O que é expressado pelos famosos “textões”, declarações e juras de amor – é recorrente não passar de ilusão. “Quando alguém se aproxima de outro fora das telas, talvez até a quem dirigiu um afeto virtual, acaba não trocando meia dúzia de palavras, com dificuldade de dar um abraço e olhar nos olhos. Pelo meio digital, o sujeito talvez se sinta mais protegido, principalmente quando não corresponde ao que era esperado. Pode ser mais fácil esquecer. Um clique e aquela pessoa não é mais amiga, é descartada. As relações não são duradouras. Enquanto foi bom, valeu, mas elimina-se sem desgaste. No entanto, é sabido que isso gera um acúmulo de sentimentos mal resolvidos, que podem se transformar em angústias que tendem a explodir alguma hora. Isso também pode vir a ser ponto de partida para doenças psíquicas.”
No ambiente eletrônico, a verdade está camuflada e, se não é verdade, é mentira. Aí está a chave: viver em um mundo irreal, mentiroso, inexistente, é um engano profundo. “O usuário do mundo virtual está tão ‘na bolha’ que não consegue enxergar a ilusão de todo aquele contexto que ele deseja inserir em sua vida. Quando a pessoa começa a enxergar por trás de tudo aquilo, pode ser uma decepção grande, e nem todo mundo sabe lidar com isso”, ressalta Jaqueline.

SENSO CRÍTICO “Olha o tempo no celular, menina!”, o pai aconselha. Almoçando, no ônibus, quase o tempo todo Mariana Silva e Mendes, de 16 anos, está conectada. Ela passa cinco horas diárias on-line, em todo refresco que tem de suas atividades rotineiras. Desde os 12, é entusiasta das redes, mas não se deixa enganar. No Instagram, a estudante tem 840 seguidores. Porém, revela que os amigos reais, com quem encontra apoio, não passam de 10. “Já sei que quase ninguém pode me ajudar quando preciso. Nem me decepciono. Quando o virtual se sobrepõe, esquecemos dos contatos de verdade”, diz, vacinada.
Para Mariana, o universo virtual não retrata a realidade, de forma generalizada. “Considero algo superficial. As pessoas expõem suas melhores fotos, melhores momentos, as frases mais legais, quando estão mais bonitas, mais felizes, ou em algum lugar de nível social mais elevado. Postam para mostrar que sua vida é aquela, mas não é. É um retrato falso, um photoshop da realidade”, pondera.
Ela diz, esclarecida, que jovens tímidos, por exemplo, com dificuldade em manter relações pessoais, muitas vezes encontram nas redes sociais uma maneira de fuga. “Não são sociáveis, isolam-se atrás das telas, em ambientes onde encontram retorno direto. Postei e já recebo likes. Mas é uma resposta imediata que só alimenta o ego. No geral, é como um narcisismo.” Mariana hoje se considera bem resolvida com todas essas questões, mas nem sempre foi assim. Conta que já enfrentou crises de ansiedade, frustração, problemas de autoestima, complexo com o corpo, com a aparência – e já frequentou um psicólogo por conta disso. “A adolescência é uma fase de conflitos. A maior questão é tentar se encaixar no estilo de vida, de se vestir, de se comportar. São pessoas da minha idade, vivendo as mesmas coisas que eu, com algo que admiro. Porém, quando trago para o concreto, não é minha realidade. Você tenta copiar, mas não é a sua vida”.
Na opinião da jovem, o maior perigo é não desenvolver habilidades primordiais para a convivência no mundo palpável. “É uma perda no sentido social. Você acaba sem saber se portar no mercado de trabalho, sem saber resolver conflitos, por exemplo. Quando se está na rede social, pode excluir uma foto, um comentário, uma postagem, um storie. No mundo real, se você toma uma atitude questionável, cai em um deslize, não há como apagar”, compara.


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