Foto de grávida

Cuidar de uma nova vida pode ser uma tarefa solitária, mas o ideal é que a mulher conte com a ajuda de pessoas próximas

Greyer Baby/Pixabay
Se tornar mãe é uma verdadeira virada de chave. Pode-se dizer uma das mais importantes na vida de uma mulher. E muito se romantiza sobre a maternidade. Mas a realidade é outra. Ao contrário de todas as maravilhas que envolvem ter um filho, para muitas mães a realização de um desejo profundo, muitos desafios e uma profusão de sentimentos se misturam durante o maternar - principalmente no curto prazo que se segue após o parto. As mães estão cansadas, é fato. E é preciso falar sobre isso.

Uma pesquisa de 2022 coordenada pelo portal Mommys, com o título Mommys e Saúde Mental, demonstra que  62,7% das mães entrevistadas, quando questionadas sobre a saúde mental, afirmam que têm sensação de vazio. Sobrecarga e cansaço são as condições mais relatadas. Não significa que não haja amor - é indiscutível.

O esgotamento materno é um assunto que está na pauta do dia, e é cada vez mais necessário que seja tratado com abertura e empatia, sem julgamentos. A jornada para cuidar de uma nova vida é, muitas vezes, solitária, mas pode ser mais suave, se experimentada de maneira coletiva. Mães podem até ser supermães, porém, é fundamental que não estejam sozinhas. 
 
 
"A maternidade real é aquela vivida diariamente por mães, com suas imensas dificuldades e as responsabilidades em cuidar de uma criança, envolvendo muito mais do que apenas o amor à prole. Há também o desgaste emocional, físico e mental", diz a pediatra da Saúde no Lar, Claudia Drumond.

Segundo ela, essa é uma experiência individualizada, que cada mulher vivencia de acordo com questões particulares, que vão desde a situação financeira, o fato de estar ou não sozinha, a idade, o meio no qual está inserida, sua condição quanto à saúde mental, as necessidades emocionais e as demandas específicas do próprio filho. "Tem a ver com privação do sono, sensação de impotência, sobrecarga física, emocional e mental, excesso de funções, estresse, exaustão, satisfação, amor e cuidado. E muitas vezes, se não a maioria, com todos esses sentimentos misturados", aponta.
 

A pediatra destaca que ser mãe é diferente de tudo o que é romantizado. "Por mais que a mãe tenha uma grande rede de apoio, como muitos falam, toda a responsabilidade cai nas costas dela, sejam esses encargos bons ou ruins", pontua. E são mesmo muitas as tarefas e atribuições. Medo de errar, de não dar conta de tudo (enquanto mãe e ainda o papel social de mulher), as cobranças e julgamentos alheios, a falta de suporte, não ter tempo para o autocuidado físico e mental, frustrações. É o que acontece com mais recorrência.

Claudia Drumond, pediatra da Saúde no Lar

Claudia Drumond, pediatra da Saúde no Lar

Arquivo pessoal

"A maternidade real é aquela vivida diariamente por mães, com suas imensas dificuldades e as responsabilidades em cuidar de uma criança"

Claudia Drumond, pediatra da Saúde no Lar


Saúde mental

Para Claudia, encontrar equilíbrio parece tarefa difícil e, para ela, a atenção à saúde mental é uma prioridade. "Vale procurar ajuda profissional e, de alguma forma, mostrar o quão sobrecarregada está. Parentes, amigos e familiares devem entender o que está se passando. Todos esses medos podem ser um passo para a depressão, o que, na maternidade, não é brincadeira nem frescura. É assunto sério e merece atenção e cuidado", alerta.

"Esse esgotamento também pode causar desânimo, tristeza profunda, falta de interesse em realizar atividades que antes eram consideradas prazerosas, esquecimentos, dificuldades para dormir, mas também para acordar, além da perda de apetite, quadros de ansiedade e irritabilidade", reforça.  

De acordo com a especialista, é importante ainda fazer um trabalho de autoanálise, entendendo que a mãe precisa de um tempo para si, deve respeitar seus próprios limites e, da mesma forma, estabelecer limites às expectativas impostas por pessoas que estão próximas. "Na caminhada da maternidade é natural que todos os questionamentos e inseguranças aconteçam e, mesmo tentando acertar, erros vão acontecer sempre", pondera.

Tabu

A maternidade real é um tabu que precisa ser quebrado, continua Claudia. E a melhor forma disso acontecer é com as próprias mulheres verbalizando e compartilhando suas experiências reais, sem julgamentos, sem nenhum tipo de crítica. "É assim que outras mulheres também terão coragem de compartilhar seus sentimentos, sabendo que não estão sozinhas. Mais do que isso, encontrando soluções práticas para esses problemas a partir das experiências de outras mães", diz.

Uma exaustão que muitas vezes é silenciosa, e até invisível, exatamente por conta do tabu em volta do tema. "As mulheres sentem o tempo todo que estão em dívida e são pressionadas a cumprir as expectativas criadas por aqueles que estão à sua volta, que farão algum tipo de julgamento. Infelizmente, essa imagem de mãe perfeita faz com que falar sobre seus problemas seja motivo de vergonha ou fracasso. Preferem, assim, guardar para si a exaustão e esse misto de sentimentos."

Raquel Marinho, doutoranda em ciências sociais, mestre em antropologia da Ibero-América e graduada em estilismo e moda

Raquel Marinho, doutoranda em ciências sociais, mestre em antropologia da Ibero-América e graduada em estilismo e moda

Diego Souza/Divulgação

Palavra de especialista

Raquel Marinho é mãe, doutoranda em ciências sociais, mestre em antropologia da Ibero-América e graduada em estilismo e moda

O fim da maternidade romantizada


“Fomos ensinadas a romantizar a maternidade desde cedo. A menina servidora, obediente, capaz de abrir mão de si mesma, foi doutrinada a cumprir o papel unicamente de zelar dos filhos e do lar, suprimindo dores, frustrações, angústias, violências, desejos e ambições pessoais durante milênios. Parir dói e ninguém nos contou sobre isso, mas a dor vai muito além.

Nosso corpo físico muda junto com nossas emoções e nada jamais será como antes. Sem contar que a responsabilidade daquela nova vida é inteiramente nossa. Sobra fadiga, sono, olheiras, e falta descanso.

Ver o peito empedrar, rachar e ter de alimentar mesmo assim, ver o filho doente e não saber o que fazer, o cabelo desgrenhado, as pernas pesadas... Tudo dói! No entanto, uma das maiores dores da maternidade é a culpa. Se analisarmos sob o prisma social - em uma sociedade historicamente misógina -, caso o filho venha a ter problemas de comportamento, a "culpa" é sempre da mãe.

Como se cuidar, nutrir e educar filhos não fossem responsabilidades que devessem ser compartilhadas entre duas partes. Sendo a mãe uma mulher autônoma, com independência financeira, carreira e sonhos individuais, a sobrecarga aumenta.

E o tabu de falar sobre a exaustão materna ocorre pela mesma máxima que se "a mulher sábia edifica o lar", não estamos autorizadas a falhar, falar dos nossos cansaços e desalinhos. Por isso, debater sobre a exaustão que permeia o feminino se faz cada vez mais necessário, seja com o companheiro, família, amigos e os próprios filhos, pois nenhuma mãe é perfeita e, tampouco, infalível.

Ao nos tornarmos mães (por escolha própria ou não), temos o direito de cansar, descansar e também buscar a leveza de aproveitar os momentos felizes, principalmente, ao lado dos filhos. Afinal, ser mãe não pode - e não deve ser - o padecimento em um paraíso que não existe.”