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Ghosn teria fugido do Japão se lá existisse o juiz das garantias?

Sem desmerecer os argumentos dos defensores do juiz de garantias, é relevante observar que nosso sistema como um todo já é, por natureza, garantista.


postado em 27/01/2020 06:00 / atualizado em 27/01/2020 07:38

Ghosn fugiu do Japão porque tinha certeza que seria condenado. O jeito foi se meter em uma caixa de instrumentos musicais e fugir (foto: Giuliano Gomes/Gazeta do Povo 22/8/08 )
Ghosn fugiu do Japão porque tinha certeza que seria condenado. O jeito foi se meter em uma caixa de instrumentos musicais e fugir (foto: Giuliano Gomes/Gazeta do Povo 22/8/08 )

Na última quarta passada, o ministro Luiz Fux suspendeu por tempo indeterminado a implementação do chamado juiz de garantias, previsto no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2019. A decisão foi tomada no mesmo dia em que Fux assumiu o plantão do Supremo Tribunal Federal (STF) e, na prática, derrubou decisão anterior do presidente da Corte Dias Toffoli, já que dificilmente o tema será discutido pelo plenário.

A liminar se fundamentou principalmente em argumentos técnicos, na medida em que, para Fux, a proposta de lei deveria ter partido do Poder Judiciário, já que afeta o funcionamento da Justiça no país; e que a lei foi aprovada sem a previsão do impacto orçamentário. No entanto, talvez os principais argumentos contrários sejam mais práticos: qual o principal problema da Justiça brasileira? A parcialidade dos juízes que acompanharam o inquérito policial ou a morosidade que leva à impunidade? O caso no Japão do ex-presidente da Nissan-Renault, Carlos Ghosn, pode ilustrar um pouco a discussão.

Ghosn fugiu do Japão porque tinha certeza que seria condenado. A taxa de condenação dos acusados no país do sol nascente chega a 99,9%. A lógica japonesa é que o acusado é culpado até que se prove o contrário. O modelo “linha dura” é altamente aprovado pela população, pois na cultura japonesa – cheia de idiossincrasias como qualquer outra –, a impunidade não é aceitável. Ainda que possam existir excessos, a certeza da punição é provavelmente um dos fatores que colocam o Japão entre os 20 países onde a percepção de corrupção é menor, segundo o índice da organização Transparência Internacional de 2019, publicado também na semana passada. Não sobrou muita opção para Ghosn. O jeito foi se meter em uma caixa de instrumentos musicais e fugir para um ambiente que fosse mais controlável. No Líbano, o executivo certamente não enfrentará o mesmo rigor que estaria sujeito no Japão.

Por todo exposto, provavelmente cogitar a criação de algo parecido com um juiz de garantias no Japão seria motivo de risos no cidadão comum, em especial quando explicitados os argumentos para a existência de 2 juízes: um magistrado para atuar no processo emergencial cautelar, no qual, por exemplo, são determinadas quebras de sigilo, busca e apreensão, prisão preventiva ou temporária, homologa-se delação premiada, por exemplo; e outro julgador responsável por instruir o processo, analisar os argumentos em tese já maduros da acusação e da defesa, e por fim, por julgar a causa.

Em tese, o envolvimento do juiz no processo de produção de provas o induz a ser mais facilmente convencido pelos argumentos da acusação, prejudicando a imparcialidade no exercício da magistratura. Esse modelo é, com algumas variações, aplicado em países como Alemanha, Portugal e Itália.

Sem desmerecer os argumentos dos defensores do juiz de garantias, é relevante observar que nosso sistema como um todo já é, por natureza, garantista. Ou seja, já estão disponíveis uma gama enorme de recursos judiciais, que podem ser amplamente explorados pelos diferentes graus de jurisdição. Esse é um dos motivos que nos leva a ser um país com alta percepção de corrupção e impunidade. Para citar o mesmo índice de 2019 da Transparência Internacional, o Brasil ocupa apenas a 106ª colocação, muito atrás da Argentina, na 66ª posição, e a anos luz de distância do Uruguai, na 21ª, e do Chile, na 26ª, para citar apenas alguns sul-americanos.

Outro aspecto que a criação do juiz de garantias parece desconsiderar é que o Brasil já tem um dos Poderes Judiciários mais caros do mundo. O governo central brasileiro despende 1,3% do PIB com o Judiciário, quatro vezes o gasto da Alemanha (0,32%), oito vezes o do Chile (0,22%), dez vezes o da Argentina (0,13%), sem que se reflita, como visto, na redução percepção da corrupção.

A despeito do que já é gasto hoje, necessariamente para implementar o juiz das garantias serão conduzidos novos concursos para juízes e será requerida uma estrutura administrativa mais robusta. Em suma, fala-se no emprego de mais recursos sem que se solucionem os problemas já existentes de eficiência no Judiciário, como as limitações de pessoal e tecnologia na condução de investigações de crimes complexos ou, ainda, a larga discrepância na produtividade dos juízes em diferentes estados, senão dentro de um mesmo tribunal – aspectos que asseguram a redução da impunidade e utilizam a estrutura judicial que hoje já existe.

Ghosn, que é brasileiro nascido em Rondônia, mas tem também cidadania francesa e libanesa, teve uma prerrogativa que poucos têm: escolher à qual jurisdição se subjugaria. Como nenhum desses países extradita seus nacionais, o país destino da sua fuga cinematográfica provalvelmente será também o responsável pelo seu julgamento.

Apenas para manter a comparação, o Líbano ficou na 137ª posição no ranking da Transparência Internacional, ou seja, ainda bem atrás de França e Brasil. Não por acaso Ghosn optou por ficar com a vista do mediterrâneo. Não fosse a liminar de Fux, Ghosn poderia ter mais um argumento para ponderar um retorno ao seu país natal.

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