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Estado de Minas

ONU denunciou repressão na ditadura militar brasileira

Entre os nomes listados pelas Nações Unidas em 1974 como vítimas da ditadura constava o de Dilma Rousseff. O então general Otávio Medeiros era citado como um dos torturadores


postado em 23/06/2012 06:00 / atualizado em 23/06/2012 07:11

O Ministério das Relações Exteriores recebeu em novembro de 1974 denúncia de violação dos direitos humanos, encaminhada pela Organização das Nações Unidas (ONU), relatando casos de tortura de 335 mulheres brasileiras, entre elas Dilma Vana Rousseff. A atual presidente é a 56ª mulher descrita no anexo 7 da denúncia da ONU. No documento em inglês ela é apresentada como uma “estudante de Minas Gerais, presa em São Paulo em 1970, condenada a 13 meses em agosto de 1971 no estado da Guanabara, bem como a quatro anos pelo Segundo Tribunal Militar em São Paulo, em 18 de setembro de 1971”.

Apesar de a primeira denúncia, que chegou em setembro de 1972, relatar atrocidades cometidas pelos militares, o governo só analisou formalmente o aviso em maio de 1975 e decidiu ignorar o alerta da ONU, alegando que o documento atacava a imagem de importantes quadros do regime. “A citação de conceituados oficiais de nossas Forças Armadas, como os generais Confúcio, Bandeira, Octávio Medeiros e Euclides Figueiredo (todos da ativa) e comandante Clemente, atual diretor da Academia de Polícia (reserva), como supostos torturadores leva-nos a crer ser prudente não darmos crédito a tais denúncias”, escreve o tenente-coronel Juarez de Deus Gomes da Silva, diretor da Divisão da Segurança de Informações do Ministério da Justiça, à época.

Outro argumento, além de a denúncia ferir a honra de militares renomados, foi a falta de um “tradutor exclusivo” para redigir em português o texto da denúncia, trabalho que demandaria seis meses. O Ministério das Relações Exteriores também alegava que os apontamentos não faziam sentido, pois não havia registro de agressões a presas no país. “Já nesta DSI (Divisão de Segurança de Informações) não há registro nem conhecimento de torturas no Brasil.” O documento também reserva anexo para detalhar a morte de 12 mulheres que sofreram agressões de militares, por pertencer a grupos revolucionários. A denúncia questiona ainda o paradeiro de quatro desaparecidas. Os documentos que se tornaram públicos nesta semana, e estão sob a guarda do Arquivo Nacional, são uma compilação da troca de ofícios entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e têm 258 páginas.

As denúncias de violação aos direitos humanos chegaram à ONU por intermédio da Federação Sindical Mundial, então presidida por Enrique Pastorino, que assina o texto. Além das mulheres torturadas, o documento lista mulheres mortas e desaparecidas durante exercício de militância revolucionária. Relato da organização internacional informa ao governo brasileiro sobre violência sexual contra as mulheres, praticada pelos militares. “Em São Paulo os oficiais, sargentos e agentes da Operação Bandeirantes frequentemente estupram presas políticas antes, durante e depois de infligirem torturas cruéis. (…) Na cidade de Belo Horizonte, em unidade policial, jovens entre 12 e 15 anos são torturadas na presença de presos políticos, como forma de demonstração. (…) Mulheres fazem visitas e são obrigadas a tirar a rouba e se submeter a exame ginecológico”, traz a denúncia da ONU encaminhada ao Ministério das Relações Exteriores.

Além de determinar o arquivamento das denúncias, a consultoria jurídica do MRE indicou que o documento fosse analisado pelo Ministério da Justiça, aos cuidados do Departamento de Polícia Federal. “Todavia, se outro for o entendimento de vossa senhoria, creio que esta consultoria poucas condições tem de adentrar pelo mérito da questão sem o precioso concurso do Departamento de Polícia Federal”, assina Edelberto Luiz da Silva, que ocupava o cargo de consultor jurídico do ministério.

Imagem

Os documentos revelam que a ordem era ignorar as denúncias internacionais, mas os militares estavam preocupados com o estrago que a repercussão das agressões poderia causar na imagem do Brasil no exterior. A ordem interna era tratar os relatos como “técnica subversiva de tornar a imagem negativa do país no exterior”. Para contornar as críticas que recebia de instituições internacionais que monitoravam as violações aos direitos humanos, os militares criaram um gabinete interministerial para avaliar as denúncias que chegavam. O Itamaraty seria o responsável por reunir as denúncias, como coordenador do grupo de trabalho.

Mas uma ordem expressa em um ofício do Ministério das Relações Exteriores deixa claro que toda informação terá que ser compartilhada, acabando assim com qualquer possibilidade de a pasta responsável pelo contato com instituições estrangeiras cuidar sozinha das denúncias. “O Ministério da Justiça funciona como órgão interno de coordenação ao qual serão transmitidas as informações recebidas pelo Itamaraty dos organismos internacionais”, ordenaram os militares, para controlar as informações que chegavam do exterior.

Em vez de apurar as denúncias, os documentos mostram que os militares se apressaram em escalar consultores jurídicos para elaborar “defesa” do Brasil junto à ONU, se o organismo internacional decidisse questionar o país de forma mais incisiva. As informações sobre violações de direitos humanos eram tratadas como “dossiês” contra o governo. “No sentido de que o presente processo deva ser instruído para servir de base à resposta que o Brasil deva apresentar como defesa, no âmbito da ONU. Assim, proponho o seu encaminhamento à DSI deste ministério para que informe a respeito das acusações formuladas no dossiê anexo”, orientou o consultor jurídico Hélio Fonseca, antes de o governo decidir ignorar a resposta à ONU.

No documento, o Ministério da Justiça também lista nomes de desaparecidos e mortos políticos que representariam o maior “risco” para a imagem do país, pois o episódio dos crimes não tinha suporte jurídico elaborado pelos consultores. Além da denúncia da Federação Sindical Mundial, o governo militar foi acionado a responder por agressões a outros 1.081 cidadãos brasileiros relacionados pela ONU.


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