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Estado de Minas VITALIDADE

O que o envelhecimento tem a ensinar sobre o afeto

O traço definitório da raça humana não precisa ser apenas a linguagem, pode ser também a amorosidade


22/05/2023 06:00 - atualizado 21/05/2023 22:43
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Demonstração de afeto muitas vezes pode ser vista como sinal de fragilidade
Demonstração de afeto muitas vezes pode ser vista como sinal de fragilidade (foto: Divulgação)
Em uma sociedade marcada pelo consumismo, individualismo e indiferença, a demonstração de afeto muitas vezes pode ser vista como sinal de fragilidade. Somos convidados a esconder nossas emoções, domesticar nossos sentimentos e nos afastar do mundo dos afetos. Nessa dinâmica, expressar sentimentos passou a ser encarado como vergonhoso e foi associado à imaturidade e à ingenuidade.

É fundamental questionarmos quando e por que a expressão dos nossos sentimentos deixou de ser o objetivo primordial da vida, devendo ser encoberta, manipulada, dissimulada ou mascarada. Parece haver um projeto de poder, como Bauman já observou em "O amor líquido", que nos direciona para a banalidade e nos afasta do que realmente nos acrescenta como seres humanos e faz com que nossa jornada tenha algum sentido.

O afeto é tudo aquilo que nos afeta, que nos tira do lugar e nos conecta com os outros, em um jogo em que todos saem vencedores. Bons encontros existenciais só acontecem quando estamos abertos afetivamente, permitindo que eles ocorram. Quando nos permitimos ser afetados e nos conectamos de modo genuíno com outras pessoas construímos relações cobertas de sentidos, isto em todos os níveis.

Em uma sociedade que muitas vezes negligencia o valor dos afetos, o envelhecimento surge como uma oportunidade para explorar e cultivar o seu poder transformador. E foi lendo o livro de Paulo Mantegazza, O Elogio da Velhice, escrito em 1894, que nos deparamos com ensinamentos encantadores sobre o amadurecimento, e um destes foi sobre sua observação de que quando vamos amadurecendo nos tornamos pessoas mais abertas para o afeto.

Segundo o autor, quando moços somos levados a nos proteger excessivamente das dores do afeto, principalmente do não correspondido à altura, mas à medida que vamos envelhecendo vamos percebendo que quanto mais afeto oferecemos ao mundo que nos cerca mais somos presenteados com atitudes afetuosas e gentis. E a partir de tal observação, dar afeto se torna para as pessoas maduras um verdadeiro prazer.

É certo que à medida que amadurecemos tentemos a ter acumulado experiências de vida que nos levam a valorizar as conexões emocionais e a dar importância para as relações interpessoais. O afeto se torna um elemento central em nosso desenvolvimento e bem-estar.

Assim, como tendemos a apreciar mais o poder do afeto, somos incentivados a construir relacionamentos saudáveis e a demonstrar mais carinho e gentileza em nossas interações diárias.

O traço definitório da raça humana não precisa ser apenas a linguagem, como querem os filósofos da linguagem, mas também a amorosidade, que se não é o mais importante traço, é dos mais essenciais e nos define como seres humanos; e é somente por meio da cultura do afeto que podemos nos salvar como civilização.

Aprendemos com Sartre que "o inferno são os outros", mas a experiência também nos mostra que são os outros que nos salvam e nos transformam. Somos todos frutos do cuidado ou do descuido de alguém, e, portanto, devemos também cuidar. A autossustentação é uma ilusão, pois precisamos uns dos outros para prosperar. São as lembranças dos afetos que recebemos nos momentos de aflição que nos salvam e nos fortalecem. Quanto mais afeto damos e recebemos, mais seguros nos sentimos para enfrentar os desafios da vida e nutrir relacionamentos significativos.

Quanto mais cedo aprendermos a fundamental lição de amorosidade, não em relação a uma ou meia dúzia de pessoas seletamente escolhidas, mas em relação ao mundo que nos cerca, creio que mais próximos estaremos ao que Pauto Mantegazza quis dizer com nos tornarmos mais amorosos a medida em que envelhecemos...

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