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Estado de Minas COLUNA

A despedida de Carnaval

No balanço da festa mais coletiva do mundo é hora de se tornar individual, sem rancores. Só é necessário partir


20/02/2023 06:00 - atualizado 20/02/2023 07:25

Máscara de carnaval rosa e lantejoulas douradas dentro de uma caixa, que está com a tampa aberta
'Que desfecho ruim para esta época do ano e pensar que poderíamos ter tido tudo' (foto: Freepik/Reprodução)
Eu poderia falar de tantas coisas aqui: o violento e devastador terremoto na Turquia e Síria, o grave acidente do descarrilamento de trem, carregado de produtos tóxicos, em Ohio, nos EUA (que não está em destaque na mídia, apesar da gravidade), da invasão da Ucrânia pela Rússia, que vai completar um ano no próximo dia 24 de fevereiro, mudanças climáticas, as construções do novo governo etc. Mas, hoje, eu vou me despedir.

Os incrédulos vão dizer: é carnaval e alegria e as despedidas são tristes. Mas as coisas acontecem quando têm que acontecer. Talvez este seja o melhor momento, pois enfrenta a correnteza da festança carnavalesca, vai contra o que se espera.

Surpreende a alma. Se “sobreviver” no final, mesmo com hematomas ou pequenas feridas, já simboliza que o pior passou. Ficarão as cicatrizes, mas quem não as tem?

Estar alegre é o mood do momento: fantasias, som nas alturas, gargalhadas escancaradas, corpos suados (ou molhados, dependendo dos desejos do clima), mas a verdade é que não estou na mesma sintonia. Eu sinto sua falta, isso entristece, mas não impede o fim. Mira! Que desfecho ruim para esta época do ano e pensar que poderíamos ter tido tudo.

Um serzinho que habita as profundezas do meu inconsciente diz que não faz muito sentido esse sentimento de tristeza nem combina muito comigo. Mas eu o ignoro e uma dor, que às vezes se assemelha a uma avalanche insuportável, assola vez ou outra meu coração, esse inimigo, que tratamos como invisível, mas que nos persegue com uma regularidade malévola.

Sou do tipo que esgota as possibilidades. Enquanto acho que posso oferecer algo mais, eu insisto. Insisti muito. Apesar dos esforços, nada foi suficiente. Creio que você também tenha tentado, da sua forma, como você acredita que tem de ser, mas nossa ausência de planos e seu invólucro de isolamento, nunca rompido, foram fatais.

O mundo não pode ser somente dois. O mundo é tão maravilhosamente grande!
Grande demais para caber em 100 m² para todo o sempre. Como exigir do outro encaixar ali, no universo de dois corações somente. Justo eu que consigo amar tanto.

Foi muito. Os amantes do amor barroco, exagerado na sua essência, não devem
entender, mas a modernidade é fluida e fluido deve ser o amor dedicado, não
amarrado em veias de dois corpos apenas.

Viver o mundo não impede amar o outro. As geografias podem se encaixar no micro e macro sistema do estar a dois. Se confiasse no quanto te amei, teria insistido mais. Se soubesse como a juba indomável das suas melenas me fazia bem, teria confiado mais.

Não foi o que ocorreu. As inseguranças, incertezas e exaustão foram nos consumindo, cotidianamente. Aos poucos fomos desentrelaçando os laços que nos envolviam. Nem percebemos quando começou.

A fórmula da intensidade inicial não deu certo. Alguém já havia dito: tudo o que é demais, sobra. Sobrou a força do egoísmo. Não sou só sua. Sou de tantos e isso jamais impedia de querer você, de desejar ver os dias passarem ao seu lado. Não foi possível.

Cruzei fronteiras para te encontrar, falei quase 100 vezes ao dia que te amava
(acreditava que 99 vezes era suficiente). Pode parecer exagero a outros olhos. Não me importo o que pensam os desavisados. Sou assim. Altero o Norte se necessário para viver o que pode valer a pena. Arrependo. Nunca! Faria de novo? Se acreditar, é provável.

Gestos e palavras não bastaram para nós dois. E o fim, tantas vezes adiado, chegou.

Tentamos, mas no final não conduzimos bem na nossa estrada. A profundidade do Que construímos era mais rasa do que pensávamos. Assim como os abalos sísmicos superficiais são mais devastadores, o fim nessas condições também o são.

Há lembranças boas e ruins: a intimidade da cama, os cafés, vinhos e cervejas
compartilhados, os tapinhas na bunda (que sempre eu dizia: dá estrias, mas eram, com um sorrisinho safado, ignoradas por você), as piscadelas de olhos no meio da multidão, que indicavam que estávamos ali um para o outro, as conversas sérias ou não, que surgiam do nada.

Mas do nada também floresciam as brigas, os olhares rancorosos e as palavras mal ditas. De repente, tudo ruía e reconstruíamos. Em cada reconstrução, um alicerce ficava abalado. Era nossa Babilônia. E assim, como a magnífica cidade, nossa vida também não resistiu às agressões sucessivas.

As memórias boas, no futuro, serão preservadas quando pensar em você, sem
esquecer as ruins, para entender o que possa vir depois. Não há culpa em nada do que vivemos, foram nossas escolhas. Tampouco, há vilões ou mocinhos nessa história. Há dois humanos que viveram o que foi possível e que, agora, vão traçar outros caminhos, viver outras experiências, construir novos mundos.

Resta o agora, viver cada momento que a vida oferece. Sair da inércia submetida. É a hora de ficar nua em frente ao espelho da sala, escolher uma música de gosto duvidoso, dançar vigorosamente, enxergar e abraçar a mulher forte e linda que eu sou.

Então, recomeçar. Não vou chorar copiosamente. Talvez uma lágrima caia enquanto escrevo, não será por ninguém, só porque é triste o fim, já dizia a canção. E, afinal, é carnaval.

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