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Estado de Minas GEOPOLÍTICA

O Movimento Mahsa Amini: três meses depois

Perseguições, mortes e prisões não eliminaram a disposição dos manifestantes de permanecerem na luta contra o regime dos aiatolás, no Irã


19/12/2022 06:00

As mulheres começaram a queimar seus véus e a exporem os cabelos nas ruas, atraindo um número cada vez maior de apoiadores
As mulheres começaram a queimar seus véus e a exporem os cabelos nas ruas, atraindo um número cada vez maior de apoiadores (foto: UGC / AFP )
Há três meses, o Irã enfrenta os manifestantes nas ruas de várias cidades do país. O véu “mau usado” de Mahsa Amini resultou na sua prisão, espancamento e morte no dia 16 de setembro e foi o estopim para uma revolta sem precedentes. Como consequência dos protestos, mais de 440 civis perderam a vida e estima-se que mais 18 mil foram presos, segundo as organizações internacionais que monitoram o movimento popular iraniano.  

O véu, o traje tão polêmico, tem sua origem no Ocidente, mas foi sacralizado entre as mulheres muçulmanas (apesar de algumas não o utilizarem, obrigatoriamente, como as drusas e alauítas), mesmo que o Corão, o livro sagrado islâmico, não faça grandes citações sobre o seu uso. O uso inadequado do hijab pela jovem curda tornou-se o pivô do movimento que se estende pelo país e, apesar de toda a repressão aplicada, o governo não conseguiu controlar. 

Logo após a divulgação da sua morte (supostamente de um ataque cardíaco, de acordo com a polícia) o rosto de Mahsa Amini junto aos slogans “Mulher, Vida e Liberdade” e “Os estudantes preferem a morte à humilhação” tornaram-se o símbolo  dos protestos que, foram, rapidamente,  se multiplicando em várias regiões do Irã. 

As mulheres começaram a queimar seus véus e a exporem os cabelos nas ruas, atraindo um número cada vez maior de apoiadores, exigindo mais direitos e autonomia às mulheres e à sociedade como um todo, reprimida por governo teocrático hostil, que nasceu com a Revolução Islâmica de 1979. 

A intensificação dos protestos levou, dias depois, ao bloqueio do Instagram e do WhatsApp pelas lideranças, como meio de controlar as informações e divulgação externa do que estava ocorrendo no país. 
 

O presidente do país, eleito em junho de 2021, aos 62 anos de idade, Ebrahim Raïsi, é retratado como um carrasco no Ocidente. Uma história de sangue acompanha sua ascensão meteórica no país dos aiatolás, segundo os analistas, devido à truculência acumulada nos cargos que exerceu anteriormente. 

Em um dos seus pronunciamentos, o ultranacionalista Raïsi prometeu que não teria nenhuma clemência com os manifestantes e que a repressão seria tão mortal como em 2009, com o “Movimento Verde”, desencadeado pela fraude no processo eleitoral. Isso explicaria os números atuais das vítimas da repressão, divulgados pelas ONGs internacionais. 

Diferentemente dos protestos de 2009, que buscava reformas fundamentais na estrutura da República Islâmica Iraniana, o atual movimento, que nasceu desatrelado de qualquer figura política, busca a derrubada do regime. Portanto, o que motiva a população estremece ainda mais os sustentáculos do poder.   

Nessa trajetória, para manter o controle social, o governo espalha teorias conspiratórias envolvendo os EUA e Israel, os arqui-inimigos do estado, questionam a existência do Holocausto e minimizam o papel do nazismo. Um mecanismo antigo, sustentado por falsas informações, que alimenta a base de apoio ativa para se posicionar contrária ao movimento, com o claro intuito de enfraquecê-lo. 
 

O governo conta com o apoio de setores econômicos privados do país para alcançar sucesso nessa investida contra o forte e destemido movimento popular.  Sob a eterna justificativa de que “são apenas negócios”, esses setores fornecem combatentes originados de milícias treinadas em academias esportivas espalhadas pelo país, que recrutam, não raramente, criminosos, para prestar serviços ao estado, ao lado da poderosa Guarda Republicana, a temida força militar iraniana. 

Há setores de tecnologia que buscam desenvolver um sistema para controle da internet e a criação de uma rede própria do país. Isso só é possível com o envolvimento de empresas que fornecem esse serviço, mesmo sabendo qual objetivo se pretende alcançar.  Como sempre, sob o bordão “business as usual”, governos tiranos contam com um apoio maciço de interessados em lucrar nesses momentos de forte instabilidade social.

Externamente, a posição dos líderes do Ocidente ainda é considerada lenta e está muito restrita às sanções econômicas impostas por Washington (que podem dificultar mais a vida dos cidadãos iranianos e causar menos danos ao estado).  Esse amparo mundial enfrenta uma carência de dados e divulgação nas mídias. 

As informações que chegam são limitadas e coordenadas por algumas entidades localizadas, principalmente, nos países europeus. Entretanto, os problemas internos vigentes em cada país (desemprego, inflação elevada, crescimento da ultradireita etc) e outros de escala mais global, como as consequências da invasão russa na Ucrânia, a Copa do Mundo, a emergência da questão climática diluem o apoio concreto, e não apenas verbal, da comunidade internacional. 

Essa carência de informações e interpretações dúbias e confusas explicam a divulgação do suposto fim da polícia da moralidade no país pelo jornal The New York Times, no início de dezembro, como uma vitória dos protestos.  Mas não há nenhum indicativo real de que isso tenha ocorrido, apenas uma manobra do governo com o intuito de melhorar a imagem fora das fronteiras nacionais.  
 

Internamente, há aqueles que expõem o trabalho e a reputação para se posicionarem ao lado da parcela da sociedade que questiona os métodos de opressão impostos pelas estruturas de poder. Muitas celebridades se juntam aos manifestantes: cantores, atrizes (como a famosa atriz Taraneh Alidoosti, conhecida por seu papel em “O apartamento” – Oscar de melhor filme estrangeiro, em 2017, presa no último sábado), atletas, ativistas e advogados se aliaram aos protestos, colocando a própria vida, liberdade e segurança em xeque. 

A divulgação de prisões, execuções públicas e perseguições aos familiares de envolvidos com as denúncias de participação nos protestos se tornam cada vez mais recorrentes. Todavia, não arrefece os ânimos e a raiva dos que estão nas trincheiras dessa luta. 

Três meses depois, permanece a falta de segurança, mortes, execuções e prisões generalizadas. Falar contra as lideranças de poder e defender os protestos é o comando para se colocar na linha de frente da repressão cruel imposta pelo regime islâmico, que governa o país, há 43 anos. Mas, nada indica que os protestos vão cessar. Os iranianos sabem que, se não se tornarem um, serão eliminados um a um. A luta deve continuar. 

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